Antes da ceia ...
Santas tardes e Santas noites eram aquelas, na Quinta do
Sargaçal, em Lagos. O Chico Silva, dobrado sobre os óculos de lentes grossas
que lhe ocupavam o rosto largo de faces pálidas, guiava nos braços finos como
linhas, o carro de mão que gemia a sua triste sina de carregar terra para os
canteiros de flores e comida para os patos que, mal ouviam o seu lamento,
começavam a grasnar desesperadamente num acesso de gula ou de fome - palpita-me
mais fome que gula - enquanto se digladiavam na rede da capoeira.
Atrás vinha o “Kimba”, um cão enorme, que era de guarda mas
que não guardava nada, apesar de ter uma boca maior que a entrada do túnel da Gardunha.
Ali, naquela casa de portadas verdes de madeira viradas para
a Quinta, vivera uma inglesa. O refúgio, era uma espécie de patamar do paraíso.
Longe da estrada que liga Lagos a Portimão, a Senhora de
idade já simpática, bebia chá debaixo de um frondoso caramanchão. À noite,
trocava o chá pelo whisky e era cada carraspana de caixão à cova.
Cova para onde foi, de provecta idade, derramada num esquife,
vestida de preto e de semblante sereno, com uma pequena bandeira inglesa
deposta por entre os dedos das suas mãos lívidas e sobrepostas sobre o peito,
homenagem dos sobrinhos vindos de Londres à pressa. Vã homenagem. A idosa não
tinha deixado qualquer resquício de vil metal. De espólio, apenas mais de mil
garrafas no sótão da casa. Bem conservadas, mas todas enxutas. Em resumo: aos
herdeiros, não calhou cheta. Nem vinho !!!
O Chico Silva, sentiu o apelo da terra e ficou com a quinta por
dez reis de mel coado aos chorosos herdeiros, desejosos de correr para Faro
apanhar um voo da British para Covent Garden. Derreado, o Francisco andou uma
semana a carregar garrafas vazias para um contentor do lixo. Rum, vodka, whisky,
aguardentes novas e velhas, vinhos de fino paladar, brancos e tintos de afamadas
marcas, tudo consumido pela súbdita de Sua Majestade. Não sobrou gota.
Cansado de tanta canseira, o Chico Silva terminou a piedosa tarefa e sentou-se debaixo de uma figueira a abanar-se com uma folha de couve tronchuda, como quem espantava o calor algarvio. Pelo menos, tinha ficado com a certeza de que a Quinta estava bem desinfetada com tantos vapores etílicos. Depois sorriu, sacudiu com as mãos o pó do fundilho dos calções e foi refrescar os tomates com um regador de crivo carcomido pela ferrugem, onde só funcionavam meia dúzia de buracos, que debitavam um caudal de água ridículo, que mais parecia um padre de aldeia a aspergir água benta na inauguração de uma sede de junta de freguesia.
Cansado de tanta canseira, o Chico Silva terminou a piedosa tarefa e sentou-se debaixo de uma figueira a abanar-se com uma folha de couve tronchuda, como quem espantava o calor algarvio. Pelo menos, tinha ficado com a certeza de que a Quinta estava bem desinfetada com tantos vapores etílicos. Depois sorriu, sacudiu com as mãos o pó do fundilho dos calções e foi refrescar os tomates com um regador de crivo carcomido pela ferrugem, onde só funcionavam meia dúzia de buracos, que debitavam um caudal de água ridículo, que mais parecia um padre de aldeia a aspergir água benta na inauguração de uma sede de junta de freguesia.
A Quinta do Sargaçal era um refúgio de veraneantes. Eu, primo
do Chico que sou, lá assentava arraiais com a família naquelas tardes quentes
de Agosto. Foi ali que conheci a Guilhermina e o Torres. Tinham perto de oitenta anos de idade e dedicavam-se ao seu
desporto favorito – comer.
Lembro-me deles, debaixo do caramanchão, a arquitetar o que
iriam fazer para a refeição noturna. Depois, o Torres ficava a olhar para o
horizonte campesino e a Gui, saltava para a cozinha, onde freneticamente e
durante várias horas, preparava o lauto de jantar, que ambos espadeiravam em
dez minutos de forma voraz, tal padeira de Aljubarrota às pazadas nos espanhóis.
