Farol, como bastião de resistência à ditadura do mar ...
Partilho, convosco, mais um fragmento das minhas memórias. Nesta fotografia recente, as ondas, em fúria, varrem o cais de Ponta Delgada. Esfumado por entre a cortina opaca da branca espuma, o farol, bastião da resistência à ditadura do mar. Também um dia, na Ilha do Faial, o fundo do oceano rebelou-se contra a terra. Espessas colunas de fumo e lava ardente, modificaram a paisagem. Soterraram casas e culturas. Destruíram vinhas e a fauna marinha. Mas o farol resistiu. Ali ficou, de pé, até hoje, como sentinela ferida de morte no seu posto, testemunha negra de uma tragédia dantesca. Uma sensação de desconforto para o viajante, num contraste de emoções, agora que o mar azul e o límpido céu, de novo abraçam a Ilha, numa aliança de paz, naquela terra bendita. Como estranha sensação foi aquela, de atravessar de barco, do Faial para o Pico. Naquela tarde, o mar estava alteroso. Logo à saída da barra, o batelão parecia impotente para travar as arremetidas do Atlântico. Na crista das ondas, divisávamos outras embarcações, para logo submergirmos no mar cavado, que nos empurrava para o fundo. A bordo, a confusão era total. Sacos de batatas, alfaias agrícolas, cestos com galinhas e latões de combustível, conviviam com os passageiros e tripulantes. Então, uma onda forte varreu o convés e fiquei todo molhado. Tento disfarçar o medo que os ilhéus já não têm. Estão habituados à travessia e aos caprichos do mar. E a cataclismos. Para eles, naquele seu jeito cordato de falar, tudo tem uma explicação Divina. É a Vontade de Deus, que se perfila no seu quotidiano. Com a montanha mais alta de Portugal a crescer para mim, atraquei no porto do Pico. Uma chegada atribulada, com todos os passageiros a querer sair do barco ao mesmo tempo, arrastando as suas bagagens. Depois, o repouso da viagem, no Hotel Caravela. O recordar Vitorino Nemésio e o seu livro “Mau tempo no canal". Mais tarde, uma visita à pequena capela, em cujo altar se destacam alguns apetrechos náuticos, a fazer lembrar aos fiéis e visitantes, que aquela é uma terra de homens da faina. Contudo, muitos partiram, procurando o sustento noutras paragens. E, à noite, recolhido no quarto, à luz coada do candeeiro da mesa - de – cabeceira, uma leitura pelo jornal local. Pelo seu conteúdo, espraiei os olhos. Deleitei-me, com as notícias simples duma terra singela. A luz que falta na Rua dos Baleeiros, problema que ainda não foi resolvido, ou aquela passadeira para peões, que já tarda a ser marcada no pavimento. Afinal, um semanário como elo agregador de uma pequena comunidade. É quase comovente de candura, o desfolhar das suas poucas páginas. Nas asas da SATA, parti do pequeno aeroporto do Pico. Do ar, despedi-me da Ilha e das suas gentes. Dos meus irmãos insulares. Portugueses como eu.
( texto dedicado a Ana Valentina Dias , pelo amor aos Açores, que também são seus )
( texto dedicado a Ana Valentina Dias , pelo amor aos Açores, que também são seus )
Q.P.
Fico muito lisonjeada por este texto me ser dedicado!
ResponderEliminarAs minhas raízes maternas,Micaelenses, são de um carinho,um amor pela aquela Ilha mágica...
Obrigado!
Ana Valentina Dias
Um texto que me fez também recordar a minha passagem por algumas ilhas dos Açores, onde se incluía precisamente a Ilha do Pico!São Jorge, Graciosa. Faial, Terceira e São Miguel foram as outras visitadas.
ResponderEliminarTivemos a sorte de não ter havido mau tempo no Canal!
Mas gostámos imenso de qualquer uma delas...mas principalmente o Faial e Terceira!
Como sempre um texto agradável de ler!
Saúdo também a tua amiga Micaelense!
Apareça sempre!
Meio enjoado pelos balanços do barco onde nunca tinha andado até hoje, pela escrita plena de realismo do Quito, gabo-lhe a coragem de se ter aventurado a uma travessia em que há sempre "mau tempo no canal".
ResponderEliminarJá lá tinha ido mas de avião.
De barco, agora, foi como se tivesse lá ido, como se também eu tivesse ficado encharcado até aos ossos, pela vaga alterosa que varreu o convés...
O mar por mim não me mete medo nenhum,mas eu não me meto com o dito, pois ele não respeita ninguém.
ResponderEliminarSe por acaso sou forçado a enfrentá-lo é com muita calma e evito sempre na maneira do possível.
Em Setúbal onde vivi 23 anos, os pescadores sempre me disseram ( O MAR É F. da P. não respeita ninguém ).
E digo com toda a propriedade quanto mais longe mais loze.
Gosto muito do Mar, mas de LONGE.
Tonito.
Já fiz essa travessia Faial-Pico e Pico-Faial por duas vezes e tive sempre sorte com o mar! Um pouco agitado mas nada de meter medo!...
ResponderEliminarO Quito é um aventureiro, mas chegou são e salvo!...
Obrigado pela colaboração.
ResponderEliminarJá agora esclarecer, que a Ana Valentina é minha nora, com fortes raízes familiares nos Açores.
Um abraço a todos
E pronto, o Quito lá nos põe a navegar pelo canal açoriano, onde também já naveguei e...livra, assusta!
ResponderEliminarPelo contrário, a viagem inter ilhas num barco grande, com o odor forte do queijo de São Jorge, permitiu uma viagem lindíssima, sempre acompanhados pelos golfinhos que pareciam presentear-nos com um espetáculo divertido.
Cada ilha, sua beleza!
O Farol resistiu.
ResponderEliminarO Quito também e guardou na sua memória esta travessia entre o Faial e o Pico, descrevendo-a com a mestria que todos lhe reconhecemos.
"Se bem me lembro..." poderá ser um bom título para a sua colectânea que ainda não perdi a esperança de ver publicada.
Olha, toma lá mais um abraço.