Os ponteiros do relógio, correm céleres para as seis horas da
madrugada deste dia de outono. Uma madrugada fria e húmida. E escura. Apenas a
iluminação dos candeeiros da via pública, dão vida àquela rua do Bairro. O
roncar do motor a gasóleo, um som sujo de um cantar rouco, ecoa por entre os
prédios ainda inertes de vida.
Cidade deserta. Caminho em direção a Ceira e não se vê
vivalma. Trepo o morro e entro na autoestrada que me levará ao interior de
Portugal.
Percorro acompanhado, esta estrada de solidão. Sim,
acompanhado pelo meu carro, amigo de tantas andanças. E pela antena dois, que
oferece música que embala o meu espírito atormentado. São minutos e minutos de
acordes de violino e, no fim, um locutor de voz calma e pausada, indica a
próxima Obra que vai ser transmitida.
Agradeço-lhe aquele momento breve em que
fala comigo, mesmo que ambos estejamos sós. Ele, num acanhado estúdio da rádio.
Eu, ao volante do automóvel. Será Brahms, o meu próximo companheiro espiritual.
Uma Dança Húngara, toma conta do meu pequeno espaço.
Sinto-me em repouso, levado pela magia da música. Abro o vidro e inspiro sôfrego o aroma da madrugada. Sinto-me embriagado de sensações e emoções. E, envolto nas trevas que persistem, sou engolido por mais uma curva do caminho.
Sinto-me em repouso, levado pela magia da música. Abro o vidro e inspiro sôfrego o aroma da madrugada. Sinto-me embriagado de sensações e emoções. E, envolto nas trevas que persistem, sou engolido por mais uma curva do caminho.
Prossigo viagem. A noite, parece ainda mais opaca. À direita,
as luzes mortiças de uma Penela ainda adormecida. Lá mais à frente, minutos
depois, o Avelar, agora que uma humidade densa envolve a autoestrada num manto
de silêncio.
O itinerário complementar oito, perfila-se já no meu
subconsciente. É um percurso sinistro, que me obriga a redobrar cautelas. Subo
o volume do rádio, não vá acontecer adormecer ao volante e provocar uma
desgraça a mim e aos outros. Como um pugilista no ringue, levanto os punhos
como quem fica em guarda, à espera de levar mais um sopapo da vida.
São longos quilómetros de atenção redobrada. A ansiada manhã,
nunca mais aparece. Sertã já passou na vertigem dos meus pensamentos e, ao
longe, um pequeno clarão anuncia, ao de leve, a chegada do astro - rei para
breve. As estrelas, semeadas pelo céu sem critério, como sementes lançadas ao
vento, começam a esconder-se na claridade do dia que começa. Vou mais
revigorado, agora que já vejo um horizonte rendilhado pelo perfil das árvores
na penumbra.
Minuto a minuto, a visibilidade melhora. E, no Firmamento, nuvens de cor escarlate, como pincelas breves na tela azul - celeste imensa, alegram - me o espírito já menos revolto. Até o meu velho carro, partilhando desse meu estar e sentir, desliza em ritmo ligeiro ao som do Bolero de Ravel.
Enquanto me aproximo do meu destino, um bando de pássaros fugidios, cruza-se no meu universo de fogo, agora que o sol apareceu no seu esplendor. O combate terminou. O som metálico do gongo, anuncia o final do combate. Baixo os punhos e desarmo a guarda. Chegou a manhã.
Minuto a minuto, a visibilidade melhora. E, no Firmamento, nuvens de cor escarlate, como pincelas breves na tela azul - celeste imensa, alegram - me o espírito já menos revolto. Até o meu velho carro, partilhando desse meu estar e sentir, desliza em ritmo ligeiro ao som do Bolero de Ravel.
Enquanto me aproximo do meu destino, um bando de pássaros fugidios, cruza-se no meu universo de fogo, agora que o sol apareceu no seu esplendor. O combate terminou. O som metálico do gongo, anuncia o final do combate. Baixo os punhos e desarmo a guarda. Chegou a manhã.
Como o cortejo de pássaros que voam alegremente com o interregno das
trevas, também eu me regozijo com o final do meu voo noturno.
Quito Pereira
Quito,
ResponderEliminarFeliz és tu, que ainda observas as coisas simples, mas belas da vida!
Tenho um amigo que mora em Portugal, e sempre que nos falamos... eu pergunto-lhe: " E então, algo de novo no front? Alguma novidade?". E ele SEMPRE me responde assim: "Não. Nada de novo".
E eu insisto: "Como não? Você não viu nem mesmo se uma folhinha caiu de maneira diferente de uma árvore?".
E ele, categoricamente, me responde: "Não. Nem presto atenção nisso".
E eu estou sempre a dizer a ele... "olhe ao entorno... há tantas coisas para se ver... até mesmo alguém que está lhe estendendo a mão".
Por isso, digo-lhe: "És um privilegiado!"
E privilegiados somos todos os que têm amigos como vós, com os quais nos sentimos bem.
EliminarPM, isso foi para mim? Sério?
ResponderEliminar"Ssssaaaassssinhooora"! Menos, menos... rsss
Bjs, cara pálida!
(com todo respeito, claro!)
Tem que ser mesmo com todo o respeito. caso contrário, o ginecologista de turno "amanda-nos" com uma marretada (com todo o respeito, claro).
