CONTOS
da
DAISY
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O HOMEM GRANDE
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O HOMEM GRANDE
- Mamã, porque o papá não
volta? E porque vêm tantos
homens cá a casa? Vêm à procura dele?
- Sim, filho. O papá foi para muito
longe e os senhores vêm
saber se ele está bom.
- Olha, mamã, bateram à porta. Deve ser
outro homem.
- Vá, filho, vai brincar, sim?
- Deixa-me vê-lo.
- Não. Vai brincar, anda.
- Sabes? Não gosto deles. Quando chegam
mandas-me sempre embora. Eles fazem mal? Aquele está a bater com tanta força!
Se calhar vem dizer-nos que o papá morreu. Pronto, vou-me embora.
Começa a escurecer. O pequenito junto
do lago, olha as águas que parecem levá-lo para longe; para junto do seu pai.
Desde que este partira, todos os dias via ali o cair da tarde. Depois a mãe
chamava.
A noite caía, envolvendo o lago com o
seu manto negro.
Pequenito brincava com uma pequena
rãzita. Falava-lhe como a um outro pequeno.
É noite e a mamã não me chama. Mas não
volto para casa se não ela bate-me. Foi
o que ela disse. “ nau quero que venhas para casa sem que te chame, se não
bato-te”. Sabes porquê? Não sabes, com certeza. A mãe do Joãozinho costuma
dizer-lhe quando ele anda a brincar: “Quando começar a fazer-se noite, vem para
casa”.
Sou pequenino, ainda não percebo
estas coisas. Já é muito de noite e eu tenho medo. Tu não tens medo de andar
aqui de noite? Amanhã venho outra vez brincar contigo, sim?
- Mamã, mamã, está muito de noite.
Pequito tem medo de
Andar na rua.
- “Zinha”, “zinha”, a mamã não abre a
porta a Pequito. Sabes
Porquê?
- Não. Pequito, não sei. Olha, vem à “zinha”,
a mamã vem já.
Mas a noite passava e a mamã, não
chegava.
- “Zinha, porque a mamã não vem? Se
calhar o homem grande levou-a.
A mulher compreendera já o que se
passara. E que fazer agora com aquela criança?
- Deixa lá, Pequito. Gostavas de ter
outra mamã?
- Se fosse como a “zinha”, não me
importava…
- Está bem. Então eu serei a tua mamã.
Vamos fazer ó-ó,
Sim?
- Agora já não vejo mais o “Homem
Grande”. Tinha tanto medo dele!!!
A escrita da Daisy - da nossa amiga Daisy - tem tanto de envolvente, como, por vezes, de inquietante. A Daisy, propositadamente, leva-nos com frequência ao mundo dócil e complexo das crianças. E aos dramas. Deixa-nos a pensar. Deixa-nos a reflectir. Pela sua pena criteriosa e de vertente humanista, vamos vogando num rio de emoções, entre o terno e o dilacerante.
ResponderEliminarObrigado, Daisy.
Uma palavra ao Fernando Rafael, que em boa hora, continua a partilhar nesta tertúlia, momentos como este. Afinal, uma forma de juntar os amigos, mesmo que geograficamente dispersos.
Obrigado, Rafael.
A boa escrita.
ResponderEliminarCom pouco se diz muito.
Tonito.
São contos muito bem escritos e que tenho muito prazer em partilhar!
ResponderEliminarDizia eu ao Quito, há uns minutos atrás, que reconhecia que escrever é um acto solitário. Mas que o deixava de ser no momento em que o leitor recebe a mensagem do escritor.
ResponderEliminarEste conto da Daisy, escrito há mais de 40 anos, deixa o registo de uma jovem estudante preocupada com questões da infância, transmitindo para o leitor essas preocupações. Neste, como em outros contos, a sensibilidade para essa problemática da escritora é transmitida ao leitor. E este, por muito insensível que possa ser à temática, não poderá deixar de reflectir sobre o assunto.
Está demonstrado que um acto solitário, o de escrever, se poderá transformar num acto solidário...
Daisy, um beijinho muito amigo.
Não sei se é revolta ou se é angústia, ou se ambas, aquilo que sinto quando me coloco na situação da criança. Que não pede mais do que compreensão e afecto. Mas a quem nada se explica...
ResponderEliminarOs adultos julgam que as crianças não entendem...mas são inteligentes e capazes de deduzir.
ResponderEliminarAos 9 anos tive uma febre tifóide e estive mal. Lembro-me de perguntar à minha mãe que doença tinha, pois sentia a preocupação de meus pais e do médico, que ia lá a casa duas vezes por dia!
Disse-me minha mãe que era uma constipação, logo iria melhorar.
Mas...o meu irmão, apenas com dois anos, foi afastado de mim,a tia veio buscá-lo e levou-o para a Figueira da Foz.
Chorei tanto, tanto e fiquei convencida que iria morrer!
Ainda hoje guardo na memória a imagem do meu irmãozito a acenar-me um adeus, que julguei ser o último.
A escrita e a leitura também têm o dom de nos ajudar a exorcizar os fantasmas.