E PLURIBUS UNUM. Nem sempre ...
Esta é uma história triste. Até fico encarnado de a partilhar convosco. Fui vítima de assédio. Não, não é desse, do que estão a pensar. Fui vítima de assédio futebolístico, nos meus vermelhos anos. Sim, não são verdes anos, porque vos vou falar do Benfica.
Esta história, começa com o meu tio Emídio sentado à mesa, lá para os lados da Praça do Chile, em Lisboa. Eu ia passar temporadas a casa dele, e ele, benfiquista assumido, jurou que me havia de levar para a confraria. Lembro aquelas noites em que, a comer um “jaquinzinho” pegando-lhe pela cabeça e pelo rabo, como quem toca uma gaita de beiços, me dizia a meio da mastigação, com o emblema da águia na lapela e a sua veia liberal: “ meu filho, hás-de ser do Benfica, tens que ser do Benfica, nem que o mafarrico rebente no inferno !!! ”. E eu, que estava ali de borla, com cama, mesa e roupa lavada, dizia a pestanejar os olhos, na minha inocência da criança: “… está bem tio, mas vou ter que me esforçar muito…”. Verdade. O meu coração era negro e ainda por cima tinha uma vetusta torre de uma universidade e um telhado, que o resguardava das intempéries da alma. Mas ele insistia. Lembro-me de o ver um dia, todo bem vestido, no seu fato domingueiro, com o cabelo a luzir de brilhantina, penteado de risco ao meio, como se usava naquele final da década de cinquenta. Percebi a intenção, naquele aprumo de vestuário. Era dia do Benfica, jogar na capital do reino. Pegou-me pela mão e levou-me ao Estádio da Luz. Num ápice, vi-me numa arena, rodeado de benquistas. Ele, olhou para mim e, em tom imperativo, ordenou-me: “ quando o Benfica entrar em campo, ri-te !!! ”. Fiz o que ele me pediu, mas, surdamente, o meu coração acudia pelos fabris do Barreiro. Era a CUF, que jogava ali naquele dia. O Benfica, nessa tarde de sol, deu uma abada e à noite, lá em casa, até o rancho foi melhorado.
De regresso a Coimbra, passava tardes em casa do meu tio Silva. Outro vermelhão assumido, que também usava emblema na lapela. Gostava do Benfica e das paródias com os amigos pelas capelinhas da Baixinha, todos em devota procissão gastronómica. Chegava tarde a casa e a minha tia, que era a bondade em pessoa, pressentia que tinha havido farra e dizia-me com santa paciência, enquanto os ponteiros do relógio já rodavam para as onze da noite: “ hoje o teu tio deve ter ido à consulta, ao Dr. Mendonça”. Nunca se enganava! O ventre abaulado como um tambor, era o testemunho vivo, de que o repasto tinha sido glorioso. Tal como o Benfica, já se vê !!! Depois sentava-se na sala – de – estar, numa cadeira de braços, com um ar angélico, passava a mão pela testa, à guisa de quem estava a arder de febre e miava: “ … não sei o que se passa comigo, ando sem apetite … “. Pudera, com a barriga cheia de carne assada !!!
Por falar em miar, é aqui que entra o gato. Até o bicho que tinham lá em casa, se chamava Benfica. O animal, decididamente, não gostava de mim. Apesar de eu simpatizar com animais, era esquivo e lá terá percebido, no seu instinto felino, que a minha simpatia clubistica, não era compatível com o nome dele. Nem tinha que ser, pois se o animalzinho até era lustroso, gordo e PRETO !!!
Quito Pereira
Esta história, começa com o meu tio Emídio sentado à mesa, lá para os lados da Praça do Chile, em Lisboa. Eu ia passar temporadas a casa dele, e ele, benfiquista assumido, jurou que me havia de levar para a confraria. Lembro aquelas noites em que, a comer um “jaquinzinho” pegando-lhe pela cabeça e pelo rabo, como quem toca uma gaita de beiços, me dizia a meio da mastigação, com o emblema da águia na lapela e a sua veia liberal: “ meu filho, hás-de ser do Benfica, tens que ser do Benfica, nem que o mafarrico rebente no inferno !!! ”. E eu, que estava ali de borla, com cama, mesa e roupa lavada, dizia a pestanejar os olhos, na minha inocência da criança: “… está bem tio, mas vou ter que me esforçar muito…”. Verdade. O meu coração era negro e ainda por cima tinha uma vetusta torre de uma universidade e um telhado, que o resguardava das intempéries da alma. Mas ele insistia. Lembro-me de o ver um dia, todo bem vestido, no seu fato domingueiro, com o cabelo a luzir de brilhantina, penteado de risco ao meio, como se usava naquele final da década de cinquenta. Percebi a intenção, naquele aprumo de vestuário. Era dia do Benfica, jogar na capital do reino. Pegou-me pela mão e levou-me ao Estádio da Luz. Num ápice, vi-me numa arena, rodeado de benquistas. Ele, olhou para mim e, em tom imperativo, ordenou-me: “ quando o Benfica entrar em campo, ri-te !!! ”. Fiz o que ele me pediu, mas, surdamente, o meu coração acudia pelos fabris do Barreiro. Era a CUF, que jogava ali naquele dia. O Benfica, nessa tarde de sol, deu uma abada e à noite, lá em casa, até o rancho foi melhorado.