Então, tendo como pano de fundo o cantar dos grilos, de novo
recolhiam para debaixo do caramanchão, sentados a ruminar a noite morna e a
arrotar estrondosamente, com o vigor do motor de arranque de uma Berliet
Tramagal do exército.
Uma madrugada, correu mal. Com taquicardia e dor no peito, a
Guilhermina sentiu-se enfartada e foi a correr para o hospital de Lagos.
Auscultada demoradamente, vista e revista por cima e por
baixo, de frente e de costas, à transparência, do avesso e a fazer o pino, percebeu-se
que o mal não era de monta. O médico, solícito, recomendou-lhe que fosse mais
frugal nas refeições e perguntou-lhe o que tinha jantado. A paciente, já mais
aliviada, disse que só tinha comido um goraz inteiro com batatas assadas e
grelos. O médico, incrédulo, franziu a sobrancelha e perguntou perplexo se não
tinha comido mais nada. A resposta foi rápida e demolidora:
- Ó Senhor Doutor, só bebi mais dois copos de leite e comi um
pacote de bolachas “Maria”, porque não consigo dormir sem cear …
Santas tardes e Santas noites, eram aquelas na Quinta do
Sargaçal, mesmo à beirinha de Lagos …
Quito Pereira
Esperamos e desejamos,que o almocinho do grupo do Samambaia, tenho sido bom e em grande confraternização.. Por aqui foi ótimo o repasto, a olhar para a praia, com um dia excelente, um mar sereno e até já sabemos dizer "obrigado", em alemão. Estamos cada vez mais cultos ! Fiquem bem, que nós também estamos bem ...
ResponderEliminarMas já vamos tendo umas saudades da rapaziada ...
Abraços
.Primeira abordagem: chegámos mesmo agorinha do almocinho do grupo do Samambaia!
ResponderEliminarÉ ramos 8: Alfredo e Daisy, Tonito, Olinda, Zeca, Suzana, Rafae e Celeste!
Desta vez foi na área do Napolitano!.
Bem servido na confecção e...na conversa!
Tudo perfeito!
Tudo em conformidade,assim como o teu texto,ASSUNTO.
ResponderEliminarTonito.
Depois de ler esta história que é verdadeira, mesmo verdade, ao almoço nada de goraz, apenas umas "maminhas" grelhadas com alho!!!!
ResponderEliminarAssim sendo e porque foi ao almoço e apesar disso à ceia, depois de uma sopita ao jantar, uma coisa garanto-bolachas Maria (sem açucar) ainda vai, mas copito de leite nem pensar! Há 70 anos que não provo o leite!!!
Tudo muito bem explanado como de costume...
Hh! mas essa inglesa deu jus à fama de que gozam suas altezas...E a Quinta do Sargaçal virou mesmo cemitério de garrafas vazias!
Já se comia...
ResponderEliminarIsto foi mesmo verdade e já lá vão muitos anos. Há cerca de 36 anos, tendo como referência a idade do meu filho mais velho. Comiam que se fartavam e deu no que deu ! Um alvoroço ! Foram bons tempos ...
ResponderEliminarQuito. estou em Armação, podemo-nos reunir com a família e ir a qualquer lado.
ResponderEliminarFicavam cheios de inveja!!
fernando AZENHA
Azenha, estou a fazer-me à pista para levantar voo. Fica bem e umas boas férias.
EliminarAbraço
É verdade, Quito. Os ingleses, escoceses e irlandeses até dizem: "It’s five o’clock somewhere in the world" (são cindo horas em algum lado do mundo) e assim estão sempre dentro da hora para começar. Essa inglesa era muito comedida.
ResponderEliminarQuanto à Da. Guilhermina, tenho sorte porque não como tanto mas também vão umas bolachinhas com leite.
Continuação de boas férias.
Abraço
Às tantas foi alguma batata que não estava em condições e lhe fez mal!...
ResponderEliminarO comentário anterior é do Alfredo e não da Daisy
ResponderEliminarUma verdade fantasiada pelo autor!
ResponderEliminarO copinho de leite e as bolachas Maria foram um remate fatal. Olha se tem sido um copo de vinho...
Moral da história: nunca comas bolachas "Maria" depois de jantar.
ResponderEliminar