da
Daisy
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O TIO PEDRO FOI-SE EMBORA...
O tio Pedro foi-se embora…E cada vez que a pequenita
Pensava nisto, via o tio Pedro a desaparecer, no carro verde, por entre os enormes eucaliptos.
O tio Pedro foi-se embora…e ela teve pena, muita pena. E a ama também…e a mãe. E o avô…o avô? Foi o avô que mandou embora…Foi? Foi.
- Matilde, foi o avô que mandou embora o tio Pedro?...
A ama olha-a, com os olhos vermelhos e, depois, continuava a bordar o paninho de linho.
- Foi?
- Não.
- Então?
Não era preciso responder. Ouvira o avô e a mãe falarem da Romana. Ela não percebia muito bem aquelas histórias de adultos, mas parecia-lhe que o avô não gostava da Romana.
- Ama, o tio Pedro não volta mais?
Ela não gostava da Romana. Não gostava, porque a mãe…o avô…a ama, não gostavam. O tio, sim, mas foi por isso que ele se foi embora.
A velha Matilde, pousou o bordado e saiu.
A menina encaminhou-se para a janela e ficou-se a olhar os eucaliptos. Uma vez, vira o tio Pedro ali. Vira pois. Tava à espera da Romana. Deu-lhe um beijo nos lábios, quando ela chegou e foram-se embora, pelo campo de milho abaixo, muito juntinhos. A Romana não era feia…Pois não. Só era pena a mãe, o avô e a ama, não gostarem dela. Assim, também não podia gostar. Se, ao menos, a sua opinião fizesse com que o tio Pedro voltasse – mas ela era pequena…
Tinha sido na noite passada que o tio Pedro se foi embora. Já era muito, muito de noite. A mãe estava com dores de cabeça e fora dormir. A ama já a tinha ido deitar, mas não conseguia pregar olho. Era como se houvesse qualquer coisa no ar que lhe dizia que não devia dormir. O avô ainda estava levantado, não lhe viera dar um beijinho, e a ama não parava de andar de um lado para o outro.
O tio Pedro foi-se embora. Foi-se embora só porque o avô não gostava da namorada dele. O avô era mau.
- Ama, o avô é mau?
A ama reentrava, nesse momento, na salinha e pareceu surpreendida com a pergunta.
- Não, Joana Maria, o avô é…velho.
O avô é velho. O avô é velho? E todos os velhos fazem o que o avô fez?
O avô era estranho, muito estranho. Gostava muito dele, lá isso gostava, mas o avô era muito altivo. Era. Não queria que ela brincasse com a menina que vinha trazer as compras da vila. Não gostava nada, quando a vinha surpreender a falar com a Mariazinha. Mas elas brincavam…às escondidas. Ainda um dia, quando estavam lá em baixo, no lago, e ele chegou e ouviu a voz da Mariazinha, brandiu a bengala no ar, e – até parecia que ainda tinha a cara quente - dera-lhe uma bofetada tão grande…até juraria que os olhos do avô viam, de tão abertos que estavam!...
- Matilde, por que é que o avô não quer que eu brinque com a Mariazinha?
- Tu és uma menina, Joana Maria. O avô é fidalgo…Os fidalgos não se dão com toda a gente.
- Não?
- Não.
- Mesmo que a gente goste das pessoas?
- Mesmo que gostemos das pessoas.
Gostei.
ResponderEliminarTonito.
Mais um excelente conto da Daisy que tive muito prazer em publicar!
ResponderEliminarUm texto na linha do que é forma de escrever da Daizy.
ResponderEliminarAs angústia e a perplexidade manifestadas por uma criança, perante o complexo e frequente mundo discriminatório dos adultos.
Um abraço para a Daisy e Alfredo
Pelo olhar de uma criança, a critica às falsas barreiras sociais.
ResponderEliminarQue maravilha!
Obrigado, Daisy.
Quando escrevi "falsas barreiras", estava a pensar em estúpidas barreiras sociais.
ResponderEliminarNão são "falsas" porque existem.
Estupidamente, mas existem...
A neta não gostava da Romana porque o avô estabeleceu que dela não se gostasse. E o que o avô estabelecia era respeitado por todos os da casa. Assim pensava a neta. Mesmo que não compreendesse, respeitava...
ResponderEliminarAssim se (de)formam, a partir da infância, as segregações sociais...
Só o amor vence essas barreiras. Como foi o caso do tio Pedro...
Os vossos comentários enaltecem muito os Contos da Daisy!
ResponderEliminarSinto-me muito feliz por os ter recuperado e ter mandado fazer o livro. Valeu a pena!
Meu querido amigo,
ResponderEliminarDisseste em 2004:
« Este livro é fruto de uma colecta de contos, escritos pela Daisy e publicados em revistas, nos anos de 1968 a 1973.
Mais contos foram publicados, mas, infelizmente, não me foi possível recolhê-los.
Existem outros, manuscritos, que nunca chegaram a ser publicados, mas que, eventualmente, um dia o poderão vir a ser... »
E mais não digo...
Aquele abraço.