A ELEGIA DA PARTILHA ...

 O "Hipólito" ...

Estou a poucas horas de partir para o Porto, despedir-me de um amigo e, talvez por isso, eu esteja sombrio. Mas hoje, ao ler um texto, em jeito de desabafo, do João Rafael, não pude deixar de refletir sobre alguma da realidade atual do nosso bairro e, de certo modo, em como tudo se transformou desde tempos de antanho. Não que eu seja contra a evolução da sociedade em que estamos inseridos. Mas entendo que valores como a amizade e a fraternidade, são transversais ao Tempo. E é por isso que não compreendo, que um simples almoço entre habitantes de um Bairro, possa dar lugar a mal- entendidos, desconfianças ou até mesmo sectarismos. Que me importa a mim, que o Centro Norton de Matos, esteja de mãos dadas com o “Encontro de Gerações”, na organização de um almoço? Nada !!!. Será que não fomos ou somos residentes do Bairro ? Não será que o essencial desta confraternização, é a amizade fraterna?

Percebo, perfeitamente, as angústias do João Rafael. Não entendo como muitos sócios, sobretudo aqueles que diariamente gozam daquilo que o nosso Centro modelar tem para lhes oferecer, virem as costas ao evento, numa indiferença que dói. Eu sei, que vivemos tempos difíceis. Que alguns, muitos, vão contando os cêntimos que têm guardados, no fundo da gaveta. Mas, neste caso concreto, não parece ser essa a razão. Neste monstro que a sociedade gerou, o egoísmo, a desconfiança e a indiferença, são porta – estandartes de uma sociedade doente. Hoje, meus amigos, mais do que nunca, pela situação que atravessamos, temos que ser cidadãos ativos e ninguém tem direito à indiferença ou de assobiar para o lado. E uma festa de amigos deste Bairro que é o nosso, é um bom pretexto para troca de impressões e experiências de vida.

Que saudade do meu bairro solidário! Que saudade do riso das crianças a brincar nas ruas ! Que saudade  dos bandos de pardais a fugir à frente da farda de um polícia! Que saudade das corridas de triciclos e dos papagaios coloridos a dançar ao vento no “Cavalo Selvagem”! Que saudade da minha “Praça dos Baloiços” e das vizinhas a fazer renda, em conjunto, nos jardins, ou daquela ou aquelas que, apressadas, vinham pedir emprestada uma chávena de arroz para fazer o almoço ou uma pitada de sal, para temperar o cozinhado. Ou até de um simples fósforo, para acender o “Hipólito” !!! Que saudade dessa época recuada, daquela FORMA DE ESTAR tão singela que intitulo de elegia da partilha. Porque o Bairro, de cavalo selvagem a galope de crinas ao vento, é o meu refúgio de memórias. E o Bairro Norton de Matos, outrora Marechal Carmona, o meu Penedo da Saudade.

Que emoção lembrar aquela excursão da “Praça dos Baloiços”, em que todos se quotizaram para uma viagem ao Porto. Eu, na minha inocência de criança, estive largos períodos da noite acordado, na esperança de ouvir o motor da camioneta. Sim, porque aquela viagem não era uma excursão qualquer. Era ir num dia e vir no outro, dormindo todos numa pensão da Invicta. Aquela viagem, na minha cabeça, tinha honras de aventura, como quem desafiava o frio glaciar do Pólo Norte ou o clima morno e doentio do sertão brasileiro.

Não é minha intenção, naturalmente, que alguém se sinta ofendido com este meu desabafo. Se calhar sou eu que, desesperadamente, tento olear as rodas dentadas da engrenagem de um Tempo ausente que partiu…

Mas como eu  entendo o teu desencanto, meu caro João Rafael !!!
Quito Pereira