domingo, 17 de agosto de 2014

SUL AZUL ...




Sagres

Hoje é domingo. É dia de reencontros. De amigos e de ideias. Porém, parti. Por aqui, por este lugar, deste trono privilegiado a olhar a baía, bebo um cálice de sul azul. Um azul forte, clamoroso, a invadir todo o céu, que nos embala depois de tanta canseira. Sim, porque é frequente dizer-se que mais um ano passou, quando ele está apenas a meio. 

Mas, na contabilidade das nossas vidas de preocupações e de correrias, é no verão que chegamos ao cais de bonança. Do retemperar de forças e ânimo para as próximas batalhas.

Estou a hibernar. A hibernar no verão. Aconchego-me no meu refúgio, rodeio-me de jornais, declaro guerra à televisão e olho de longe o mar salgado. Preciso de dias para começar a pensar nas férias, avesso que sou a multidões, a restaurantes cheios de turistas em pé, na esperança de que acabemos a refeição para se sentarem. 

Diz-me o Marcelo, que é cá da terra do Infante, com a cara tisnada de quem foi numa pequena bateira ao mar apanhar “uns peixitos”, que a marabunta anda por todos os buracos.

Hoje é domingo. Como o lagarto que sai da toca, olho a rua com precaução e já decidi. Os ventos de Sagres chamam por mim. Fortes e misteriosos. Ali, naquele promontório de memórias marítimas, desolado de gente, posso conversar com o mar revolto. 

Encher o peito de uma lufada de maresia e relembrar o passado. Porque nós, os portugueses, temos um passado. Um passado de glória. Um povo pequeno, mas grande em heróis que fomos. E acolhedor que somos. Não nos desvalorizemos, perante a casta de engravatados europeus que nos tolhem os passos.

Hoje é domingo. Com Sagres como pano de fundo, me sentarei em qualquer lugar. Um peixe fresco, vindo de uma traineira que pela madrugada atracou ao porto, será o repasto. E um vinho branco bem gelado, que preencha uma tarde de conversa e de projetos presentes e futuros.

Hoje é domingo. Lembro os amigos à roda de uma mesa, na nossa velha Coimbra. E os outros. Os que estão e os que já não estão. Mas que vão estar para sempre nos nossos corações. E também aqueles que se aprestam a embarcar nesta aventura de viver. De pesquisarem um Mundo Novo. Mais igual. Mais justo. Mais fraterno

Bom domingo.
Quito Pereira      

29 comentários:

  1. Lagos e o seu mar dão-te também inspiração para escreveres o que te vai na alma!
    Estás onde também adoras estar. Para retemperar forças de um ano de canseiras e poderes enfrentar um resto de ano com mais energia e boa disposição.
    Reencontras os teus amigos de há longos anos com quem retomas as conversas interrompidas desde a última vez que ai estiveram.
    Quando regressares retomaremos as nossas!
    Hoje lá estivemos em mais um almoço dos domingos. Eramos 10.Acabámos por festejar mais uma vez os aniversários da Suzana e do Carlos Viana. Com o bolo da Suzana…mas do Viana (lá por casa…)nada sobrou, só a foto!
    Conversou-se muito. Ficou tudo em dia!
    Quanto à pesca por aí, espero bem que…”Um peixe fresco, vindo de uma traineira que pela madrugada atracou ao porto”, tivessem vindo uns Jaquinzinhos e que os possas saborear à vontade…Tou lonje!
    BOAS FÉRIAS…para os dois, claro!

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    1. Éramos 10 porque faltaram dois...
      O assunto foi discutido e a falta foi considerada justificada.

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    2. Justificada, mas com o meu voto contra! Faltar ao almoço de Domingo para ir para o Algarve não é justificação que eu aceite.

