Viam-se
todas as manhãs...
Ele,
segurando uma pasta de cabedal, a descer a Av. Sá da Bandeira em
direcção à baixa e ela, carteira a tiracolo, a subir a caminho da
Praça da República.
O Carlos Marques, elegante, aprumado, bem vestido, era um jovem alto, bonito, bem parecido. Tinha acabado o curso de Direito há um ano, estagiando agora num escritório de advogados da Rua Ferreira Borges. Fazia-o apenas para ganhar tarimba, porque aguardava resposta a um requerimento que fez para ingressar num serviço público adequado à sua formação jurídica, porque era aí que desejava fazer carreira, longe dos holofotes de teatro que considerava ser uma sala de audiências de um tribunal.
Sofria de uma profunda e agoniante timidez, que o fizera passar obscuro pelos bancos da faculdade, fechado em casa às voltas com os livros, longe das folias e da boémia coimbrã. Achava que essa forma de ser o desaconselhava de abraçar a advocacia, profissão para a qual, segundo pensava, não estaria talhado.
A Marilia, moça de olhos vivos, cheia de vida e sorriso cativante, olhava aquele belo rapaz ainda ele vinha longe, sempre à espera de um gesto seu, de um sorriso, algo que lhe mostrasse que também ele reparava nela.
Sentia-se atraída pela sua esbelta figura e estaria pronta a aprofundar o conhecimento com ele, talvez um relacionamento, um namoro até, mas os dias sucediam-se e nada da parte dele o proporcionava.
Por vezes os olhares encontravam-se, mas quando assim sucedia ele desviava propositadamente os olhos, parecendo envergonhado, incomodado, como se tivesse sido apanhado em flagrante delito.
O que a Marilia não sonhava é que o Carlos estava perdidamente apaixonado por ela e que só a timidez e a insegurança o impediam de o manifestar.
Uma noite, na solidão do seu quarto alugado na Rua Tenente Valadim, o Carlos encheu-se de coragem e decidiu escrever um bilhete que de manhã lhe entregaria quando passasse por ela.
Na manhã seguinte, afrouxou o passo sem parar, deu-lhe o papelinho, dobrado em quatro, quase sem olhar para ela e prosseguiu a marcha cabisbaixo, já intimamente arrependido de o ter feito.
Surpreendida a Marilia, desdobrou a bilhete e leu as palavras cuidadosamente desenhadas. Era uma frase simples, mas agradavelmente reveladora: “Gosto muito de si. Desculpe!.”
Olhou para trás mas ele já ia longe. Nem sequer sabia o seu nome, nem onde trabalhava, nada! Especada, ficou a vê-lo desaparecer na curva da Escola Avelar Brotero.
No dia seguinte, a Marilia esperou por ele nas escadas do Teatro Avenida, firmemente disposta a enfrentá-lo.
Quando ele se aproximou, colocou-se ostensivamente à sua frente barrando-lhe o caminho e disse-lhe com um sorriso:
- Obrigada pelo seu bilhetinho de ontem. Quero que saiba que também gosto de si.
Pareceu-lhe ver um ligeiro rubor na face quando ele se atreveu a dizer-lhe:
- Gostava que pudessemos encontrar-nos para nos conhecermos e conversarmos.
- Também gostaria muito, respondeu-lhe a Marilia, mas infelizmente, ainda esta noite, vou para as Termas de São Pedro do Sul e ficarei por lá durante um mês. O meu pai todos anos lá vai fazer tratamento a uma doença de varizes que o apoquenta.
- Combinaremos então quando regressar, se estiver de acordo, propôs-lhe o Carlos, pesaroso, mas esperançado.
- Está bem, respondeu a Marilia. Até daqui a um mês então...
E seguiram cada um para o seu destino. Na atrapalhação do momento, nem ao menos se lembraram de perguntar um ao outro como se chamavam.
--------------
Uns dias depois o Carlos Marques recebeu um oficio do Ministério do Interior, a comunicar-lhe a sua admissão ao serviço a que concorrera.Era uma boa noticia!
Entretanto, em São Pedro do Sul, a Marilia encontrou um antigo colega de escola que não via desde há muitos anos.
Era o Tibúrcio, agora médico a trabalhar nas Termas.
Todos os dias se encontravam e rapidamente a Marilia esqueceu o tal rapaz de Coimbra. Começaram a namorar.
Não era um namoro de férias.
Estavam verdadeiramente apaixonados, a tal ponto que decidiram casar-se o mais brevemente possivel.
Afinal já se conheciam desde crianças e não tinham quaisquer dúvidas sobre a firmeza do seu amor.
O Carlos é que, já no seu novo trabalho, não conseguia deixar de pensar na sua amada.
Contava os dias para o regresso dela a Coimbra, para a ver, para lhe confessar o delirio da sua paixão, já imaginando deleitado os beijos que um dia trocariam quando começassem a namorar.
Vivia ansioso, de coração apertado pela paixão quase doentia que o acometera.
Mas o mês passou, os dias e as semanas foram correndo, e a Marilia nunca mais apareceu pela Av. Sá da Bandeira.
