Está um calor abrasador. Ontem e hoje, nem a brisa marítima
refresca as ruas estreitas e medievais do centro da cidade.
Deambulo por vielas apertadas, com esplanadas semeadas no meio de um curto espaço, que nos faz quase pedir licença para passar.
Deambulo por vielas apertadas, com esplanadas semeadas no meio de um curto espaço, que nos faz quase pedir licença para passar.
Acolá, naquele beco,
matando o tempo, fala-se inglês entre copos de cerveja e garrafas de vinho.
Gargalhadas e troncos vermelhos da exposição ao sol, compõem um quadro de época
estival.
Meio zonzo da canícula, olho o Mercado de Escravos. Outras
épocas e outros dramas. E, naquele pequeno largo, logo por detrás, o antigo Quartel dos Bombeiros.
Volto a encalhar nas memórias. Ao olhar o velho portão pintado a vermelho, juro que vi a imagem do Manuel da Glória.
Estava ali, com o seu porte esguio, a camisa branca e as calças cinzentas, de onde pendia uma grossa corrente prateada. E, no extremo da corrente, um molho de chaves, que o Manuel era homem de muitas vidas.
Estava ali, com o seu porte esguio, a camisa branca e as calças cinzentas, de onde pendia uma grossa corrente prateada. E, no extremo da corrente, um molho de chaves, que o Manuel era homem de muitas vidas.
Quem o visse, no seu semblante
brando e risonho, com a sua modéstia assumida, não diria que estava ali uma das
figuras mais queridas da cidade. Foi Comandante dos Bombeiros de Lagos e,
aquando do seu passamento em mil novecentos e noventa e dois, a consternação
foi geral. Toda a gente gostava do Manuel da Glória.
Conheci-o na Quinta do Sargaçal, lá para os lados do aeródromo e ficámos amigos para sempre. Uma amizade que se manteve, até ao seu desaparecimento físico.
Conheci-o na Quinta do Sargaçal, lá para os lados do aeródromo e ficámos amigos para sempre. Uma amizade que se manteve, até ao seu desaparecimento físico.
Assim, em vinte um de agosto de dois mil e dois, com
bombeiros fardados a rigor, estandartes e discursos inflamados, o Manuel teve
direito a uma Rua com o seu nome na Freguesia de Santa Maria, nesta cidade de
Lagos.
Ela, Dona Eduarda da Luz, descerrou a lápide. Depois chorou o
companheiro de uma vida e voltou para a sua casa simples de janelas com
cortinas brancas e rendilhadas, viradas para o passeio empedrado, de uma rua
entre tantas ruas estreitas e singelas.
Dona Eduarda da Luz, resistiu enquanto pôde ao trucidar do
Tempo. Conheci - lhe os dotes de doceira de eleição. Ainda está para nascer,
quem faça os tradicionais pasteis “Dom Rodrigo”, com a competência com que ela os elaborava.
Era apenas para consumo da casa e dos amigos. Mas fazia - os com prazer e com
amor. Sobretudo com amor.
O correr dos anos, fez tocar a sirene. Dona Eduarda, tinha já
uma idade provecta e o seu único filho, que um dia partira para o Brasil na
procura de uma vida melhor, veio retribuir o amor que ela lhe tinha dado e
levou-a consigo para o outro lado do Atlântico. Ela, de coração negro de
tristeza, partiu com a consciência que jamais voltaria à Sua terra amada. Aos
familiares lacobrigenses, escrevia cartas de saudade.
Falava da sua
inadaptabilidade à nova realidade brasileira. Perguntava pelas gentes e
pela cidade da Sua vida. Depois, as cartas foram espaçando. Um dia, calou-se. Páginas
de vida de um Livro que se fechou para sempre.
Ele, o Comandante Manuel da Glória, está sepultado em Lagos.
Ela, a Dona Eduarda da Luz, num qualquer cemitério de São Paulo, no Brasil. Há
um oceano, a separar quem tanto se amou na vida. Talvez a esperança de que se
tenham reencontrado na morte.
