terça-feira, 11 de junho de 2013

ENCONTRO COM A ARTE

CONTOS
                                da
                               Daisy
                ----------------------------------------------------------------------------------------






…se eu fosse uma ave, voava para aí. Oi!
Maria-perdida perdeu-se de vez. Olhou para as águas; cismou em querer dançar no manto transparente. E dançou.
Tinha olhos-de-águas-negras-de-lagos-profundos. E fingia que não sabia o que havia no fundo dos lagos. E dizia. E pedia.
…se eu fosse ave, voaria sobre os lagos. E fingia-me de gaivota, para poder mergulhar. E, sempre no fingimento, procuraria o peixe, bem lá no fundo; só para ver, para saber. E deixava  o peixe viver… e saberia.
Mas como não sou ave, nem eu nem Maria-perdida, nunca poderei voar para aí e dizer-lhe "Maria-perdida, não perdeste tudo, que os homens só obtêm de nós o que nós lhes queremos dar…"
Maria-perdida, perdeu-se uma vez, por um sonho. Que os sonhos valem mais do que a realidade, quando a realidade é a dos outros e não a nossa. Que o sonho ajuda a viver e a realidade mata. Mas o sonho da Maria-perdida não era sonho, mas máscara de Carnaval usada durante todo o ano. Que o sonho desfez-se, tentando enganar na sua máscara-desmáscara. E do sonho a fingir o Carnaval que já fora e não era, nasceu uma nuvem escura-escura, salpicando a voracidade de quem tem fome de todos os contactos, tingindo-se de vermelho de sangue sem-dono-e-com-todos-os-donos. Do sonho, nasceu pesadelo de horas perdidas.
Maria-perdida mergulhou de vez no lago de águas profundas. E como não era ave, ficou-se no fundo. Para saber tudo. Para ver tudo. Para esquecer tudo.
…se eu fosse uma ave, voaria para aí. Mas não pousaria, sequer, no rochedo grande e despido que cresce do lago. Ignorá-lo-ia, a ele que teima em impor-se às águas que o cercam. E que se impõe… que as águas humilhadas, se vão sumindo.
           …se eu fosse ave, voaria para aí, para contemplar Maria-perdida-perdida-de-vez,
No seu corpo feito pedra do rochedo que continua a crescer, no meio do lago.

21 de junho de 1973


5 comentários:

  1. Um excelente conto que aqui vos deixo.
    Um beijinho para a Daisy

    E até 5ª feira ao fim do dia.Vamos laurear a "pevide"!
    Até já!

    ResponderEliminar
  2. Há sempre uma Maria-perdida talvez de vez e de vez...talvez. Há a que se solta cavalgando o sonho que se esfumaça na bruma do esquecimento... mas o que se vê e é palpável, que convive no imaginário de cada um, foi nos trazido de forma surpreendente pela Daisy que nos transportou, como só ela sabe, nas asas transparentes da bruma.
    Um beijinho Daisy

    ResponderEliminar
  3. Quantas vezes me abstraio da realidade que mata para ganhar forças no sonho que ajuda a viver!
    E dialogo com a pedra que emerge das águas e ganha forma quase humana, pedindo-lhe que me revele os sonhos que ela protege.
    E sem saber voar, voo nas asas do sonho que a pedra me manda sonhar...
    Um beijinho Daisy, por me trazeres ao sonho.

    ResponderEliminar
  4. Máscara-desmáscara,realidade-sonho,voar-poisar....são as componentes de uma Maria Perdida que existe em mim...Quiçá em todos nós!
    Doce conto da doce Daisy.
    Beijinho

    ResponderEliminar
  5. Belo conto da Daisy.
    Uma prosa-poesia, de grande beleza literária. Um labirinto de pensamentos e de confidências. A liturgia das palavras que balançam entre a esperança e o travo ácido do desencanto.
    Abraço

    ResponderEliminar