Sagres
Hoje é domingo. É dia de reencontros. De amigos e de ideias.
Porém, parti. Por aqui, por este lugar, deste trono privilegiado a olhar a
baía, bebo um cálice de sul azul. Um azul forte, clamoroso, a invadir todo o céu, que
nos embala depois de tanta canseira. Sim, porque é frequente dizer-se que mais
um ano passou, quando ele está apenas a meio.
Mas, na contabilidade das nossas vidas de preocupações e de correrias, é no verão que chegamos ao cais de bonança. Do retemperar de forças e ânimo para as próximas batalhas.
Estou a hibernar. A hibernar no verão. Aconchego-me no meu
refúgio, rodeio-me de jornais, declaro guerra à televisão e olho de longe o mar
salgado. Preciso de dias para começar a pensar nas férias, avesso que sou a
multidões, a restaurantes cheios de turistas em pé, na esperança de que acabemos
a refeição para se sentarem.
Diz-me o Marcelo, que é cá da terra do Infante, com a cara tisnada de quem foi numa pequena bateira ao mar apanhar “uns peixitos”, que a marabunta anda por todos os buracos.
Diz-me o Marcelo, que é cá da terra do Infante, com a cara tisnada de quem foi numa pequena bateira ao mar apanhar “uns peixitos”, que a marabunta anda por todos os buracos.
Hoje é domingo. Como o lagarto que sai da toca, olho a rua
com precaução e já decidi. Os ventos de Sagres chamam por mim. Fortes e
misteriosos. Ali, naquele promontório de memórias marítimas, desolado de gente,
posso conversar com o mar revolto.
Encher o peito de uma lufada de maresia e
relembrar o passado. Porque nós, os portugueses, temos um passado. Um passado
de glória. Um povo pequeno, mas grande em heróis que fomos. E acolhedor que
somos. Não nos desvalorizemos, perante a casta de engravatados europeus que nos
tolhem os passos.
Hoje é domingo. Com Sagres como pano de fundo, me sentarei em
qualquer lugar. Um peixe fresco, vindo de uma traineira que pela madrugada
atracou ao porto, será o repasto. E um vinho branco bem gelado, que preencha
uma tarde de conversa e de projetos presentes e futuros.
Hoje é domingo. Lembro os amigos à roda de uma mesa, na nossa velha Coimbra. E os outros. Os que estão e os que já não estão. Mas que vão estar
para sempre nos nossos corações. E também aqueles que se aprestam a embarcar nesta
aventura de viver. De pesquisarem um Mundo Novo. Mais igual. Mais justo. Mais
fraterno
Bom domingo.
Quito Pereira
Quito Pereira
Lagos e o seu mar dão-te também inspiração para escreveres o que te vai na alma!
ResponderEliminarEstás onde também adoras estar. Para retemperar forças de um ano de canseiras e poderes enfrentar um resto de ano com mais energia e boa disposição.
Reencontras os teus amigos de há longos anos com quem retomas as conversas interrompidas desde a última vez que ai estiveram.
Quando regressares retomaremos as nossas!
Hoje lá estivemos em mais um almoço dos domingos. Eramos 10.Acabámos por festejar mais uma vez os aniversários da Suzana e do Carlos Viana. Com o bolo da Suzana…mas do Viana (lá por casa…)nada sobrou, só a foto!
Conversou-se muito. Ficou tudo em dia!
Quanto à pesca por aí, espero bem que…”Um peixe fresco, vindo de uma traineira que pela madrugada atracou ao porto”, tivessem vindo uns Jaquinzinhos e que os possas saborear à vontade…Tou lonje!
BOAS FÉRIAS…para os dois, claro!
Éramos 10 porque faltaram dois...
EliminarO assunto foi discutido e a falta foi considerada justificada.
Justificada, mas com o meu voto contra! Faltar ao almoço de Domingo para ir para o Algarve não é justificação que eu aceite.
EliminarOra aí temos o Quito a hibernar no Verão. Retempera pulmões, cansados dos bons ares da serra, com lufadas de maresia.Evita multidões, refugiando-se entre o céu e o mar para saborear uma boa conversa com pessoas simples, tais como ele próprio.
ResponderEliminarE, porque é domingo, lembra alguns dos muitos amigos que deixou na sua terra berço, certo de que eles também deles se lembrarão.
Continua na sua pesquisa de um Mundo mais justo e fraterno.
Deixa-me acompanhar-te nessa busca!
Aquele abraço e não esqueças de dar um beijinho nosso à São.
Quito, obrigada por tudo aquilo que escreves! Boas férias e um grande beijinho para Ti e São.
ResponderEliminarBoa prosa, Quito! Mas com a prosa não me convences e tu e a São não deixaram de apanhar falta, para mim injustificada.
ResponderEliminarAlém disso, a tua prosa é muito nostálgica e demonstra que preferias estar no nosso almoço do que pelos Algarves!
Até pela foto da São se vê que vocês não estão bem!... Com o mar assim inclinado, não tarda nada temos que o ir buscar a África! Por isso é que já está a faltar água em Quiaios...
E lembraste-te bem....
