Antes quebrar que torcer ...
Como dizia um político da nossa praça, já retirado das lides
parlamentares, “agora já não bebo do fino”. Também eu, que durante anos olhei
com interesse a Volta a Portugal em Bicicleta, pela participação do
profissional do pedal Raúl Matias, também já não tenho acesso a muita
informação que ele na altura partilhava comigo, em amena cavaqueira de café.
Histórias de humor e de drama. E outras, que não são para aqui chamadas.
De dramas, andamos todos fartos. E, desta Volta a Portugal,
de poucas etapas mas muito dura, tendo como fonte privilegiada a nossa amiga
Suzana Redondo, hoje aniversariante, que teve artes de conseguir fazer a prova – rainha da Serra da
Estrela na caravana ciclista, vale a pena compartilhar este episódio que acho
hilariante e que ao mesmo tempo mostra de que raça é feita esta gente que
corre na estrada, em cima de duas rodas.
Como ponto prévio, dizer que este ano e na mesma etapa, os
ciclistas fizeram a Serra da Estrela, pelas vertentes norte e sul.
Direi, aos menos avisados e que conhecem mal a zona, que a
subida da Serra pelo lado sul, pela Covilhã, cansa até de carro. A estrada é
empedrada e estreita, com uma acentuada inclinação. Desde o túnel junto à
Universidade da Covilhã, até ao Hospital, a subida é demolidora e nem percebo como é possível pedalar a trepar por ali acima de bicicleta.
Pelo lado de Seia, tem menos inclinação, o piso é melhor, mas
são mais quilómetros para se chegar à Torre.
A etapa, foi pois épica e dura. A segunda escalada, pelo lado
de Seia, viria a partir o pelotão, ficando na frente os mais capazes que,
apesar de tudo, lá se iam arrastando pela Serra acima. Rui Sousa, o segundo
mais velho do pelotão, chegou em primeiro, para gáudio dos portugueses. O
líder, porém, pertencia ao país ao lado.
E agora vem a parte que eu achei hilariante: a rapaziada da
Efapel Glassdrive, no seu equipamento amarelo e no final da etapa, reuniu-se em
grupo na Torre. Solicito, o Diretor da equipa, convidou os ciclistas para se
meterem nos carros, para serem levados para a zona hoteleira a cerca de trinta
quilómetros dali, para jantar e pernoitar.
A resposta dos ciclistas, tal
como as vertentes da Serra, foi demolidora:
- Não queremos ir de carro, vamos de bicicleta para
descontrair …
Agora já percebo porque é que o Matias, quando o quis levar
no meu carro para Coimbra pela Pampilhosa da Serra, poupando - lhe 16O quilómetros a pedalar, a subir e a descer serras, me disse com aquele ar
ingénuo que me deixou derrotado:
- Obrigado Senhor Pereira, mas prefiro ir
de bicicleta, que de carro chego lá muito “partido”.
É desta raça, que se fazem os campeões …
Quito Pereira
Acabou-se. De ciclismo já chega, e o blog com os seus jornalistas deslocados à grande prova, ficou servido de peripécias escritas e fotografadas.Melhor do que as notícias dos jornais desportivos !!!
ResponderEliminarPara o ano há mais. Haja saúde para nos mantermos por aqui ...
Só mais esta achega: contava-me o Matias, que nos dias claros, quando o pelotão chegava à zona do Fundão e olhava as duas enormes torres da Força Aérea, no cimo da Serra da Estrela, o pelotão, que sabia ser ali a meta, entrava numa depressão, que tinha muito de psicológico pelo sofrimento que viria a seguir. A subida da Serra pela Covilhã, era esgotante. Então, gritavam uns para os outros "grupelho ...grupelho ...grupelho " que na gíria era uma espécie de convite a que se formassem pequenos grupos de ciclistas, mesmo que de equipas diferentes, para se ajudarem na escalada, puxando na frente, em cadência e pedalada certa, ora uns ora outros. Pequenos episódios, tocantes por vezes, de gente que tem, na maioria dos casos o seu ganha - pão, com ordenados mais modestos do que se pensará. Apenas as "trutas" internacionais ganham muito dinheiro. O ciclismo português é um desporto pobre, e os patrocínios são cada vez menores, face às dificuldades que o país atravessa ...
ResponderEliminarSe há desporto verdadeiramente duro é este, Quito. Compreendo o preferirem a bicicleta pois se não gostassem tanto desse virus, não o praticavam profissionalmente. Dia em que não dêm uma volta das deles sentados num selim, já não é dia para eles.
ResponderEliminarLembro-me de estar com o meu Pai, há uns 40 anos (em 1972 ou 1973), à espera "da Volta" quase junto à Torre (não a dos carapaus do Quito). Lá ao fundo, vimos um ciclista sozinho, com uma pedalada impressionante. Quando passou por nós, mantinha a mesma pedalada, sem levantar o rabo do selim. E aplaudimos o atleta que o meu Pai me explicou ser o Joaquim Agostinho.
ResponderEliminarSim, Paulo. O Joaquim Agostinho era uma força da natureza. Assim lhe chamavam. Diziam os conhecedores da modalidade, que se ele soubesse aliar a sua força natural a um pouco de discernimento em tática de corrida, tinha ganho a Volta a França. Foi pena.
EliminarTinha também a faceta de dar grandes trambolhões. Caía com frequência da bicicleta, nas provas. Uma vez, alguém disse com uma certa piada, que "o Joaquim Agostinho foi um grande ciclista. Só não sabia andar de bicicleta" ...
"Se ele soubesse andar de bicicleta, era o melhor corredor do mundo", a frase será esta e dita pelo responsável da equipa pela qual corria Joaquim Agostinho.
EliminarIsto, fazendo fé, naquilo que disse um comentador da TV, quando comentava exactamente a subida à Torre.
A Suzana também me demonstrou grande admiração por aqueles homens capazes de subir à Torre, com uma temperatura elevadíssima. "Até de carro é duro", disse e falando muito a sério.
Quanto ao teu Matias, meu caro Quito, esse só podia estar a brincar...
Grande abraço e obrigado por mais estas tuas pedaladas que até me obrigaram a também pedalar...
Obrigado Senhor Pereira por mais esta escrita.
ResponderEliminarTonito.