Ofereceram-lhe aquela caneta de
tinta permanente, quando ele foi para o liceu, dizendo-lhe que era uma caneta
mágica. Aparo prateado, corpo luzidio mesclado de manchas avermelhadas e uma
tampa onde sobressaía uma mola para a prender no bolso do casaco.
Apesar de criança ainda, não
acreditava muito nessas coisas de mágicos. Sempre foi um miúdo pacato,
incrédulo, humilde. Procurava mais passar despercebido do que sobressair no
meio dos seus amigos. Mas ficou a pensar naquelas palavras. Havia de
experimentar…
A fantasia dos seus verdes anos levava-o
para etéreos pensamentos, procurando descobrir uma maneira de testar a magia da
caneta. Tinha de o fazer de forma cautelosa, para não incorrer na risota dos
colegas.
Um dia disse à Belita, sua amiga
e vizinha, que a caneta fazia magias. Apontou-lha e pronunciou em voz cava e
soturna, como tinha visto fazer uma vez a um ilusionista do Circo Maravilhas
que esteve um tempo junto ao Estádio Municipal:
- Eu caneta mágica, vou te fazer
rir às gargalhadas!
A Belita, que não esperava
aquela teatralidade, para mais vinda da parte dele, desatou a rir, nem ela
sabia bem porquê. E quanto mais sério era o ar dele, mais ela se ria, em
gargalhadas sonoras, incontroladas.
Afinal, parece que a caneta era
mesmo mágica, pensou ele na sua ingenuidade de criança.
Não se ficou por ali. Tinha que
fazer outra experiência que confirmasse a primeira.
Para dar maior solenidade e
aparato, tal como fazem os mágicos, desenroscou a tampa e pediu para a Belita abrir a mão. No mesmo tom de voz que parecia sair das profundezas, disse-lhe:
- Eu caneta mágica, ordeno-te que chores agora!
Ao mesmo tempo, apertou com força
a caneta e, sem querer, do fole onde estava depositada a tinta, saiu em jacto,
um esguicho azul escuro para a palma da mão que a Belita mantinha estendida.
E não é que ela desatou a fugir
com a mão a escorrer tinta, gritando pela mãe e a chorar convulsivamente?
Está visto, pensou ele, não há
dúvida que esta caneta que me ofereceram é mesmo mágica!
Foram precisos alguns anos para
que ele finalmente percebesse que a prova da magia não estava naqueles
circunstanciais episódios de infância, mas sim nas palavras que, a mando dele, a
caneta vertia para o papel.
Ainda hoje, mais do que nunca, a magia daquela caneta se faz sentir.
Ainda hoje mais do que nunca,
quem lê o que ela escreve, não resiste a rir, a chorar, a pensar, a meditar, a
comover-se, conforme as palavras que ela desenha no papel.
Afinal quem lhe ofereceu aquela caneta tinha razão!
Essa caneta que o Quito continua hoje
ainda a usar é mesmo mágica!
Rui Felicio
OBRIGADO RUI.
ResponderEliminarTonito.
Neste dia abrasador, são ternas as minhas memórias. Por "culpa" do Felício e de uma simples caneta. Quando comecei a ler o texto, relembrei o dia em que fiz a quarta classe. Passei com "distinção" e o meu avô José António Pereira, que na minha tenra idade me trazia enrolado na capa da sua farda, por entre as vetustas árvores do Choupal, deu-me uma caneta. Tinha ido comigo ao exame e num eléctrico que descia para a Praça da Republica, ofereceu-me aquela lembrança, que ainda guardo.
ResponderEliminarExpectante, como sempre, esperei o fim da narrativa. Fiquei bloqueado, com a última frase do belo texto do Rui Felício. É uma amabilidade, para a qual não encontro palavras de reconhecimento.
Na verdade, sempre gostei de alinhar as palavras. No dia em que me vi envolvido na minha solidão campesina, esse desejo refinou-se. A caneta, o teclado, é como que uma espécie de extensão de mim. Mesmo sabendo que os meus horizontes, ditos literários, são limitados.O meu desejo é apenas o da partilha.