De regresso a Coimbra, passava tardes em casa do meu tio Silva. Outro vermelhão assumido, que também usava emblema na lapela. Gostava do Benfica e das paródias com os amigos pelas capelinhas da Baixinha, todos em devota procissão gastronómica. Chegava tarde a casa e a minha tia, que era a bondade em pessoa, pressentia que tinha havido farra e dizia-me com santa paciência, enquanto os ponteiros do relógio já rodavam para as onze da noite: “ hoje o teu tio deve ter ido à consulta, ao Dr. Mendonça”. Nunca se enganava! O ventre abaulado como um tambor, era o testemunho vivo, de que o repasto tinha sido glorioso. Tal como o Benfica, já se vê !!! Depois sentava-se na sala – de – estar, numa cadeira de braços, com um ar angélico, passava a mão pela testa, à guisa de quem estava a arder de febre e miava: “ … não sei o que se passa comigo, ando sem apetite … “. Pudera, com a barriga cheia de carne assada !!!
Por falar em miar, é aqui que entra o gato. Até o bicho que tinham lá em casa, se chamava Benfica. O animal, decididamente, não gostava de mim. Apesar de eu simpatizar com animais, era esquivo e lá terá percebido, no seu instinto felino, que a minha simpatia clubistica, não era compatível com o nome dele. Nem tinha que ser, pois se o animalzinho até era lustroso, gordo e PRETO !!!
Quito Pereira
A ida há consulta e a falta de apetite, está o máximo.
ResponderEliminarUm Abraço.
Tonito.
Era rebalhão atrás de rebalhão, Tonito ... hihihihihi
EliminarParafraseando o Tonito! - Bem esgalhada Quito. Mais uma "narrativa" com o carimbo do Escritor. E a proposito...quando é que o JF publica as tuas excelentes prosas? Grande abraço. E a PRETA ....sempre!!!!
ResponderEliminarUm abraço para ti, Leitão. Já agora, dizer-te, que a leitura do Manuel Bastos que me ofereceste, terá a minha homenagem no blogue.
EliminarEm breve, o " Cacimbados", visto na minha ótica, terá o seu lugar neste espaço de convívio, que é de nós todos.
Toma lá outro abraço
Um gato preto e lustroso a que deram o nome de Benfica! Só se naquela época o equipamento alternativo era negro...
ResponderEliminarMas, bem vistas as coisas, nunca ninguém viu um gato encarnado. Nem verde, Nem azul.
O benfiquista dono dele, não tinha outro remédio senão ter um gato benfiquista, vestido de negro, um sobrinho de coração negro que ia ver o Benfica, ria-se a contragosto e acudia pela CUF, e um outro tio que sofria da doença de falta de apetite depois de se empaturrar de carne assada.
Uma descrição cheia de pormenores risíveis que me fizeram soltar algumas gargalhadas durante a leitura.
Rui
EliminarAgradeço que consultes o teu e-mail. Depois, diz-me alguma coisa ...
Abraço
Ser Benfiquista
ResponderEliminarÉ ter na alma a chama imensa
Que nos conquista
E leva à palma a luz intensa
Do sol que lá no céu
Risonho vem beijar
Com orgulho muito seu
As camisolas berrantes
Que nos campos a vibrar
São papoilas saltitantes.
Foi isto que o teu tio não te conseguiu incutir na tua alma!!!
Nem o teu tio nem a gata!
Texto divertido! Preto é uma mancha negra que nasceu contigo e...comigo!
Quanto aos jaquinzinhos tiveste sorte....
Não me fales em jaquinzinhos que fico nervoso ...
EliminarO Quito foi um resistente, venceu o assédio familiar e não encarnou...
ResponderEliminarFez bem, se o tivesse feito, hoje sofreria quase tanto como sofre com a paixão pelo negro.
Olha, meu querido amigo, dá ao gato umas pinceladas de azul...
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Um texto do Quito que sai do seu normal registo.
Desta feita, diverte-se e diverte-nos, como a lembrar que nem tudo na vida é negro...
Grande abraço.
Tens razão, Viana. Mas andam por aí umas "más línguas" a dizer, que eu estava bem era na SERVILUSA ...
EliminarSão "más línguas", não passes cartão...
EliminarQual Servilusa qual carapuça tu estás bem é por aqui a continuar a deliciar-nos com a tua escrita.
ResponderEliminarPois eu sou da Académica mas a terceira costela do lado esquerdo é do Glorioso que tem na força e lealdade da águia o símbolo da sua força.
Um abraço
Julgava eu que te conhecia dos pés à cabeça.
EliminarDesconhecia essa tua terceira costela.
Ora porra!
Tenho de te reavaliar...