Sempre foi muito namoradeiro...
Já assim era no Porto onde
nascera e vivera até à adolescência, e de igual modo continuou em Coimbra para
onde foi morar por ordem do pai que o queria afastar da noite e da borga portuense.
Na esperança de o ver assentar e dedicar-se aos estudos. Não era com certeza
por acaso que Coimbra era conhecida como a cidade dos estudantes. A cidade onde
se estuda…
Hospedou-se no Bairro, lugar
pacato de gente humilde e trabalhadora.
Mas o Carlos já trazia a escola
tripeira das noites da Foz e da Ribeira, entranhada na alma e no corpo, e
rapidamente descobriu que, embora mais pequena, a cidade estava inundada de
garotas giras, de espírito livre, que a sua visão de lince ia descobrindo,
registando, frechando-as com golpes certeiros do seu olhar romântico e sorriso
cativante.
Ao fim de pouco tempo já namorava
uma colega do Alexandre Herculano, paredes meias com o São Pedro para onde ele
carregava os livros diariamente. Era a Clara, linda rapariga a quem uma imperceptível
cicatriz no queixo dava uma beleza invulgar,
exótica, sensual.
No fim das aulas, o Carlos
acompanhava-a até à Av. Dias da Silva onde ela morava e depois descia os Loios a
correr até ao Calhabé.
Não tardou muito que começasse também
a namorar a Ângela, que se perdeu de amores por ele num baile do Futebol Clube do
Calhabé. Como ela morava na Casa Branca e estudava no Liceu Infanta D. Maria,
perto do Estádio, o Carlos conseguia, sem grande risco, repartir-se pelas duas
namoradas, dado que elas frequentavam zonas diferentes da cidade.
Alguns amigos avisavam-no que era
melhor não manter aquela situação dúplice porque era perigosa e ele podia vir a
dar-se mal com isso.
O Carlos era muito senhor do seu
nariz e, quando o tentavam aconselhar, respondia com alguma rispidez e
sarcasmo:
- Oh pá! Elas são como as rectas paralelas!
Por mais que se prolonguem nunca se encontram!
Pelo menos é isso que nos ensinam
nas aulas de Geometria, não é?…
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Certa noite, abriu com grande
pompa uma discoteca nova, moderna, a primeira digna desse nome na cidade de
Coimbra. Ficava ali ao fundo das escadas monumentais e encheu-se de estudantes
na sua inauguração. O Carlos não podia faltar e lá foi, mais uns amigos do
Bairro, beber um copo, ver o ambiente e fumar uma cigarrada.
De súbito, viu a Clara dirigir-se
a ele, a abrir caminho por entre a multidão, acotovelando aqui, empurrando
acolá. Sorriu-lhe, deu-lhe um beijo, pegou-lhe na mão e explicou:
- Tinha-te dito que não vinha cá,
mas o meu irmão insistiu tanto que vim com ele. Tão bom estarmos juntos!
O Carlos afivelou o seu sorriso
de galã, mas que se desvaneceu pouco depois tornando-se progressivamente num
riso amarelo.
Do fundo da sala, a Ângela acenava-lhe. Veio a correr até junto dele,
dizendo-lhe que sabia que ele viria e quis fazer-lhe uma surpresa, vindo com
mais umas colegas à inauguração.
- Estás feliz por me veres?
Foi então que a Clara e a Ângela se
fitaram e perceberam tudo. Ambas desapareceram, furiosas, cada uma para seu
lado, remoendo entre dentes ameaças e vinganças contra ele.
O Carlos recuperou-se a custo, acalmou e
afirmou imperturbável para os amigos que o rodeavam:
- Aquilo que nos ensinam nas aulas de geometria está completamente
errado! Ao contrário do que nos dizem, as rectas paralelas podem encontrar-se
sim! Aliás, consta nos manuais que se encontram no infinito!
- E o nome desta discoteca, como vocês sabem, é esse mesmo: INFINITO.
Rui Felicio
Antecipando-me, coloco já a tarja costumada em casos deste género:
ResponderEliminar"Qualquer semelhança de nomes e factos com a realidade, é pura coincidência"
Ainda bem que avisaste.
EliminarQue grande susto.
Chiça!
Que azar do catrino...
ResponderEliminarAzar, não !!! Maldita Geometria !!! Mas o Rui, que é um cavalheiro, adoçou o final, pois o mais provável, era as "vitimas" arrepelarem o cabelo uma à outra, num típico romance de faca e alguidar. Ficaram-se pelas ameaças surdas. Ainda bem ...
ResponderEliminarEstas situaçoes sao mesmo complicadas mas hoje a malta nova com a ajuda duma tecnologia avançada tem toda a obrigaçao de poder evitar situaçoes destas!!!Espero que me compreendam!
