(foto net)
Ele, o Costa, refugiava-se do calor debaixo de uma árvore de sombra acolhedora. Ali, na Estrada Nacional 112, seria um homem como outro qualquer. De diferente, apenas uma farda cinzenta e um colete amarelo. E, nos ombros, as divisas de Sargento. Ao lado, em repouso, uma moto branca de grande potência, com as siglas GNR.
Estava só, completamente só, naquele planalto de solidão. De
carro estacionei, no largo do maior restaurante da zona. E, em passo lento,
aproximei-me do agente de autoridade. Um cumprimento cordial, foi o início de
uma amena conversa. Disse-me que estava ali para fechar o troço de estrada à
passagem da caravana de ciclistas da Volta a Portugal em Bicicleta. A prova,
vinha do lado de Tinalhas e ia entrar naquela estrada mais movimentada e era
preciso tomar previdências. Porém, a conversa foi resvalando para outros temas.
Disse-lhe da minha razão de estar ali e que era ver os heróis da estrada.
Depois, confidenciei-lhe as minhas origens – Coimbra.
O Sargento Costa, por segundos ficou calado, a olhar a
paisagem cinzenta, e depois começou um monólogo. Disse algo que me surpreendeu:
- Tenho uma grande dívida para com a sua terra - Coimbra. Foi lá que me saiu o euromilhões …
Perplexo, continuei a ouvir:
- Um dia, fui a Coimbra em serviço. Estava no Quartel da Guarda Repúblicana, na
zona alta da cidade e tive uma forte dor no peito. Chamaram o médico da Unidade
e ele mandou que eu fosse imediatamente conduzido ao hospital. Cheguei em coma,
com total falência de órgãos, pelo forte AVC que me deu. Mas os médicos do
Hospital de Coimbra, salvaram-me a vida e estou eternamente grato a eles e à
cidade. Se fosse aqui, tinha morrido e disseram-me que mesmo transportado de
heli, eu não chegaria vivo a Coimbra …
E continuou:
- Sabe, isto deve ser hereditário. O meu pai teve um AVC, com
quarenta e quatro anos de idade. Ficou numa cadeira de rodas, completamente
dependente, apenas contando com o amor da minha mãe e dos filhos. Era um homem
sem vícios, que não fumava, comia regradamente e não bebia e logo foi acontecer
esta desgraça. Ainda é vivo, mas já se aproxima dos noventa anos.
Ouvi a história. E quando ele falou tão bem da nossa Coimbra,
comecei logo a ter por ele uma simpatia surda. O rádio que trazia na mão,
interrompeu aquele momento de aproximação de duas pessoas que nunca se tinham
visto. O rádio roufenho, debitou uma informação: “ dois ciclistas a chegar ao
alto da Lousa … roger …"
Experimentado nestas andanças, o Sargento Costa logo fez uma
previsão do tempo de chegada ao local onde nos encontrávamos. Acertou. Só que
vinha apenas um ciclista. Magro e escanzelado, o colombiano parecia trazer fogo
no rabo e em grande correria desapareceu estrada abaixo. O que não deu para
ganhar, viu-se depois.
Nessa altura já eu, discretamente, tinha deixado o militar a
fazer o seu trabalho. Minutos depois, apareceu uma jibóia colorida, com o cantar das rodas pedaleiras. E dois minutos após, tudo tinha acabado e o silêncio
retomou o seu lugar no planalto. Regressei ao carro e aguardei, na estrada
secundária, a minha vez de entrar na estrada principal. O Sargento Costa
gesticulava, de braços no ar e apito na boca, a escoar o tráfico acumulado.
De repente, virou-se e encarou comigo, pacientemente ao
volante, a aguardar a minha vez de seguir viagem. Ato contínuo, o militar
pôs-se no meio da estrada. Mandou parar o trânsito nos dois sentidos e, com um
sorriso, deu-me ordem de passagem.
Agradeci-lhe com um aceno. Foi um sorriso mútuo, que tinha
muito de cumplicidade, entre duas pessoas que por minutos repartiram pedaços de
vida. Descendo em velocidade lenta os cerca de mil metros de estrada até ao Salgueiro
do Campo, refleti que por detrás de uma farda há um cidadão, com as alegrias e
tristezas de todos os mortais.
Se calhar, da outra face da Volta, do lado humano da Volta,
longe das câmaras de televisão e do ruído das multidões, podemos arranjar um
amigo. Nem que seja debaixo da sombra protetora de uma oliveira …
Quito Pereira
Foi preservada a verdadeira identidade do militar ...
