Lições de História
Francisco Queirós
“Olá mãe, desculpa estar a telefonar-te, eu sei que estás a trabalhar. Ouve lá, mãe, estou a estudar história e percebi que há muito, muito tempo, na Idade Média os servos e os camponeses eram obrigados a cederem vários dias para prestarem trabalhos gratuitos aos seus senhores.
Na Idade Média, assim acontecia. Chamam-se corveias. Os servos e
camponeses em diversos dias do ano, conforme os contratos escritos ou
não, reparavam as residências dos senhores, os muros e caminhos ou
realizavam vários trabalhos agrícolas sem qualquer recompensa por isso.
Estava eu a estudar e, sabes mãe?, fiz o que tu estás sempre a dizer
para não fazer, tinha o televisor ligado e ouvi que o Vaticano aceitou
que o governo elimine dois feriados religiosos. Primeiro nem percebi
muito bem. Não foi ainda há pouco tempo que o Papa esteve em Cuba e
pediu ao governo de lá para conceder feriados religiosos? Mas aqui
aceita que o “Corpo de Deus” e o “Dia de Todos os Santos” deixem de ser
feriados…Assim, em Portugal passarão a existir sete dias de trabalho
gratuito. Quatro feriados, dois civis e dois religiosos, que o deixarão
de ser e três dias de férias que serão dias de trabalho.
Assim, com mais horas de trabalho, os salários diminuem. Não é, mãe? O
Arménio Carlos, secretário-geral da CGTP, considerou que estas medidas
consubstanciam um regresso ao feudalismo. Ora aí está o que estou a
estudar na disciplina de História! Fiquei então muito baralhado! Então
agora também há corveias? Então agora voltámos ao que houve há muitos
séculos? E mais baralhado fiquei quando peguei no jornal e vi que um
senhor economista reproduzia números de um estudo do Instituto Nacional
de Estatística.
Eu sei, mãe, devia estar a estudar, mas que queres, isto faz-me
confusão! E o que dizia o estudo? Que 17,9 % dos portugueses vivem
abaixo do limiar de pobreza, mas que se não fossem as prestações
sociais, como o subsídio de desemprego, o rendimento social de inserção e
outros, esse número subia para os 43,4%, o que daria 4 milhões e 600
mil pobres em Portugal! Não mãe, não é na Idade Média, é hoje! E ainda
diz o senhor economista que só 41% dos desempregados recebem subsídio e
disse ainda outra coisa terrível. É que na verdade se considerarmos o
desemprego efetivo o número de desempregados que estão a receber
subsídio em 2012, ouve com atenção, mãe!, em 2012, não é no livro de
História, esse número é de 27,3%. E já agora, com mais dias de trabalho
gratuito, o número dos desempregados vai aumentar ainda mais!
Sim, mãe, eu sei, tenho de ir estudar…Mas diz-me lá se fores capaz!
Será que foi isto que vocês e antes os vossos pais quiseram deixar aos
vossos filhos? Tudo tão parecido com a história antiga! Eu sabia que
não! Como dizes, mãe? Que nos livros de história também há outros
capítulos? Como aqueles em que o povo se libertou e deu enormes lições
aos grandes senhores? Como em 1383 ou em 1820? Como em 1974!? Ok, mãe,
ficou mais feliz assim. Afinal valeu a pena ter-te telefonado para o
trabalho e não me parece que tenha sido uma grande asneira ter
interrompido a sessão de estudo. Obrigado, mãe! Vamos lá fazer então os
outros capítulos da história! Beijinhos!”in "As Beiras"
Vamos a isso!
ResponderEliminarFrancisco Queirós vale-se dos seus conhecimentos de história para nos mostrar que há semelhanças entre o exercício do poder na Idade Média e o presente.
ResponderEliminarSemelhanças essas que eu julgava impensáveis! Mas, infelizmente, está cheio de razão.
Desconhecia o termo "corveia" ( tanta coisa que eu desconheço!)
"A corveia é o trabalho gratuito que no tempo do feudalismo os servos e camponeses deviam prestar ao seu senhor feudal ou ao Estado durante três ou mais dias por semana, como previa o contrato de enfeudação.
É trabalhar de graça nas terras do senhor."
Hoje, o Estado determina que os trabalhadores trabalhem de graça nas empresas dos patrões.
Nota: Francisco Queirós tem uma coluna semanal in "As Beiras". Às 5ªs.feiras lá está ele...
Leiam que vale a pena.
Francisco Queirós reside no nosso Bairro e é vereador na Câmara Municipal de Coimbra.
ResponderEliminarTambém costumo ler a coluna semanal nas Beiras.
Pensando bem, a História vai-se repetindo pelos séculos!
ResponderEliminarJulgámos impensável, mas cá temos, tão bem descrito, uma carta dirigida a uma mãe a quem se confidenciam as dúvidas e as mágoas que nos vão na alma e que elas bem entendem.
Reflitemos, debruçados sobre a lição apresentada por Francisco Queirós.
ASSUNTO.
ResponderEliminarTonito.
Na mente humana, o feudalismo sempre existiu. O menino precisa de aprender isto na escola.
ResponderEliminarQuanto maior a exploração do trabalho alheio, maior é a riqueza acumulada por quem a realiza.
O excesso de exploração, a falta de contenção da ganância, a ultrapassagem dos limites, levaram em períodos da História, à revolta dos explorados e o feudalismo recuou.
Pronto para voltar a atacar na primeira oportunidade. Porque a ideia está lá, latente, na cabeça dos exploradores!
Não é portanto, por acaso, que nestes tempos que correm encontremos semelhanças com um período histórico que julgávamos definitivamente encerrado…
Parabéns ao Francisco Queirós, por nos ter trazido este texto que nos obriga a pensar porque razão a História se repete !
ResponderEliminarLembram-se da letra da canção "Querida mãe"?
ResponderEliminarPois.Repete-se e de que maneira...