ResponderEliminarQuem criou essa discoteca sabia o que fazia: não a abriu ao cimo das Escadas Monumentais.
ResponderEliminarE vai mais um Conto Felício para a funda São.
Sãozita,
EliminarO Rui Felício diz "ao fundo" e não "ao cimo" das Escadas Monumentais.
A diferença não é pequena, é que ao fundo, em direcção aos Arcos do Jardim, havia um grande espaço de convívio juvenil. Era mais um "pub" do que uma discoteca.
Penso que ainda por lá há qualquer coisa mas confesso a minha desactualização na matéria.
Mas compreende-se que os teus verdes anos não te permitam ter conhecido o tal "pub".
Abr aço.
Vianita, foi o que eu disse: a «Infinito» era ao fundo das Monumentais... para evitar que alguém contasse os 125 degraus.... a rebolar desde lá de cima, se tivessem posto a discoteca ao lado das... "bolas do D. Dinis".
EliminarTens toda a razão!
EliminarA Sãozita era lá capaz de pôr o infinito nas "bolas do D. Dinis"...
Nem por sombras!
EliminarGeomètricamente bem desenhado este quotidiano dos estudantes de então.
ResponderEliminarOutrora menos consentido pelas "estudantas" mas, hoje, as linhas paralelas são linhas traçadas, de igual modo, por eles e por elas...( e até acho bem!!!)
Enfim gostei de rever a definição das linhas paralelas e de apreciar, mais uma vez, o teu humor infinitamente interessante.
sabes?talvez por estas,e por outras,as meninas hoje pedem um "traçadinho"...
Eliminar...e pedem bem,ora essa!
EliminarUm "pinga amor", bem conhecido no Bairro, nos tempos do Picadeiro, tinha uma agenda onde programava os encontros com as namoradas que ia "acumulando"! Um belo dia, por engano apareceram 2 à mesma hora e no mesmo local, o Mandarim na Praça da Republica! A coisa "fiou fina"! As escadas (lembram-se?) foram descidas apressadamente de 4 em 4 degraus! Quem seria o D.Juan???
ResponderEliminarMais uma excelente "prosa" do Rui Felício! Parabéns!
Nestas coisas, como em tudo na vida, nada mais perigoso do que uma agenda mal organizada!
EliminarBem urdido Rui.
ResponderEliminarUm Abraço.
Tonito.
Quando li o primeiro parágrafo!
ResponderEliminarÉ lá, isto vai ser conto à amaricano!!!
Mas fiquei descansado com a informação do autor "Qualquer semelhança de nomes e factos com a realidade, é pura coincidência"!!!!
O Rui sempre a surpreender com estes excelentes textos!
A geometria poderá ser variável mas é invariável, diria inesgotável,a capacidade do Rui Felício nos oferecer nacos de prosa soberba, recheados dos mais variados e requintados sabores.
ResponderEliminarÉ infinita a imaginação com que adorna factos que não passariam de banalidades, como é infinita a perspicácia com que utiliza a sua memória para nos remeter para locais, ambientes, vivências, que todos nós gostamos de revisitar.
Mas, como o próprio Rui Felício já o disse, nas suas estórias há, quase sempre, um ponto de partida, um mote, que tem a ver com a realidade.
Eu sei que ele conhece um tal Carlos que veio do Porto, por severa decisão paternal, para ver se estudava na cidade dos estudantes. Mas o rapaz era mesmo cábula profissional e a única disciplina em que brilhava era a matemática. Mas mais na álgebra do que na geometria...
Está certo!.
Aquele abraço.
Não sei se o protagonista desta história era cábula. Mas se o era,lamentando o óbvio prejuízo pessoal daí resultante, talvez isso tivesse sido benéfico porque permitiu que adquirisse a sabedoria da vida que as escolas não ensinam.
EliminarE esta é muito mais importante que os conhecimentos escolares que o ensino bafiento, tendencioso e propositadamente obscuro de então ministrava.
E hoje, passados tantos anos, sei que estou perante um homem culto, de inteligência arguta e invulgar, que faz o favor de ser amigo...
Também aqui vale o principio de que duas rectas paralelas se encontram no infinito. Podem demorar a encontrar-se, mas encontram-se sempre, mesmo não sendo convergentes.
Carlos que veio do Porto...há só um o cábula profissional recambiado do Dragon para ser Doutor!
ResponderEliminarMas meteu-se na geometria variável e as rectas só se encontraram na álgebra!
Ainda bem!
Há coisas que a matemática não explica.
EliminarSó a vida, a forma de nela se estar, o respeito pelas divergências, pode levar às convergências.
Nem queiram saber como vos estou grato por este bocadinho de vida.
O Rui avisou,...serão coincidências!
ResponderEliminarMas, houve quem enterrasse a carapuça.
Mais um texto engraçadíssimo!