ResponderEliminarTambém vos lembrámos porque a vossa presença é sempre um aconchego de amizade.
Boas férias!
Mar azul, mar salgado, mar... inclinado!
ResponderEliminarMar é sempre mar e nele também gosto de estender os pensamentos, as recordações, as esperanças.
O domingo foi, mais uma vez, de agradáveis companhias e as vossas presenças foram sentidas e faladas, mas tivemos dois convivas que nem sempre nos acompanham e vem provar que qualquer ausência nos faz falta!
Boas férias.
Grande malha, Quito!
ResponderEliminarNem as férias e o sol do Algarve te tiram a veia.
Abre aço!
O teum mar de Lagos
ResponderEliminarFernando Pessoa - MAR PORTUGUÊS
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
mas há mais...
ResponderEliminarVOZES DO MAR
Quando o sol vai caindo sobre as águas
Num nervoso delíquio d'oiro intenso,
Donde vem essa voz cheia de mágoas
Com que falas à terra, ó mar imenso?...
Tu falas de festins, e cavalgadas
De cavaleiros errantes ao luar?
Falas de caravelas encantadas
Que dormem em teu seio a soluçar?
Tens cantos d'epopeias? Tens anseios
D'amarguras? Tu tens também receios,
Ó mar cheio de esperança e majestade?!
Donde vem essa voz, ó mar amigo?...
... Talvez a voz do Portugal antigo,
Chamando por Camões numa saudade!
Florbela Espanca
Poesia Completa
Lisboa, Publicações Dom Quixote, 2000
Então toma lá também o meu contributo... ou melhor, do Jorge Castro, num tributo a Sophia (Sophia de Mello Breyner Andresen):
ResponderEliminar"Marcado Por Um Livro - XIV - O MAR DE SOPHIA
(Proposto ao Passatempo DN - Histórias Cem Palavras - Marcado Por Um Livro)
O MAR de SOPHIA
Sou o MAR de corpo inteiro. Sou de sais e de vulcões. Vive em mim a maresia. Por mim passam homens e barcos. E deles recebo o tributo.
Sou de medusas, de areias, anémonas e promontórios. Sou caminho de odisséias de pescadores, navegantes, piratas e orientes.
Sou de grutas submersas. Sou o mar das descobertas, dos medos, das tempestades. Sou este mar sem idade, sem tempo e de temporais. Sou o mar de liberdade.
Sou o mar dito em poema. Sou este o MAR de Sophia. Mar para sempre e nunca mais."
Ou este, também dele (tem tantos...):
"Se no mar sobrassem ondas
se no mar sobrassem ondas
como nos sobra o penar
quantas penas
quantas ondas
tanto mar a desbravar
e se nos ventos houvesse
alguma prece ou lamento
quanta pressa
quanto tempo
tanta vela a enfunar
e se no mar os navios
naufragassem de pesares
quantos braços
quantos remos
tantos barcos de remar
quem me dera ser o barco
para contigo vogar
quantas rotas
quantos ventos
tantos mares para singrar
ser falua à descoberta
ser nau de incerta procura
quantos rumos
quantos hinos
tantos caminhos no mar."
...ou de Miguel Torga
ResponderEliminarAparelhei o barco da ilusão
E reforcei a fé de marinheiro.
Era longe o meu sonho, e traiçoeiro
O mar...
(Só nos é concedida
Esta vida
Que temos;
E é nela que é preciso
Procurar
O velho paraíso
Que perdemos).
Prestes, larguei a vela
E disse adeus ao cais, à paz tolhida.
Desmedida,
A revolta imensidão
Transforma dia a dia a embarcação
Numa errante e alada sepultura...
Mas corto as ondas sem desanimar.
Em qualquer aventura,
O que importa é partir, não é chegar.
Miguel Torga
como imaginar tormentoso este mar calmo?
ResponderEliminareste mar que respira tão temperadas
as dolências do luar
e de alvoradas
e a areia doura as ondas
ofegante
entre marés de volúpia
sem sossego
o vai-vem das traineiras
deixa traços
de bilros ondulantes na sua faina
são as redes que se lançam
esquadrias
de buscar no mar sustento
em cada dia
de buscar no mar alento
de outro dia
de outro mar até
de outra alegria
como imaginar tormentoso este mar calmo?
Jorge Castro
e de jaquinzinhos...NADA!!!
ResponderEliminarNada...mas há ir e voltar!
Com companheiros destes, vou até ao fim do Mundo. Amigos que entendem o meu entender. Convosco, dobrarei o Cabo Bojador, para além da dor.
ResponderEliminarPor cá, o fenómeno do "levante", trouxe temperaturas de água mais amenas. O que de resto é dos livros ..
Um abraço para todos
Nota:a foto não é da São.
ResponderEliminarSão vaz
A foto não é da São! Eu logo vi...
ResponderEliminarAndam aqui a pôr comentários de gajos que até já morreram!...
Mas onde está a vossa imaginação? Eu quero lá saber o que dizia o Castro, o Torga o Pessoa, a Espanca ou a Sophia!... Escrevam versos vossos!...