Mas tenho as minhas compensações. Ao longo dos anos, aprendi a perceber a delicadeza de uma flor pela objetiva do Tonito ou da Romicas. De um pôr-do-sol pela objetiva do Leitão. Pelo meu prosar, pude fechar os olhos e dançar o "Lago dos Cisnes", com uma Bailarina Clássica a viver nas frias paragens do Norte. Também encontrei a amizade fraterna de muitos amigos, a quem eu estimo e que sei que também me estimam. Com um deles, um contemplativo como eu, que faz igualmente da escrita uma extensão de si, ergui um muro de amizade, consolidado com argamassa da mais fina. Afinal, aquilo que é a sua forma de escrever. Gosto daquelas e daquelas que ainda olham o Céu. Gosto daqueles e daquelas que se sentam na praia a ouvir a sinfonia do mar.Gosto daqueles e daquelas que deambulam pela Vida, com a limpidez de um regato. E gosto daqueles que ouvindo o carrilhão de um Templo de fracas memórias, vertem para o papel os seus acordes de uma forma brilhante e imparável ...
Bem - Hajas, Rui Felício ...
Eu não sei se a caneta seria do Quito ou se não seria até do Rui Felício que, pela amizade que se vem cimentando entre os dois no encontro das palavras ditas, fez que a caneta mágica do Rui servisse para remate da última frase do texto.
ResponderEliminarSão ambos uns bons "manipuladores" da palavra escrita, que conseguem transmitir o estado de alma levando os seus leitores ora a esboçar um sorriso, ora a comover-se ou a fazê-los refletir naquilo que com mestria pretendem comunicar.
O Quito junta às palavras a argamassa do sentir de situações vividas, da gente simples e desconhecida que, muita das vezes presa a um passado, se lamenta do presente sem esperança no futuro.
O Rui Felício é um repentista na conclusão, por vezes inesperada, das estórias que vai criando de forma eclética e condimentando-as a seu belo prazer.
São dois amigos que muito prezo e admiro. Não percam a vossa caneta mágica e continuem a deliciar-nos. Um abraço.
O avô do Quito, como todos os velhos calejados do saber que a vida lhes ensinou, devia já estar certo que aquele seu neto iria usar a caneta de uma forma mágica.
ResponderEliminarPorque há coisas que nascem com cada um. E o Quito, miúdo embora ainda, já teria mostrado ao avô a sua genética qualidade para a escrita.
Porque o que molda a escrita é a sensibilidade, o espírito de observação, a reflexão. E isso, um velho vê. Não precisa que lho digam...
Apetecia-me secar a humidade que assomou aos meus olhos com os comentários do Quito e do Abílio, dizendo uma piada, qualquer coisa brejeira que aliviasse este sentimentalismo que as palavras de ambos me exacerbaram.
Mas falta-me a inspiração de momento. Fica para uma próxima!
Claro que também há aqueles que se resguardam, mas que também alinham as ideias, transformando-as em palavras. Não é verdade, Abilio? E como tu, há mais. Agora estou a lembrar-me daquele nortenho jubilado, que sempre aqui aparece a dizer de sua justiça. E os outros...
ResponderEliminarÉ assim que eu entendo uma tertúlia ...
Abraço
Tens toda a razão, Quito!
EliminarGostei muito.
ResponderEliminarObrigado a todos.
Pena a caligrafia estar a acabar...
Um abraço.
Nem que fosse só por este texto do Rui e dos comentários do Quito e do Abílio, a existência deste Blog já teria valido a pena.
ResponderEliminarUm abraço amigo a todos!
Num ambiente tão ternurento "semeio" beijos por vós todos...é a minha arte espontânea!
ResponderEliminarSão mágicos todos aqueles que possuem uma caneta mágica, daquelas que nos obrigam "a rir, a chorar, a pensar, a meditar, a comover-se, conforme as palavras que ela desenha no papel."
ResponderEliminarHá dias, há semanas, (sei lá, que o tempo voa!) comentava com um Amigo uma entrevista de Álvaro Cunhal em que ele afirmava que quem escreve e publica o que escreve perde a propriedade do escrito. Passa a ser o leitor, os leitores, o dono legítimo da obra. Porque a obra, só é obra porque se tornou pública. O leitor validou a obra!
Confesso que me surpreendeu este filosófico mas consistente e pragmático conceito.
O meu Amigo surpreendeu-me ainda mais, dizendo-me que conhecia este conceito e que era também o conceito de Saramago.
Por isso, meus queridos possuidores da caneta mágica, fiquem sabendo que aquilo que escrevem, que desenham no papel, já não é vosso, é nosso!