E ele penalizava-se por, estúpidamente, nem sequer lhe ter pedido a morada.
Agora, não fazia a minima ideia de como a encontrar, de como a procurar.
O Carlos Marques, elegante, aprumado, bem vestido, era um jovem alto, bonito, bem parecido. Tinha acabado o curso de Direito há um ano, estagiando agora num escritório de advogados da Rua Ferreira Borges. Fazia-o apenas para ganhar tarimba, porque aguardava resposta a um requerimento que fez para ingressar num serviço público adequado à sua formação jurídica, porque era aí que desejava fazer carreira, longe dos holofotes de teatro que considerava ser uma sala de audiências de um tribunal.
Sofria de uma profunda e agoniante timidez, que o fizera passar obscuro pelos bancos da faculdade, fechado em casa às voltas com os livros, longe das folias e da boémia coimbrã. Achava que essa forma de ser o desaconselhava de abraçar a advocacia, profissão para a qual, segundo pensava, não estaria talhado.
A Marilia, moça de olhos vivos, cheia de vida e sorriso cativante, olhava aquele belo rapaz ainda ele vinha longe, sempre à espera de um gesto seu, de um sorriso, algo que lhe mostrasse que também ele reparava nela.
Sentia-se atraída pela sua esbelta figura e estaria pronta a aprofundar o conhecimento com ele, talvez um relacionamento, um namoro até, mas os dias sucediam-se e nada da parte dele o proporcionava.
Por vezes os olhares encontravam-se, mas quando assim sucedia ele desviava propositadamente os olhos, parecendo envergonhado, incomodado, como se tivesse sido apanhado em flagrante delito.
O que a Marilia não sonhava é que o Carlos estava perdidamente apaixonado por ela e que só a timidez e a insegurança o impediam de o manifestar.
Uma noite, na solidão do seu quarto alugado na Rua Tenente Valadim, o Carlos encheu-se de coragem e decidiu escrever um bilhete que de manhã lhe entregaria quando passasse por ela.
Na manhã seguinte, afrouxou o passo sem parar, deu-lhe o papelinho, dobrado em quatro, quase sem olhar para ela e prosseguiu a marcha cabisbaixo, já intimamente arrependido de o ter feito.
Surpreendida a Marilia, desdobrou a bilhete e leu as palavras cuidadosamente desenhadas. Era uma frase simples, mas agradavelmente reveladora: “Gosto muito de si. Desculpe!.”
Olhou para trás mas ele já ia longe. Nem sequer sabia o seu nome, nem onde trabalhava, nada! Especada, ficou a vê-lo desaparecer na curva da Escola Avelar Brotero.
No dia seguinte, a Marilia esperou por ele nas escadas do Teatro Avenida, firmemente disposta a enfrentá-lo.
Quando ele se aproximou, colocou-se ostensivamente à sua frente barrando-lhe o caminho e disse-lhe com um sorriso:
- Obrigada pelo seu bilhetinho de ontem. Quero que saiba que também gosto de si.
Pareceu-lhe ver um ligeiro rubor na face quando ele se atreveu a dizer-lhe:
- Gostava que pudessemos encontrar-nos para nos conhecermos e conversarmos.
- Também gostaria muito, respondeu-lhe a Marilia, mas infelizmente, ainda esta noite, vou para as Termas de São Pedro do Sul e ficarei por lá durante um mês. O meu pai todos anos lá vai fazer tratamento a uma doença de varizes que o apoquenta.
- Combinaremos então quando regressar, se estiver de acordo, propôs-lhe o Carlos, pesaroso, mas esperançado.
- Está bem, respondeu a Marilia. Até daqui a um mês então...
E seguiram cada um para o seu destino. Na atrapalhação do momento, nem ao menos se lembraram de perguntar um ao outro como se chamavam.
--------------
Uns dias depois o Carlos Marques recebeu um oficio do Ministério do Interior, a comunicar-lhe a sua admissão ao serviço a que concorrera.Era uma boa noticia!
Entretanto, em São Pedro do Sul, a Marilia encontrou um antigo colega de escola que não via desde há muitos anos.
Era o Tibúrcio, agora médico a trabalhar nas Termas.
Todos os dias se encontravam e rapidamente a Marilia esqueceu o tal rapaz de Coimbra. Começaram a namorar.
Não era um namoro de férias.
Estavam verdadeiramente apaixonados, a tal ponto que decidiram casar-se o mais brevemente possivel.
Afinal já se conheciam desde crianças e não tinham quaisquer dúvidas sobre a firmeza do seu amor.
O Carlos é que, já no seu novo trabalho, não conseguia deixar de pensar na sua amada.
Contava os dias para o regresso dela a Coimbra, para a ver, para lhe confessar o delirio da sua paixão, já imaginando deleitado os beijos que um dia trocariam quando começassem a namorar.
Vivia ansioso, de coração apertado pela paixão quase doentia que o acometera.
Mas o mês passou, os dias e as semanas foram correndo, e a Marilia nunca mais apareceu pela Av. Sá da Bandeira.
E ele penalizava-se por, estúpidamente, nem sequer lhe ter pedido a morada.
