Subi ao Chiado a abraçar Pessoa ...
Parti para Lisboa, ao encontro de Coimbra. No coração, levava uma capa. Uma capa negra e o doce trinado do murmurar do Mondego. Ali, no São Jorge, cinema destas e de outras eras, fomos chegando em sucessivas ondas de emoção. Já antes, lá para os lados da Gare do Oriente, tinha almoçado com o Rui Felício. Por muito tempo, ficámos na esplanada, olhando o rio e falando dum Bairro que é o nosso. E de Coimbra. Daquela cidade que é a nossa. Depois, a conversa tomou asas e até um texto sobre um comboio pachorrento a calcorrear a planície alentejana, deu para divagar sobre Vergílio Ferreira.
Daquela noite lisboeta, em que Coimbra foi rainha, é difícil explicar todo aquele caudal de virtuosismo e o talento de todos. A irreverência coimbrã à solta, num espetáculo que nada teve de formal. E se assim não fosse, então não seria Coimbra.
Por amabilidade da minha amiga Susana Redondo, sentei-me num lugar reservado. E foi dali que assisti, a momentos da mais apaixonante poesia. Também do ouvir o pranto das guitarras e violas e as magnificas vozes de alguns que foram transversais ao meu Tempo, caso de Luís Goes. Mas não poderei deixar de falar aqui do Grupo “Raízes de Coimbra” e de dois dos seus elementos: Rui Pato e Mário Rovira. Era o Bairro que estava ali. Emocionei-me e nem sequer tenho o pudor de o esconder. Outros choraram. Porque os homens também choram, envoltos numa capa negra de saudade.
Como chegámos, assim partimos. O Destino que, generoso, nos trouxera até li pela mão, encarregava-se agora de nos espalhar pelos braços dos pontos cardeais.
Na manhã seguinte, parti ao encontro de Lisboa. Subi ao Chiado, num abraço a Pessoa. Desci a Rua do Carmo, ao encontro do “Grandella”. Encostado à porta do mítico armazém, entretive-me a ver um palhaço a fazer com um canudo, bolas coloridas de sabão. E a menina de tenra idade, de vestido cor-de-rosa e laçarotes no cabelo, que batia as palmas de entusiasmo. Então, a enorme bola subia a rua até rebentar, para espanto da criança, num esgar de desilusão. E o palhaço, generoso, rapidamente fazia outra, não dando à menina tempo de chorar. Depois, parti. Calcorreei o Terreiro do Paço do nosso descontentamento. Passei pelo Arco da Rua Augusta e deambulei pelo empedrado da calçada. Uma bebida refrescante, sorvida em pequenos tragos, foi o mote para observar toda aquela avalancha de gente que passava, em destinos e vidas cruzadas. Vi o executivo, de semblante carregado e pasta na mão. Vi o par enamorado e olhar romântico, na primavera das suas vidas. Vi o cauteleiro, que tem a sobrevivência pendente das cautelas, que lhe escorregavam dos dedos em cascata. Vi o engraxador, curvado sobre o Destino. Vi um elétrico de turismo, com a cara de um asiático de boné colorido, em cada uma das janelas. Vi uma rapariga jovem, vestida a rigor de baile palaciano, a fazer de estátua. Por cada moeda a tilintar na lata, uma melodia harmoniosa que aparecia como por magia e um agradecimento numa vénia bem redonda e acentuada.
E vi um homem da Beira à beira do Tejo, de óculos escuros e cabelo grisalho, sentado à mesa da esplanada cosmopolita da Baixa Pombalina, longe das paisagens campesinas.
Reconheci-o. Era o meu heterónimo à procura de mim ...
Quito Pereira
Daquela noite lisboeta, em que Coimbra foi rainha, é difícil explicar todo aquele caudal de virtuosismo e o talento de todos. A irreverência coimbrã à solta, num espetáculo que nada teve de formal. E se assim não fosse, então não seria Coimbra.
Por amabilidade da minha amiga Susana Redondo, sentei-me num lugar reservado. E foi dali que assisti, a momentos da mais apaixonante poesia. Também do ouvir o pranto das guitarras e violas e as magnificas vozes de alguns que foram transversais ao meu Tempo, caso de Luís Goes. Mas não poderei deixar de falar aqui do Grupo “Raízes de Coimbra” e de dois dos seus elementos: Rui Pato e Mário Rovira. Era o Bairro que estava ali. Emocionei-me e nem sequer tenho o pudor de o esconder. Outros choraram. Porque os homens também choram, envoltos numa capa negra de saudade.
Como chegámos, assim partimos. O Destino que, generoso, nos trouxera até li pela mão, encarregava-se agora de nos espalhar pelos braços dos pontos cardeais.