Eliminarhã?
Eliminar:-/
Ai nunca viste por aqui um ginecologista a censurar tudo o que lhe soe a malandrice?!
Eliminar(Que ninguém nos ouça... quem é? o Dom... ? rsss)
ResponderEliminar(ele ouve tudo... desde que a pilha do Sonotone não falhe)
EliminarQuem nasceu na Amazónia, mesmo hoje vivendo uma realidade mais citadina, percebe o piar dos pássaros e o cantar dos ribeiros. Quem vive apenas e só na floresta de cimento das grandes cidades, vive na luta diária da confrontação e do combate. Jornais e televisões que debitam notícias alarmantes, vendendo tudo o que possa atrair clientelas encharcadas em notícias, por vezes e muitas vezes, pagas e pouco inocentes. São as mãos invisíveis, comandando as multidões,em proveito de grupos que trabalham na sombra.
ResponderEliminarEles, os da cidade - não todos - vêm do universo campesino, uma espécie de atestado de ruralidade e menoridade, nada compatível com a "intelectualidade" de que alguns se arvoram. São esses, os mais perigosos.
Dividido entre dois mundos, conheço as duas realidades. Percebo, quem me vende gato por lebre. Aprecio quem ao meter dois paus numa fogueira, me fala do universo campesino, de uma forma genuína. Por vezes é preciso parar. Dar voz e ouvidos ao coração. Também à razão. Ser-se contemplativo, observando o que nos rodeia, não é nenhuma epidemia maligna. Pelo contrário. A Natureza, é bem mais inteligente que o Homem. ELA sabe, por si própria, resolver os seus problemas e conflitos. São quatro estações do ano, cada uma delas com a sua beleza. Portugal, este pequeno recanto europeu, até oferece neve no Inverno àqueles que, das grandes urbes, aparecem em manadas e correria. Vêm para se divertir. Apenas. E não para glorificar a montanha.
É esse, um dos dramas dos dias de hoje.
Um abraço para a Amazónia.
Algum dia, se conseguir, mandarei uma foto de pássaros que vêm ao meu quintal... entram em minha cozinha e vão beliscar banana, da fruteira. Todas as vezes que vejo essas cenas, estou longe da máquina fotográfica. Ainda tento andar sem fazer ruído, até pegar a câmera, que está em outro cômodo, mas eles acabam voando (embora retornem outras vezes). Quando não, estão voando de lá para acolá...acho mesmo que zombando das minhas cachorrinhas (não gosto de chamá-las cachorras, porque são duas "princesas"). Elas ficam tentando "alcançar" os pássaros que voam sobre elas.... como a dizerem: "Venham me pegar, se conseguirem. Venham!". rsss
ResponderEliminarSou uma apaixonada por essas ... maravilhas da Natureza! E, realmente, isso por aqui é o dia a dia.
Quito, abração para você, igual ao do bicho preguiça, que não larga mais. (Para sua São, também).
Manda,manda muitas fotografias.....
EliminarBeijinho
Que faças muitas viagens sempre com Saúde.
ResponderEliminarTonito.
Presumo que nos referes um sonho meio terrífico e meio real......A melancolia,nostalgia e até tristeza sobressaem mesmo acompanhado pela música em tom alto da Dança dos Húngaros.... Um itirenário calcorreado vezes sem fim,"contrariado" pela adversidade desta vida problemática em nos encontramos. Mesmo não sendo um sonho é um "pesadelo" interrompido pelo chilrear dos pássaros e pela desejada chegada. A nossa amiga Chama a Mamãe chama-te privilegiado e ela terá razão em relação a outros/as que nem "isto" têm. A caminhada neste Portugal não está fácil....
ResponderEliminarSei em que dia fizese esta viagem!
ResponderEliminarSonhaste que haveria um dia em que irias fazer um texto sobre uma viagem solitária de Coimbra a Salgueiro do Campo!
O sonho realizou-se! Talvez não estivesse para ser neste dia, mas a saudade falou mais alto! SÃO decisões que se tomam num impulso, forte, irresistivel...e nem foi preciso despertador!!!
Conduzias, ou deixavas conduzir-te pois o teu carro sabe o caminho de cor e salteado!!!
A música e o locutor servem para te manter a audição desperta, apenas tens que deitar uma olhadela às terras por onde vais passando e calculando quantas ainda terás que passar até ao destino! Mas não te perdoo a referência às luzes mortiças de Penela!!!! Logo de Penela. Ainda se fosse do Avelar! Mas chegaste bem do teu voo nocturno...mataste as saudades, descansate(ou talvez não..) por que logo regressasre num voo diurno.Ai Coimbra!!!!
Quito
ResponderEliminarAdorei os teus dois companheiro assim como os outros que iam passando mas que te ajudaram a passar o tempo e a nós também. Comos os pássaros li mais uma proza das tuas, alegremente.
Um abraço.
Assim se começa o dia, bem cedo, ainda sem o sol a despontar.
ResponderEliminarO motivo da viagem madrugadora era louvável e assim chegaste, com a luz brilhante , ao teu destino.
Como sempre, fomos tua companhia....
Acabaste por fazer a viagem também em nossa companhia...
ResponderEliminarAquele abraço.