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  2. Ora aí temos o Quito a hibernar no Verão. Retempera pulmões, cansados dos bons ares da serra, com lufadas de maresia.Evita multidões, refugiando-se entre o céu e o mar para saborear uma boa conversa com pessoas simples, tais como ele próprio.
    E, porque é domingo, lembra alguns dos muitos amigos que deixou na sua terra berço, certo de que eles também deles se lembrarão.
    Continua na sua pesquisa de um Mundo mais justo e fraterno.
    Deixa-me acompanhar-te nessa busca!
    Aquele abraço e não esqueças de dar um beijinho nosso à São.

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  3. Quito, obrigada por tudo aquilo que escreves! Boas férias e um grande beijinho para Ti e São.

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  4. Boa prosa, Quito! Mas com a prosa não me convences e tu e a São não deixaram de apanhar falta, para mim injustificada.
    Além disso, a tua prosa é muito nostálgica e demonstra que preferias estar no nosso almoço do que pelos Algarves!
    Até pela foto da São se vê que vocês não estão bem!... Com o mar assim inclinado, não tarda nada temos que o ir buscar a África! Por isso é que já está a faltar água em Quiaios...

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  5. E lembraste-te bem....
    Também vos lembrámos porque a vossa presença é sempre um aconchego de amizade.
    Boas férias!

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  6. Mar azul, mar salgado, mar... inclinado!
    Mar é sempre mar e nele também gosto de estender os pensamentos, as recordações, as esperanças.
    O domingo foi, mais uma vez, de agradáveis companhias e as vossas presenças foram sentidas e faladas, mas tivemos dois convivas que nem sempre nos acompanham e vem provar que qualquer ausência nos faz falta!
    Boas férias.

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  7. Grande malha, Quito!
    Nem as férias e o sol do Algarve te tiram a veia.
    Abre aço!

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  8. O teum mar de Lagos

    Fernando Pessoa - MAR PORTUGUÊS


    Ó mar salgado, quanto do teu sal
    São lágrimas de Portugal!
    Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
    Quantos filhos em vão rezaram!

    Quantas noivas ficaram por casar
    Para que fosses nosso, ó mar!
    Valeu a pena? Tudo vale a pena
    Se a alma não é pequena.

    Quem quere passar além do Bojador
    Tem que passar além da dor.
    Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
    Mas nele é que espelhou o céu.

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  9. mas há mais...

    VOZES DO MAR

    Quando o sol vai caindo sobre as águas
    Num nervoso delíquio d'oiro intenso,
    Donde vem essa voz cheia de mágoas
    Com que falas à terra, ó mar imenso?...

    Tu falas de festins, e cavalgadas
    De cavaleiros errantes ao luar?
    Falas de caravelas encantadas
    Que dormem em teu seio a soluçar?

    Tens cantos d'epopeias? Tens anseios
    D'amarguras? Tu tens também receios,
    Ó mar cheio de esperança e majestade?!

    Donde vem essa voz, ó mar amigo?...
    ... Talvez a voz do Portugal antigo,
    Chamando por Camões numa saudade!

    Florbela Espanca
    Poesia Completa
    Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000

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  10. Então toma lá também o meu contributo... ou melhor, do Jorge Castro, num tributo a Sophia (Sophia de Mello Breyner Andresen):

    "Marcado Por Um Livro - XIV - O MAR DE SOPHIA

    (Proposto ao Passatempo DN - Histórias Cem Palavras - Marcado Por Um Livro)

    O MAR de SOPHIA


    Sou o MAR de corpo inteiro. Sou de sais e de vulcões. Vive em mim a maresia. Por mim passam homens e barcos. E deles recebo o tributo.

    Sou de medusas, de areias, anémonas e promontórios. Sou caminho de odisséias de pescadores, navegantes, piratas e orientes.

    Sou de grutas submersas. Sou o mar das descobertas, dos medos, das tempestades. Sou este mar sem idade, sem tempo e de temporais. Sou o mar de liberdade.

    Sou o mar dito em poema. Sou este o MAR de Sophia. Mar para sempre e nunca mais."