Na manhã seguinte, parti ao encontro de Lisboa. Subi ao Chiado, num abraço a Pessoa. Desci a Rua do Carmo, ao encontro do “Grandella”. Encostado à porta do mítico armazém, entretive-me a ver um palhaço a fazer com um canudo, bolas coloridas de sabão. E a menina de tenra idade, de vestido cor-de-rosa e laçarotes no cabelo, que batia as palmas de entusiasmo. Então, a enorme bola subia a rua até rebentar, para espanto da criança, num esgar de desilusão. E o palhaço, generoso, rapidamente fazia outra, não dando à menina tempo de chorar. Depois, parti. Calcorreei o Terreiro do Paço do nosso descontentamento. Passei pelo Arco da Rua Augusta e deambulei pelo empedrado da calçada. Uma bebida refrescante, sorvida em pequenos tragos, foi o mote para observar toda aquela avalancha de gente que passava, em destinos e vidas cruzadas. Vi o executivo, de semblante carregado e pasta na mão. Vi o par enamorado e olhar romântico, na primavera das suas vidas. Vi o cauteleiro, que tem a sobrevivência pendente das cautelas, que lhe escorregavam dos dedos em cascata. Vi o engraxador, curvado sobre o Destino. Vi um elétrico de turismo, com a cara de um asiático de boné colorido, em cada uma das janelas. Vi uma rapariga jovem, vestida a rigor de baile palaciano, a fazer de estátua. Por cada moeda a tilintar na lata, uma melodia harmoniosa que aparecia como por magia e um agradecimento numa vénia bem redonda e acentuada.
E vi um homem da Beira à beira do Tejo, de óculos escuros e cabelo grisalho, sentado à mesa da esplanada cosmopolita da Baixa Pombalina, longe das paisagens campesinas.
Reconheci-o. Era o meu heterónimo à procura de mim ...
À hora a que o Quito percorria a cidade, retendo para crónica futura os locais e personagens que a caracterizam, voava eu encafuado pelos céus da Europa, sem ainda ter conseguido aliviar o pensamento e o coração das emoções do dia anterior.
ResponderEliminarQue ficará para sempre marcado na minha memória. Desde o almoço e a tarde em que com ele e com a São falámos da nossa sempre inesquecível Coimbra, dos problemas da época atual, do desterro a que ambos fomos votados pelas leis da vida.
Para mais tarde termos revisitado a nossa cidade através dos sons inconfundíveis com que nos comoveram grandes nomes de Coimbra, que já marcam e para sempre ficarão gravados na sua História.
Uma plateia repleta onde se reconheciam rostos conhecidos da pintura, da música, da política, do ensino.
E onde, para nosso orgulho, o nosso Bairro estava dignamente representado no palco como relembra o Quito, através de Rui Pato e Mário Rovira.
Um agradecimento especial da Suzana Redondo, inexcedível na preocupação de nos ter instalado nos melhores lugares para assistirmos ao espectáculo.
E uma referência à Kristina Santos, senhora de uma voz excepcional que cantou o fado de Coimbra, de forma extraordinária, ao arrepio dos cânones ancestrais de exclusividade masculina da sua interpretação que os tempos actuais aconselham a mudar.
Pela alta qualidade demonstrada ela demonstrou que nada justifica a continuação dessa ancestralidade.
Agradeço ao Rui Felício o seu comentário, que mais não é do que a forma do seu SENTIR. O seu comentário - texto, é o complemento do que escrevi em agradecimento ao que me (nos) foi proporcionado naquela noite. Coimbra feiticeira, que nos prende o coração - assim dizia um amigo meu.
ResponderEliminarMas enquanto o Rui, voava encafuado pelos céus da Europa - no seu dizer - pelo chamamento da voz do sangue, eu deambulava por Lisboa, misturado com as suas gentes.
E a Lisboa fica a minha homenagem. Lisboa que, no seu regaço, acolheu e acolhe muitos dos que tiveram como seu berço Coimbra, ou lá viveram.
Naquela noite, o Mondego e Tejo deram as mãos, numa estreita cumplicidade...
Mais uma vez, aqui deixo o meu agradecimento à Suzana Redondo e a todos os que, quer dentro ou fora do palco, contribuíram para aquela partilha de emoções e de afetos ...
Obrigado
Como uma noite bem passada no São Jorge, em lugar privilegiado, por amabilidade da nossa amiga Suzana Redondo, cuja Empresa do Licor Beirão, mais uma vez apoiou iniciativas que promovem a Cultura e a Música e desta vez num reencontro de Coimbra com Lisboa, foi pretexto para o Quito nos presentear com este belo texto!
ResponderEliminarPercorreu zonas de Lisboa, onde não podia faltar uma visita à Gare do Oriente, onde provavelmente lá pelo Parque das Nações almoçou com o Rui Felício.
Não terão sido jaquinzinhos, pois nestes lugares "selectos", outros pratos mais requintados são mais propícios a conversas sobre literatura, que até meteu Virgílio Ferreira!