O MAR é salgado
Como eu estou por ser mal amado,
Nessa imensidão de água
Quero lavar a minha mágoa!
Deixem o mar em paz
Não há menina nem rapaz
Que não diga do mar baboseiras
E até curtir bebedeiras
Só falta aparecer quem ache
Que no mar também se faz praxe
Quero lá saber das ondas ofegantes
Ó Jorge Castro, isso era dantes!
Que me importa que o Torga largue a vela
Se nessa barca nunca irei nela!
Que me interessa que a Sophia diga que há tanto mar para desbravar
Se eu não vou para o mar sem almoçar!
Quero lá saber que a Espanca fale de festins, e cavalgadas
Se as gaivotas no mar mandam cagadas!
Depois vem o Pessoa dizer que o sal
São lágrimas de Portugal!
Em nada disso vou acreditar
Para mim, toda aquela água do mar
São os chineses todos, ao mesmo tempo a mijar!
Alfredo Moreirinhas
(de recentemente, sem pensar nem emendar)
Belas prosas.
ResponderEliminarPor mim tudo bem,a água do mar continua salgada, por quanto tempo mais não sei, mas, com estas politicas já não digo nada.
Tonito.
É o Alfredo a picar-nos com a poesia e o Quito com a temperatura do mar.
ResponderEliminarComo se diz na minha terra, "sândeis uns gaijos do catano, foudêilou-ei!"
O eterno problema do patronato e do empregado. O Quito para garantir o lugar na volta, até vai escrevendo no tempo de férias para não perder as ajudas de cuspto. A escrever, ninguém te tira o lugar. Obrigado pela lembrança. Boas férias.
ResponderEliminarValha-me Santa Pulquéria ! com tantos versos e prosas, que posso comentar ?
ResponderEliminarbom texto, Quito, embora nostálgico, como bem diz o Alfredo ! nós também tivemos saudades vossas, mas como diz o povo, " Há mais marés que marinheiros " não perderemos pela demora, pois não ficarão aí por muito tempo...
Grande abraço para os dois e continuação de boas férias, com multidões ou sem elas.
Gostei de ler o texto do Quito. No Algarve, em castelo Branco...ou onde estiver, leva sempre Coimbra no coração! Boas férias, casalinho amigo! Diverti-me e instruí-me com os comentários. Sois muito divertidos!
ResponderEliminarBem, depois de tudo que vocês postaram sobre o mar, pensei em mandar algo de cá, com os rios desta Amazônia.
ResponderEliminarObs - foi tudo improvisado a partir da leitura dos textos da malta; portanto, deem-me um desconto rss :-)
Tenho muitas paixões nesta vida.
N´outra, nem sei quantas mais terei.
Se por lá é o mar que lhe encanta,
Pelas águas dos meus rios me apaixonei.
Ultrapassam igapós, seguem paralelos,
Para aonde? Nem sei!
É tanta água doce expandida
Fauna e flora enriquecidas.
Canoas deslizam sobre os leitos.
Iara canta ao teu balançar.
Não são ondas como as do mar,
É o banzeiro do rio querendo te amar.
Barcos atravessam o Rio Amazonas,
O Rio Negro vem abraçar.
Pelo Rio Solimões pescamos ilusões,
NO Rio Madeira ficamos a chorar.
Nos igapós resistem as raízes,
Do que foi algum dia um pomar.
Alagam lavouras imensas,
Mas param ao te verem passar.
Rios de encantos, de mistérios,
Lendas e doces paixões.
Se a água salgada do mar me consome,
Foi no leito de um rio que dormi ao luar.
Agora uma homenagem bem justa
Para a malta do lado de lá.
Venha o Quito ao Rio Amazonas.
A Olinda ao Rio Içá.
Água doce em abundância,
Tambaqui no rio Jutaí a nadar.
Venha o Dom Rafael com a isca
Que a Celeste irá gostar.
Ao Paulo Moura recomendo
Pesca noturna no Rio Negro
Com uma índia yawanawá,
Para aprender a flechar.
Do índio peço um apito,
Para, com muito gosto, presentear
O cara pálida do Chico,
Quem sabe nesses rios ficar?
O Rio Canumã, Alfredo
Aguarda-te com muito frescor
Basta botares tanga e um arco
E na flecha um tanto de amor.
Autoria: Meu coração :-)
Muito bom e giro!
ResponderEliminarTudo a condizer
Fico com a minha e da Celeste-Obrigado
Água doce em abundância,
Tambaqui no rio Jutaí a nadar.
Venha o Dom Rafael com a isca
Que a Celeste irá gostar
<•)))))))><
ResponderEliminarE, onde quer que esteja , o Quito acompanha-nos com os seus belos textos e faz-nos sentir estar com ele em Sagres a saborear um peixito e um vinhito branco bem gelado. Depois, os comentários completam os agradáveis momentos de leitura. Gostei de vos ler a todos
ResponderEliminarMais uma vez obrigado a todos pela partilha. Um abraço para a Mamã, que está lá no país - irmão ...
ResponderEliminarPobre índia yawanawá
ResponderEliminarQue me fosse dar lições!
Acertava-lhe eu num olho
Ficava índia Camões...