Quito Pereira
Quito,
ResponderEliminarPrecisas de ir mais vezes de férias, não só por uns dias durante o ano. Através do Comandante Manuela da Glória e Dona Eduarda da Luz que conheceste bem, trazes até nós o desenrolar da vida terrena de muitas pessoas, com as suas alegrias e dissabores. Mas mais do que isso, a própria Saudade.
Um abraço.
Chico
EliminarPois, férias. Aqui ficaria por mais dois ou três meses, sem me custar nada. Mas ainda tenho esperança que um dia o possa fazer. Aqui, neste ambiente calmo, no alto da cidade e com vista da cidade e do mar, entretenho-me por vezes a escrever. É um passatempo, como seria fazer "palavras cruzadas", por exemplo. Na escrita, há os escritores, uns mais conhecidos e mediáticos que outros. Os que o fazem por dever de ofício, como os jornalistas. E depois, por esse mundo fora, há milhões de amadores, como é o meu caso. Fazem-no por uma certa carolice. Um texto, só me dá prazer enquanto o elaboro. Pode levar 2O minutos a fazer ou 2 horas. Leio, corto aqui, emendo ali, e assim vou passando o tempo. Muito do que já escrevi, destruí. Por vezes, vou ao arquivo e faço um "limpeza". Normalmente, textos de carácter desportivo ou jocoso (brincadeira) deito fora.E outros. Não servem a ninguém.O blog é apenas um entretenimento e uma forma de expressar ao Fernando Rafael a minha amizade por ele. Meto os textos, sabendo de antemão que estou entre amigos que percebem que sou um completo amador. Fiz durante dois anos, uma colaboração com o Jornal do Fundão. Foi uma experiência nova. O mais agradável de tudo, foi a mensagem que a viúva de José Saramago me enviou e que me surpreendeu pelo tom informal e amistoso.Jamais vou esquecer. esse momento
Vou continuar a colaborar com o blog. Espero que outros façam o mesmo. Isto é apenas uma forma de aproximação entre amigos e nada mais que isso.
Um abraço.
"Isto é apenas uma forma de aproximação entre amigos e nada mais que isso"...
EliminarAchas pouco?!
Abre aço!
Lá vais recordando os amigos om os quais mantiveste laços de amizade e que aqui em Lagos de férias, percorrendo as ruas, becos e largos ires desfilando na memória o que depois irias passar ao papel e daqui ao computador e que num ápice chega até nós!
ResponderEliminarÉ um escrever que te dá prazer e que cada vez mais te liga a esse refúgio de verão!
Molhar os pés é que não...mesmo com o calor que dizes se faz sentir por aí!
vais á praia...mas estás sempre a olhar para o relógio para ver se os ponteiros já chegaram à hora do almocinho! Pelo que contas os kilos vão aumentando, em vez de diminuirem!
Cuidado que ainda vais ter que usar suspensórios, o cinto não leva assim tantos furos!!!
Tudo bem. Boa continuação das férias para o resto dos dias que faltam.
Então nem uma foto? A maquineta ficou na Farmácia? Ai São,São!
A São está de greve. Quer aumento de ordenado. Chega-te à frente Rafael ...
EliminarMomentos agradáveis de memórias, em prosa, para ti e para nós...
ResponderEliminarContinuação de boas férias,menino e menina!
Obrigado, Olinda. Boas férias para ti igualmente se for caso disso....
EliminarUm Abraço.
ResponderEliminarTonito.
António, um abraço. Espero e desejo que estejas bem ...
EliminarLembranças tristes de pessoas que amaste e não esqueces. Boas férias, meus queridos amigos
ResponderEliminarLó
EliminarEste texto vai ter ao Brasil. Familiares de Dona Eduarda e Manuel da Glória, vão avisar o filho deles para ler o E.G.. Emocionaram-se e agradeceram-me a lembrança do casal já falecido. Foi um momento de recordações à mesa do almoço. Foi gratificante para mim e ainda bem que me lembrei de elaborar esta homenagem.
Um abraço
Como sempre, li o teu texto com agrado e alguma emoção, pois tu tens esse dom de nos sensibilizar!
ResponderEliminarMais uns bons momentos de leitura proporcionados pelo Quito.
ResponderEliminarObrigado e aquele abraço.