Agora, não fazia a minima ideia de como a encontrar, de como a procurar.
Mal adivinhava o Carlos que ela deixara o emprego e por isso nunca mais passara na avenida como antes. Andava atarefada a tratar dos preparativos para o casamento com o Tibúrcio.
A data foi aprazada, trataram da papelada e, finalmente, no dia da cerimónia, a Marilia e o Tibúrcio foram à Conservatória do Registo Civil para celebrarem o casamento.
Nervosos e irradiando felicidade, os noivos, as testemunhas, os convidados e familiares, entraram na salão de actos da Conservatória.
Esperaram uns minutos e a funcionária informou-os que o Dr. Carlos Marques, Adjunto do Conservador, estava quase a chegar e que seria ele a celebrar o matrimónio.
Rui
Felicio
C'um catano, Rui.
ResponderEliminarEsta aconteceu mesmo?
(vai ficar tão bem n'a funda São...)
Como sempre te digo, será uma honra afundar no teu blog.
EliminarQuanto à história é veridica ( no essencial ). O Carlos Marques é do meu tempo de Coimbra, mas um pouco mais velho. Suponho que era do mesmo ano do Vital Moreira e do Lucas Pires Quem se deve ainda lembrar dele e conhecê-lo melhor do que eu é o Carlos Encarnação, mais tarde Presidente da Câmara e com quem às vezes recordava este episódio,
Naturalmente que o nome é inventado...
E ainda se admiram das faíscas que os nossos corações provocam quando se aproximam... mesmo que só nos nossos pensamentos...
EliminarCoisa mai linda!
ResponderEliminarSó mesmo, mesmo quase no fim é que me apercebi que o desfecho ia se este!!!
És tramado Rui!!!!Os Tibúrcios não perdoam!
Repito Eça. Hoje, está um dia de ananases. Percorri a estrada que me trouxe ao interior, debaixo de um sol escaldante. Do conforto do novo percurso do IC 8, resolvi infletir para a estrada velha. Almocei no Restaurante do homem sem nome. Comendo um bacalhau com batatas a murro, atrevi-me a perguntar-lhe o nome. Disse-me que se chamava Jorge, sorrindo. Quebrou-se uma barreira de silêncio, enquanto o menino que é igual aos outros meninos, mas com uma doença de nascença, me olhava do lado de lá do balcão. Cheguei aqui cansado. física e emocionalmente.
ResponderEliminarDepois, na sombra acolhedora do meu escritório, li o texto do Rui Felício. Uma história bem urdida, que se lê com vivo interesse na tentativa de adivinhar como acabaria uma história de amor.Somos enredados num labirinto de pensamentos diversos. Nem sempre acabam bem as histórias de amor. Esta não fugiu à regra. Está contada com a intuição de quem tem a capacidade de armar uma história com pinceladas bem definidas. Um jogo de tímida sedução em que, no fim, todas as peças se encaixam numa harmonia em que o vencedor é o autor e a sua capacidade de puxar o fio do novelo da trama.
Aparentemente, o início deste comentário nada tem a ver com o texto do Rui. Mas tem. Tem porque sabe bem depois de uma viagem fatigante e em silêncio, ler algo que nos desperta a atenção e nos faz omitir, por momentos, as preocupações com que somos confrontados dia a dia.
Por isso te agradeço o texto, Rui. E a prosa.
Um abraço
A surpresa chegou...Vou lendo na expectativa de um final feliz, ao meu modo, mas a reviravolta feliciana tinha de acontecer.
ResponderEliminarQue situação mais "chocante" e inesperada!
A mim dava-me um "chilique" ou um AVC...poça!Infeliz Carlos.
Assunto.
ResponderEliminarVidas.
Tonito.
Estando já habituado ao estilo do Rui Felício, fui lendo este conto que me manteve muito interessado pois queria ver se descobria como acabava, o que foi impossível até aos quatro parágrafos finais. O Rui Felício, sem dúvidas que ao criar este estilo nos mantém até ao fim num autêntico quebra cabeças, que desperta o interesse e nunca sabemos como vai acabar. Adoro.
ResponderEliminarHá momentos na vida, únicos e irrepetíveis.
ResponderEliminarQuando o comboio passa... jamais o apanhamos!
Um conto que dá prazer ler.
In illo tempore, nos anos 60, a timidez era um excelente cartão de visita para as meninas prendadas, puras donzelas
ResponderEliminarSer tímido era sinónimo de ser "respeitador", "bom rapaz", "de bons princípios" ...
Havia muito malandrote que simulava a timidez para desenvolver o ataque à pobre e indefesa vitima...
Digo isto para vos confessar que, ao iniciar a leitura deste texto, pensei que seria um desfecho deste tipo que o autor estaria a preparar para nos surpreender,
Qual quê!
Mestre na surpresa,na imaginação, o desfecho seria outro... surpreendente!
Afinal de contas, este tímido era mesmo um tímido genuíno e deixou-se vencer por uma simples variz do pai da idolatrada desconhecida...
Mais um texto que poderá ficar registado numa preciosa colectânea.
Aquele abraço.