Bem do espectáculo e de quem actuou me dispenso de escrever pois o Quito já disse o mais importante e só iria repetir. Mas realçar a presença do nosso Bairro tanto na actuação do Mário Rovira como do Rui Pato...e também numa grande representação na assistência ida de Coimbra e também de nossos amigos do Bairro que vivem em Lisboa!
Quanto ao teu heterónimo à procura de ti...não sei se acabaram por se encontrar!
E acabo por aqui, para não me espalhar mais...
Um bife mal passado e uma cerveja belíssima, foi o começo da jornada Coimbrã, por sugestão do nosso amigo comum, Rui Felício ...
ResponderEliminarTu, Rafael, se tivesses "vergonha" nem falavas em jaquinzinhos, depois do que se passou lá para os lados da Nazaré. Não me "desates" a língua ...
Deixa-te de filosofias e acende o lampião do Rui Lucas, que hoje palpita-me que vai haver arraial em Braga. Sabes rezar ?
Habitualmente não bebo cerveja.
ResponderEliminarMas quando vou àquele restaurante não abdico dela. É fabricada em Portugal pela cervejaria Lusitana, é servida directamente do barril e chama-se WEISS, por ser análoga à cerveja da Baviera onde é a mais consumida.
Tem um aspecto dourado turvo,é leve e um sabor agradável e diferente das nossas cervejas.
Ainda bem que o Quito gostou porque tanto na comida como na bebida confiou nas minhas sugestões.
Só nos acompanhamentos e guarnições as nossas escolhas divergiram.
Também divergiu na conta. Por ser justo e para que conste, o Rui teve a amabilidade de me (nos) oferecer o excelente almoço, com a tal cerveja WEISS, que, da facto, é do melhor que tenho bebido ...
ResponderEliminarBem - hajas, Rui ...
Não me faças falar! Porque, nessa matéria, eu tenho muito mais para contar! E para te agradecer...
EliminarNão "ma lembro" ...
ResponderEliminarVoltando ao texto e para esclarecer a dúvida do Rafael...
ResponderEliminarO heterónimo do Quito Pereira é a cara chapada dele, e são ambos unha com carne. Onde está um está o outro.
Só espero que o seu heterónimo, cujo nome não posso desvendar, não se esqueça de me dar a honra de prefaciar a sua colectânea de contos que já tarda!
Sim porque se o Quito se obstina em não o fazer, ao menos que deixe que o seu heterónimo o faça!
ResponderEliminarO que tarda, é apareceres em Coimbra, para irmos todos em grupo almoçar ...
ResponderEliminarISSO É QUE JÁ TARDA !!!
Caros amigos
ResponderEliminarAté amanhã. Espero que amanhã estejamos bem dispostos, sinal de que a Briosa, pelo menos, não perdeu.
Ó Rui, escreve isto em latim, que é para eu ter uma saída de cena com chave - de - ouro ...
Abraço a todos
Not aurea piscatur hamo ( não é com anzol que se pesca ouro )
ResponderEliminarSed cum aurea clavis fermat opus ( mas é com chave de ouro que se conclui a obra )
E quem tem a chave de ouro é o Quito, não eu!
"Viagem a Lisboa, ao encontro de Coimbra" - terá sido este o mote que levou o Quito a escrever esta poesia.
ResponderEliminarÉ um poema ao encontro das amizades, à apreciação da arte, à observação das muitas e diversas envolventes da cidade que, não sendo a sua, lhe transmite o mesmo pulsar da vida.
Porque o Quito sabe sentir o pulsar da vida.
Abraçou Pessoa, estou certo que Pessoa o abraçou a ele.
Ainda gostava de saber quem é o heterónimo de quem...
Meu querido amigo, gostei muito.
Mais um texto para a colectânea que todos queremos ver surgir à luz do dia.
Aquele abraço.
Obrigada Quito.
ResponderEliminarTonito.
Agora que aqui cheguei, vai o meu abraço para os amigos Carlos Viana e Tonito .Sempre generoso nas apreciações, o meu amigo Dragão Jubilado ...
ResponderEliminarOntem, perdemos,mas consta-me que perdemos mal, pelo que a Académica fêz na 2ª parte. Mas quem me deu a informação, foi o meu filho Gonçalo Pereira, que vê os jogos da Briosa numa lógica do "quem não é por nós, é contra nós". Por isso, tenho que ter uma certa reserva e dar o devido desconto ...
Obrigado Felício, pelo "latinórium" ...
Papá, desta vez eu juro em cima de uma pilha de bíblias que fizemos uma segunda parte como eu não via há décadas !!! :)
EliminarTive pena de não poder estar mais contigo e com a mãe nestes dois dias. Ficará para a próxima. VIVA COIMBRA aka "A PÁTRIA" !!
Mais uma vez,perdemos mal.
ResponderEliminarO Quito, mais uma vez nos dá um excelente registo de uma noite inesquecível!
ResponderEliminarGostei de lá ter estado, rodeada de artistas e de amigos.
Só faltava esta " cereja no topo do bolo"!