CONTOS
da
Daisy
JOÃO - TUDO
Ainda há bem pouco tempo, quando via os tipos da alta, filhos de outros tipos da alta e filhos de outros ainda, a voarem nos baloiços, ficava-se a olhar para eles, invejoso, atirava-lhes pedras e desandava, a bater com os calcanhares no traseiro; depois, ia pendurar-se nas árvores, a gingar, a gingar, como o estava a fazer agora…
Depois, veio aquele gajo de chapéu preto. Agarrou nele, meteu-o num carro preto como o chapéu e levou-o lá para longe. Onde não havia outros miúdos que não os da alta. Onde não havia árvores nas ruas, mas também não se viam baloiços. Mas havia lá dentro!... Dentro da casa grande-grande! Arre, que luxo! Eh, pá, ele nunca vira!... O gajo disse-lhe que era pai dele e não sei que mais, que a mãe não sei-o-quê, e…havia baloiços. Havia um comboio eléctrico para brincar. Havia uma velha que se agarrou a ele, que lhe lambuzou a cara com beijos e que lhe chamou “meu menino” ou “meu netinho” ou “ meu-não-sei-quê-inho”… Pois. Mas aquilo era tudo engodo. A ele não o enganavam. Não.
Durante duas semanas, deram-lhes doces e ele encheu a barriga até não poder mais.Obrigaram a meter-se na banheira todos os dias. A velha, mesmo, queria ir lavá-lo, que ele era pequeno, e o diabo a sete…
- o raio da velha!... -, Mas isso ainda não foi o pior. Até era giro:metia-se naquela coisa e começava a chapinhar, com os pés e com as mãos, até a banheira só ter um charquinho no fundo; depois, saía e limpava-se a uma toalha grande-como-burro. A velha perfumava-o, de longe, que no pêlo dele ela não tocaria, não! O pior, foi depois.
Um dia, o gajo-do-chapéu-preto, que ele poucas vezes mais vira, tornou a agarrar nele e a levá-lo para outro sítio. E, então, ali é que estavam os tipos todos da alta, que ele conhecia pelas caras-de–fuinhas e pelas pernas ao léu, como as raparigas. Uma velha, ainda mais velha que a do “inho”, tentou passar-lhe a mão pela cabeça – o raio das velhas!...- , e começou com falinhas mansas. O gajo-do-chapéu-preto, foi-se embora e ele ficou com aquela malta. Vieram depois outras velhas e mais velhos. Obrigaram-no a estar numa sala fechada, o dia inteiro, e queriam ensinar-lhe não – sei-o- quê e mais inglês e mais francês e mais o diabo a sete. Raios! Pôs-se a milhas.
Começou a andar e a fugir do estupor daquele sítio, onde não havia árvores nem baloiços nas ruas nem pedras que ele pudesse atirar aos miúdos da alta.
Agora, não sabia onde estava. O carro do gajo-do-chapéu-ptreto, levara-o para tão longe que já não encontrava as mulheres que lhe davam comida que ele levava prá ti Ana. Nem havia Ti Ana. Aquela ti Ana era boazinha!... Pois. Mas havia um baloiço, lá adiante, com outros tipos da alta e as criadas a namorarem os magalas. E havia árvores.
Baloiçou as pernas. Baloiçou. Talvez aquela velha, além, fosse como a ti Ana e precisasse de um miúdo que fosse pedir para ela…
- Eh, tiazinha!...
15 de Fevereiro de 1973
Bom dia e boa semana...com boa leitura!
ResponderEliminarHaverá sempre uma Ti'Ana!
ResponderEliminarPor mais voltas que mundo dê...
E a Daisy que há tantos anos escreveu este conto, será a minha testemunha!
Os contos da Daisy deixam-me sempre um sabor de agro-doce.
ResponderEliminarTalvez por isso, os saboreio lendo e relendo.
Maravilha! - sem mais comentários.
Apetece-me, tão só, subscrever o comentário do Carlos Viana - nem mais nem menos!
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