    Ou este, também dele (tem tantos...):

    "Se no mar sobrassem ondas

    se no mar sobrassem ondas
    como nos sobra o penar
    quantas penas
    quantas ondas
    tanto mar a desbravar

    e se nos ventos houvesse
    alguma prece ou lamento
    quanta pressa
    quanto tempo
    tanta vela a enfunar

    e se no mar os navios
    naufragassem de pesares
    quantos braços
    quantos remos
    tantos barcos de remar

    quem me dera ser o barco
    para contigo vogar
    quantas rotas
    quantos ventos
    tantos mares para singrar

    ser falua à descoberta
    ser nau de incerta procura
    quantos rumos
    quantos hinos
    tantos caminhos no mar."

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  11. ...ou de Miguel Torga

    Aparelhei o barco da ilusão
    E reforcei a fé de marinheiro.
    Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
    O mar...
    (Só nos é concedida
    Esta vida
    Que temos;
    E é nela que é preciso
    Procurar
    O velho paraíso
    Que perdemos).
    Prestes, larguei a vela
    E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
    Desmedida,
    A revolta imensidão
    Transforma dia a dia a embarcação
    Numa errante e alada sepultura...
    Mas corto as ondas sem desanimar.
    Em qualquer aventura,
    O que importa é partir, não é chegar.

    Miguel Torga

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  12. como imaginar tormentoso este mar calmo?

    este mar que respira tão temperadas
    as dolências do luar
    e de alvoradas
    e a areia doura as ondas
    ofegante
    entre marés de volúpia
    sem sossego

    o vai-vem das traineiras
    deixa traços
    de bilros ondulantes na sua faina
    são as redes que se lançam
    esquadrias
    de buscar no mar sustento
    em cada dia

    de buscar no mar alento
    de outro dia
    de outro mar até
    de outra alegria

    como imaginar tormentoso este mar calmo?

    Jorge Castro

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  13. e de jaquinzinhos...NADA!!!
    Nada...mas há ir e voltar!

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  14. Com companheiros destes, vou até ao fim do Mundo. Amigos que entendem o meu entender. Convosco, dobrarei o Cabo Bojador, para além da dor.

    Por cá, o fenómeno do "levante", trouxe temperaturas de água mais amenas. O que de resto é dos livros ..

    Um abraço para todos

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  15. Nota:a foto não é da São.
    São vaz

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  16. A foto não é da São! Eu logo vi...
    Andam aqui a pôr comentários de gajos que até já morreram!...
    Mas onde está a vossa imaginação? Eu quero lá saber o que dizia o Castro, o Torga o Pessoa, a Espanca ou a Sophia!... Escrevam versos vossos!...

    O MAR é salgado
    Como eu estou por ser mal amado,
    Nessa imensidão de água
    Quero lavar a minha mágoa!
    Deixem o mar em paz
    Não há menina nem rapaz
    Que não diga do mar baboseiras
    E até curtir bebedeiras
    Só falta aparecer quem ache
    Que no mar também se faz praxe
    Quero lá saber das ondas ofegantes
    Ó Jorge Castro, isso era dantes!
    Que me importa que o Torga largue a vela
    Se nessa barca nunca irei nela!
    Que me interessa que a Sophia diga que há tanto mar para desbravar
    Se eu não vou para o mar sem almoçar!
    Quero lá saber que a Espanca fale de festins, e cavalgadas
    Se as gaivotas no mar mandam cagadas!
    Depois vem o Pessoa dizer que o sal
    São lágrimas de Portugal!
    Em nada disso vou acreditar
    Para mim, toda aquela água do mar
    São os chineses todos, ao mesmo tempo a mijar!

    Alfredo Moreirinhas
    (de recentemente, sem pensar nem emendar)

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  17. Belas prosas.
    Por mim tudo bem,a água do mar continua salgada, por quanto tempo mais não sei, mas, com estas politicas já não digo nada.
    Tonito.

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  18. É o Alfredo a picar-nos com a poesia e o Quito com a temperatura do mar.
    Como se diz na minha terra, "sândeis uns gaijos do catano, foudêilou-ei!"