ResponderEliminarO texto, tinha alguns pequenos lapsos, que corrigi e que resultaram de um rearranjo anterior. Só numa segunda leitura me apercebi. Peço desculpa a quem já leu o texto e certamente deu pelos erros. A história, verdadeira, passou-se na semana passada. Talvez seja rico em partilha de experiências de vida.Como texto, não vale um caracol. Mas o Fernando Rafael, sabe que é apenas e só, a minha vontade de colaborar com o seu blog.
ResponderEliminarBreve vos deixarei por uns tempos ...
Que o texto não vale um caracol?
EliminarAi, ai!
Já me tinhas dito que tinhas ido ver passar a vollta...pois passava a 2Km..
Pois eu entendo que o teu bate papo com o agente da autoridade é bem interessante.
Por momentos pensei mesmo que lhe tinha saído o euromilhões...em dinheiro e Coimbra tinha sido talismã na sorte choruda!
Mas saiu-lhe um bilhete premiado que foi em Coimbra lhe terem salvo a vida...uma vida pelos vistos que lhe permite exercer a sua profissão e não ter que ficar agarrado a uma cadeira de rodas!!!Mas que rico Euromilhões!
Mas também escusavas de chamar escanzelado ao pobre do Colombiano, que só quis botar figura até passar por ti...depois chegou à meta quase em último!
Se calhar é um dos que ficou nas imagens da Suzana, a publicar em seguida a verter águas pelo caminho!
Continua com os "teus textos de caracol". O blog agradece...
Boa escrita.
ResponderEliminarTonito.
O Quito, de um diálogo fortuito logo nos prende quando no-lo descreve, mete-nos na cena, visualizamos a personagem e toda a descrição faz sentido e nos toca!
ResponderEliminarAinda bem que em Coimbra o salvaram.
És mesmo um gajo de Coimbra, a provocares um engarrafamento numa estrada secundária, só por teres amigos na GNR...
ResponderEliminar(se tu voltas a reduzir o mérito dos teus textos, convoco a malta para te fazermos uma barrela... com urtigas...)
Paulito, não me ralhes que eu estou doentinho ...
EliminarQueres que te vá buscar de helicóptero, meu amor?
EliminarEle fez-se amigo do GNR porque vinha a conduzir a pandeireta sem cinto.
EliminarSinto que foi por isso!
Se m'apanho a beber umas cervejas no Zé Manel e a comer uns carapaus na Torre, ainda julgo que é mentira. De heli, contigo não, obrigado. Que eu saiba, só tens brevet de helis da Feira Popular e até já lá fiquei pendurado no Concorde, pois faltou a energia ...
ResponderEliminarToma lá um abraço
Um gajo heligante como tu, sujeita-se a essas coisas. Nem queres que te faça uma salada de heliface?
EliminarCarapaus na Torre?! Onde é isso, que não conheço?...
Eliminar...na Torre do Arnado....depois de descer no heliporto dos HUC!
EliminarNa Torre do Arnado? Num daqueles "restaurantes" do rés-do-chão?
EliminarSerá que há? Quando por lá passar vou indagar.
ResponderEliminarJá vi que isso dos carapaus da Torre é um segredo do Quito...
EliminarSe bem me lembro tens mais histórias para contar de quando andávamos atrás das bicicletas ;)
ResponderEliminarAi tem, tem! E penso que já contou algumas!!!
EliminarAbraço Gonçalo
Uma estória real e interessante que fala da realidade vivida com um sargento da GNR. Sem dúvidas que estes cidadãos polícias são geralmente pessoas capazes de viver com tudo o que se lhes depara, do bom e do muito mau. Quando o muito mau lhes toca à porta, lá têm que entrar em casa fazendo tudo para que a família possa continuar feliz. O que viveram, só a eles diz respeito. A realidade é que vale a pena ser de Coimbra, pois o Quito foi muito bem "tratado".
ResponderEliminarApesar de algumas "provocações", informo Vossas Senhorias que a "Torre" é à entrada da cidade de Lagos, quando se chega de Portimão pelo estrada velha. Bom sítio para estacionar, variedades de peixe com fartura e uma sala simpática. Como simpáticos são os preços, que não são a esfolar turista ...
ResponderEliminarJá estou a var que a Torre existe onde você quer que ela exista...
ResponderEliminarPara mim, Torre, só há uma: a da Serra (e Serra com "S" maiúsculo, sem mais, em Portugal continental é a Serra da Estrela).
ResponderEliminarEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarRecomeço: Só para te enervar, Paulito, vou mandar um empreiteiro meu amigo, construir uma Torre na Ilha do Pico, no sitio mais alto de Portugal, só para te enervar. O Carlos Carvalho, veio logo telefonar-me a correr, a dizer que pagava metade da obra. Tens ali um bom amigo da onça !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
ResponderEliminarÉ tal a fominha que o Carlos Carvalho tem que até fechou os olhinhos ao adjectivo "continental" que coloquei a seguir ao substantivo "Portugal"!
Eliminar