O que não impede um abraço de gratidão.
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Nota final, e finalmente:
O Amigo referido anda por aqui. E também é possuidor de uma caneta mágica. Mas poupa-a, o sovina!
Viana,o teu mérito de bom pensador e de boa capacidade em escrever já deveriam estar "na nossa posse" como leitores...os teus comentários são excelentes mas queremos mais!
EliminarCaragooooooo...Avança!
Linda Olinda,
EliminarNunca ouviste dizer que a beira da estrada nada tem a ver com a Estrada da Beira?...
Beijinhos e obrigado pela tua amizade.
Ninguém é verdadeiro escritor se não for antes um pensador.
ResponderEliminarComo ninguém é um verdadeiro pensador se não for antes um conhecedor.
E só é um conhecedor aquele que é amigo do saber, ou seja, um filósofo.
Só o é, aquele que procura descortinar a verdade, a ética, a estética e que sobre elas discorre e raciocina.
Só o é, aquele que questiona os factos, usando a dialética como método para ir mais fundo na descoberta da verdade.
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O Amigo de que fala o Carlos Viana é senhor de um grande saber em áreas tão diversificadas como a Economia, a Literatura, as Artes, a História, o Direito, a Politica.
E reúne as características que acima enunciei. Por isso, não por acaso, na simplicidade de uma rábula teatral que por aqui passou neste blog, o cognominei de filósofo.
É por tudo isto que lamento que esse Amigo do Carlos Viana ( e de nós todos…) não partilhe através da escrita o seu pensamento.
Porque, se o fizesse, aos leitores seria pedido que aplicassem com rigor a frase dita um dia pelo Prof. Agostinho da Silva:
“Boa leitura é aquela que leia o que não há entre página e página da mesma folha”
Estava tão bem no meu canto quando aparecem estes Amigos a criar este desassossego de, por “dever de amizade”, exagerarem de tal forma, que fico confundido, despido, completamente sem jeito, na “obrigação” de lhes dar uma satisfação.
EliminarSois Amigos, eu sei, mas não mereço o que de mim disseram.
Cada vez que olho e me debruço sobre o que quer que seja, cada vez mais sou confrontado com a minha ignorância. Não quero ser presunçoso ao ponto de dizer que nada sei, mas já dizia Platão “a parte que ignoramos é muito maior que tudo quanto sabemos”.
Posso dizer que sou mais um curioso. Einstein um dia disse que “a curiosidade é mais importante do que o conhecimento” e talvez até o não tivesse dito, se tivesse conhecido o nosso Gedeão, que nos remeteu metaforicamente para o sonho - “eles não sabem, nem sonham, que o sonho comanda a vida”.
Cada um de nós luta entre o sonho e a realidade num mundo de informação anarcamente dirigida que o subjuga e oprime. Cada vez tenho menos certezas e a dúvida permanente instala-se e, atrás duma dúvida desfeita, logo outra se impõe.
Desculpem-me, deixem-me ficar com os meus sonhos e incertezas.
Às vezes até me apetece escrever mas a avalanche do que vai surgindo, acaba por nos impor o dever da síntese na brevidade dum comentário.
Sem nada prometer fica a intenção de qualquer dia conjugar as palavras, baralhá-las suavemente em imagens de sons e perfumes, em algo que me dê prazer a mim e a quem lê.
Obrigado pela vossa paciência. As minhas desculpas.
A explicação está dada!A nossa paciência não tem limites...
EliminarÉ como eu disse: o filósofo é um grande sovina!
EliminarAgora aqui chegado, ainda me sento convosco para mais dois dedos de conversa.Estranho que o nosso timoneiro Fernando Rafael, não tenha aparecido por aqui. Ainda deverá estar a refazer-se da batalha de Aljubarrota de ontem ao cair da tarde, na qual, se calhar sem justiça, voltámos para casa.
ResponderEliminarNo meu comentário de ontem, ao texto do Felício, que me apanhou completamente desprevenido, muita coisa coisa ficou por dizer. Das memórias fotográficas do Rui Pato. Das fotografias fantásticas do Garção Nunes e do Sarmento. E da possibilidade que tivemos de tomar conhecimento desse blogue extraordinário que se chama "Travel With us". Não entro pelo elogio fácil. Quem, honestamente, visita o blogue destes amigos, logo percebe da sua qualidade. Da narrativa brilhante e didática, às maravilhosas fotos dos quatro cantos do mundo.
