sexta-feira, 8 de junho de 2012

BBLIOTECA "ENCONTRO DE GERAÇÕES"


CONTOS
da
DAISY
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O HOMEM GRANDE

                - Mamã, porque o papá não volta? E porque vêm tantos
homens cá a casa? Vêm à procura dele?
        - Sim, filho. O papá foi para muito longe e os senhores vêm
saber se ele está bom.
        - Olha, mamã, bateram à porta. Deve ser outro homem.
        - Vá, filho, vai brincar, sim?
        - Deixa-me vê-lo.
        - Não. Vai brincar, anda.
        - Sabes? Não gosto deles. Quando chegam mandas-me sempre embora. Eles fazem mal? Aquele está a bater com tanta força! Se calhar vem dizer-nos que o papá morreu. Pronto, vou-me embora.
        Começa a escurecer. O pequenito junto do lago, olha as águas que parecem levá-lo para longe; para junto do seu pai. Desde que este partira, todos os dias via ali o cair da tarde. Depois a mãe chamava.
        A noite caía, envolvendo o lago com o seu manto negro.
Pequenito brincava com uma pequena rãzita. Falava-lhe como a um outro pequeno.
        É noite e a mamã não me chama. Mas não volto para casa  se não ela bate-me. Foi o que ela disse. “ nau quero que venhas para casa sem que te chame, se não bato-te”. Sabes porquê? Não sabes, com certeza. A mãe do Joãozinho costuma dizer-lhe quando ele anda a brincar: “Quando começar a fazer-se noite, vem para casa”.
Sou pequenino, ainda não percebo estas coisas. Já é muito de noite e eu tenho medo. Tu não tens medo de andar aqui de noite? Amanhã venho outra vez brincar contigo, sim?
        - Mamã, mamã, está muito de noite. Pequito tem medo de
          Andar na rua.
        - “Zinha”, “zinha”, a mamã não abre a porta a Pequito. Sabes
          Porquê?
        - Não. Pequito, não sei. Olha, vem à “zinha”, a mamã vem já.
         Mas a noite passava e a mamã, não chegava.
        - “Zinha, porque a mamã não vem? Se calhar o homem grande levou-a.
        A mulher compreendera já o que se passara. E que fazer agora com aquela criança?
        - Deixa lá, Pequito. Gostavas de ter outra mamã?
        - Se fosse como a “zinha”, não me importava…
         - Está bem. Então eu serei a tua mamã. Vamos fazer ó-ó,
           Sim?
        - Agora já não vejo mais o “Homem Grande”. Tinha tanto medo dele!!!


6 comentários:

  1. A escrita da Daisy - da nossa amiga Daisy - tem tanto de envolvente, como, por vezes, de inquietante. A Daisy, propositadamente, leva-nos com frequência ao mundo dócil e complexo das crianças. E aos dramas. Deixa-nos a pensar. Deixa-nos a reflectir. Pela sua pena criteriosa e de vertente humanista, vamos vogando num rio de emoções, entre o terno e o dilacerante.
    Obrigado, Daisy.

    Uma palavra ao Fernando Rafael, que em boa hora, continua a partilhar nesta tertúlia, momentos como este. Afinal, uma forma de juntar os amigos, mesmo que geograficamente dispersos.
    Obrigado, Rafael.

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  2. A boa escrita.
    Com pouco se diz muito.
    Tonito.

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  3. São contos muito bem escritos e que tenho muito prazer em partilhar!

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  4. Dizia eu ao Quito, há uns minutos atrás, que reconhecia que escrever é um acto solitário. Mas que o deixava de ser no momento em que o leitor recebe a mensagem do escritor.
    Este conto da Daisy, escrito há mais de 40 anos, deixa o registo de uma jovem estudante preocupada com questões da infância, transmitindo para o leitor essas preocupações. Neste, como em outros contos, a sensibilidade para essa problemática da escritora é transmitida ao leitor. E este, por muito insensível que possa ser à temática, não poderá deixar de reflectir sobre o assunto.
    Está demonstrado que um acto solitário, o de escrever, se poderá transformar num acto solidário...

    Daisy, um beijinho muito amigo.

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  5. Não sei se é revolta ou se é angústia, ou se ambas, aquilo que sinto quando me coloco na situação da criança. Que não pede mais do que compreensão e afecto. Mas a quem nada se explica...

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  6. Os adultos julgam que as crianças não entendem...mas são inteligentes e capazes de deduzir.
    Aos 9 anos tive uma febre tifóide e estive mal. Lembro-me de perguntar à minha mãe que doença tinha, pois sentia a preocupação de meus pais e do médico, que ia lá a casa duas vezes por dia!
    Disse-me minha mãe que era uma constipação, logo iria melhorar.
    Mas...o meu irmão, apenas com dois anos, foi afastado de mim,a tia veio buscá-lo e levou-o para a Figueira da Foz.
    Chorei tanto, tanto e fiquei convencida que iria morrer!
    Ainda hoje guardo na memória a imagem do meu irmãozito a acenar-me um adeus, que julguei ser o último.
    A escrita e a leitura também têm o dom de nos ajudar a exorcizar os fantasmas.

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