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  19. O eterno problema do patronato e do empregado. O Quito para garantir o lugar na volta, até vai escrevendo no tempo de férias para não perder as ajudas de cuspto. A escrever, ninguém te tira o lugar. Obrigado pela lembrança. Boas férias.

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  20. Valha-me Santa Pulquéria ! com tantos versos e prosas, que posso comentar ?
    bom texto, Quito, embora nostálgico, como bem diz o Alfredo ! nós também tivemos saudades vossas, mas como diz o povo, " Há mais marés que marinheiros " não perderemos pela demora, pois não ficarão aí por muito tempo...
    Grande abraço para os dois e continuação de boas férias, com multidões ou sem elas.

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  21. maria helena morgadoagosto 19, 2014 6:11 da tarde

    Gostei de ler o texto do Quito. No Algarve, em castelo Branco...ou onde estiver, leva sempre Coimbra no coração! Boas férias, casalinho amigo! Diverti-me e instruí-me com os comentários. Sois muito divertidos!

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  22. Bem, depois de tudo que vocês postaram sobre o mar, pensei em mandar algo de cá, com os rios desta Amazônia.
    Obs - foi tudo improvisado a partir da leitura dos textos da malta; portanto, deem-me um desconto rss :-)

    Tenho muitas paixões nesta vida.
    N´outra, nem sei quantas mais terei.
    Se por lá é o mar que lhe encanta,
    Pelas águas dos meus rios me apaixonei.

    Ultrapassam igapós, seguem paralelos,
    Para aonde? Nem sei!
    É tanta água doce expandida
    Fauna e flora enriquecidas.



    Canoas deslizam sobre os leitos.
    Iara canta ao teu balançar.
    Não são ondas como as do mar,
    É o banzeiro do rio querendo te amar.

    Barcos atravessam o Rio Amazonas,
    O Rio Negro vem abraçar.
    Pelo Rio Solimões pescamos ilusões,
    NO Rio Madeira ficamos a chorar.

    Nos igapós resistem as raízes,
    Do que foi algum dia um pomar.
    Alagam lavouras imensas,
    Mas param ao te verem passar.

    Rios de encantos, de mistérios,
    Lendas e doces paixões.
    Se a água salgada do mar me consome,
    Foi no leito de um rio que dormi ao luar.

    Agora uma homenagem bem justa
    Para a malta do lado de lá.
    Venha o Quito ao Rio Amazonas.
    A Olinda ao Rio Içá.

    Água doce em abundância,
    Tambaqui no rio Jutaí a nadar.
    Venha o Dom Rafael com a isca
    Que a Celeste irá gostar.

    Ao Paulo Moura recomendo
    Pesca noturna no Rio Negro
    Com uma índia yawanawá,
    Para aprender a flechar.

    Do índio peço um apito,
    Para, com muito gosto, presentear
    O cara pálida do Chico,
    Quem sabe nesses rios ficar?

    O Rio Canumã, Alfredo
    Aguarda-te com muito frescor
    Basta botares tanga e um arco
    E na flecha um tanto de amor.


    Autoria: Meu coração :-)

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  23. Muito bom e giro!
    Tudo a condizer
    Fico com a minha e da Celeste-Obrigado

    Água doce em abundância,
    Tambaqui no rio Jutaí a nadar.
    Venha o Dom Rafael com a isca
    Que a Celeste irá gostar

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  24. E, onde quer que esteja , o Quito acompanha-nos com os seus belos textos e faz-nos sentir estar com ele em Sagres a saborear um peixito e um vinhito branco bem gelado. Depois, os comentários completam os agradáveis momentos de leitura. Gostei de vos ler a todos

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  25. Mais uma vez obrigado a todos pela partilha. Um abraço para a Mamã, que está lá no país - irmão ...

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  26. Pobre índia yawanawá
    Que me fosse dar lições!
    Acertava-lhe eu num olho
    Ficava índia Camões...

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