Nós, bons amigos, seja a escrever, a fotografar, a comentar ou simplesmente a ler, temos como traço de união esse sentimento de fraternidade que deveria ser o apanágio de todos os povos. E por aqui vamos andando. Respeitando-nos nas opiniões e sabendo merecer-nos uns aos outros ...
Quito, pois só agora por aqui escrevo o meu comentário!!
EliminarMas já li o belo texto do Rui duas vezes!!
O meu problema para comentar(que valha a pena) textos do Rui ou teus é que eu não tenho "pedalada" para o fazer com um mínimo de qualidade que a excelência dos textos merece!
Então e depois de ler comentários com tão elevado nível como alguns que por aqui estão( não é necessário mencionar nomes), mais penosa fica a minha missão!
Mas ainda bem, pois junto esses comentários ao texto e delicio-me com o que escrevem. E fico felicissimo com o comentário do Alfredo Moreirinhas:"Nem que fosse só por este texto do Rui e dos comentários do Quito e do Abílio, a existência deste Blog já teria valido a pena."
Porquê? É fácil a resposta!
PS: embora me fique muito caro em ajudas de cus(t)po!!!!
Mas merecidas e...em dia!
Amigo Rafael
EliminarAinda bem que apareceste. Andava preocupado. Não que estivesse à espera de elogio ao Felício ou de uma referência à minha pessoa. Mas simplesmente não era nada normal, sendo tu o mentor deste blogue, o teu distanciamento. Tanto mais, que pelos amigos foram feitos comentários excelentes, alguns de grande craveira intelectual. O que interessa,é que cada um à sua maneira dê vida ao blogue e, como repetidamente tenho dito, ninguém anda em competição com ninguém. Mas por vezes, um ou outro comentário, pode levar a uma interpretação diferente e gerar uma desnecessária fricção. Era aquilo que eu desconfiava, mas que felizmente era apenas uma suspeita.
Para mim,e em remate final, apenas digo que o pequeno comentário do Alfredo diz tudo. E só por isso, vale a pena continuarmos todos juntos. E unidos nesta amizade ...
Toma lá um abraço
Gostei do teu comentário Rafael!
EliminarEmbora discorde, aqui que ninguém nos ouve, do teu Post Scriptum!
Mas a uma pessoa que tanto nos tem dado e ensinado, no que toca ao fortalecimento da amizade, temos de perdoar essa pequena mentira.
Aliás, nestes tempos de crise, já nos vamos habituando, mesmo por parte daqueles que só nos tiram não nos dando nada em troca.
A pretexto da austeridade!
Quito! Procuras pelo Rafael mas ontem, sofreu ele e sofremos todos com o facto dos "nossos jogadores nao se terem aguentados nas "canetas"!!!!
ResponderEliminarGostei imenso do texto do Rui e, evidentemente das caracteristicas dos comentàrios. Junto-me ao Alfredo para testemunhar da mais valia deste Blog!
Quito! Inscrevo-me completamente nessa tua narraçao "...gosto daqueles e daquelas que se sentam na praia a ouvir a sinfonia do mar"!!! Tà na hora de ir beber o meu chàzinho ao Centro Historico de Colmar (17h30) e vou utilizar esta frase, se me permites, à beleza que me vai servir o chà!!Amanha contar-te-ei a reaçao!!!
BobbyZé
ResponderEliminarNas botas do Ronaldo, aos 89 minutos, tivemos a final na mão. Depois a lotaria dos penaltys e a falta de sorte, apenas e só.
O que eu escrevo, não é relevante, BobbyZé. Relevante, é manter acesa a chama da amizade.
No Centro Histórico de Colmar vê lá, não te "estiques"!!! Podes às vezes ter lá em casa um rolo da massa à tua espera ...
Um abraço
Nao Quito! Cà em casa nao se usa disso! Eu tenho a mulher mais fabulosa que existe e ela tem o puto mais bacana que possa haver!Modéstia à parte!Temos uma enorme cumplicidade e compreensao que nos permite ultrapassar problemas do século passado!!!!!
ResponderEliminarVê a resposta da lindissima empregada do Salao de Chà no texto sobre os rostos colados!
Um abraço