sexta-feira, 9 de setembro de 2011

UM POETA - POPULAR

Por estas terras, comeu-se o pão que o diabo amassou. Muitos – a maioria – viveram décadas de vida cinzenta. Moldaram as terras aos seus hábitos ancestrais. Revolveram-lhe o ventre, na luta pela sobrevivência. Mas foram incapazes de moldar a vida. Outros houve – alguns – que recusaram transportar nas costas doridas da enxada, o ferrete do destino. Um dia partiram. E ainda outros – poucos – deste rincão beirão, conseguiram traduzir por palavras, o que lhes corroía a alma. Falar de um passado distante, das suas tristezas e misérias. Lembro hoje um poeta - popular, nascido em Freixial do Campo. O seu nome é Francisco António Magueijo. Foi em mil novecentos e trinta e quatro, que veio ao mundo. As portas da vida, porém, não se lhe abriram de par em par, a batentes de ouro, no dizer de Eça. No enxoval de tenro ser, apenas o humilde leito e muitas privações. Um dia, quando a barba espigou na cara, arrumou a modesta mala e abraçou a grande metrópole. Fugiu daquela teia em que a vida o ameaçava enredar, num grito sem eco. “Gritos sem eco”, o nome do livro que em dois mil e cinco teve a gentileza de me oferecer. Um livro de prosa e versos. No início do seu monólogo, fui encontrar ainda abertas, as feridas de uma existência infeliz. Uma chaga para que não encontrou cura, agora que o rio da vida já ameaça desaguar no mar eterno. Das recordações da sua triste infância, respigo este momento amargo:
“ Eram dez anos de vida num corpo franzino mas sonhador. E quando digo sonhador, é porque nos momentos que não olhava o rebanho que guardava, olhava os céus e os horizontes distantes, procurando neles descobrir uma profissão que me ajudasse na vida. Não era fácil sentir-me deslumbrado com esse sonho, pois sempre encontrava nele a imagem das meigas e amigas ovelhas, que tão bem entendiam e conheciam a minha voz. Quando as chamava pelo nome que lhes havia dado, logo para mim olhavam, ouvindo atentamente o que lhes dizia. Eram gestos de ternura que não quero esquecer. Também o meu cão era um companheiro triste, assim como eu. A nossa tristeza era a imagem da fome, que não nos deixava ter alegria”.
Assim escreve Francisco Magueijo. A linguagem simples de um homem simples. Mas, um dia, as estrelas ouviram o seu grito, em jeito de prece. Até os pontos cardeais lhe indicaram um rumo na vida. Também os homens, os homens bons da terra que ele tanto ama, o imortalizaram numa singela placa de mármore, onde gravaram um poema de sua autoria. Este singelo recanto da Beira profunda, de telhados humildes, jamais morrerá. E o poeta - popular também não.
Q.P.

27 comentários:

  1. O que o Jornal do Fundão está a perder...

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  2. Caro Paulo
    Eu tinha a certeza, que a tua arreigada costela beirã, te faria aparecer.
    O JF não está a perder nada. Eu é que ganhei mais um amigo.
    Toma lá um abraço, carais !!!

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  3. O sonho de uma vida melhor não o deslumbrava. Porque o verdadeiro deslumbramento vinha das meigas ovelhas que lhe reconheciam a voz, que a escutavam e que pareciam entender o que ele lhes dizia. Até mesmo o cão que partilhava com ele a tristeza da vida árdua e sem horizontes.
    Não nos esclarece o texto se o sonho foi cumprido, nem isso é importante, porque ficamos a saber, pelo pequeno excerto da sua prosa que Francisco Magueijo acedeu àquilo que mais enobrece o Homem. A sensibilidade e a capacidade de no-la saber transmitir por palavras.
    Tal como o Quito que, mesmo nunca ter guardado ovelhas, é capaz de nos comover com a sua sensibilidade de saber dar o verdadeiro destaque às coisas importantes da vida.
    E, coisa que já sabemos pelas inúmeras provas dadas, de saber passar à escrita esses sentimentos.

    Nota: A ilustração, pelo contraluz matinal ( ou vespertino )e pelos farrapos de neve que atapetam a terra, foi extraordináriamente bem escolhida!

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  4. Um abraço também para ti, Rui.
    De Francisco Magueijo, será interessante trazer mais este apontamento:
    Na casa dos 2O anos, fixou-se em Sintra.Foi motorista de taxi. Em paralelo, foi rádio-amador na Rádio Miramar. Escreveu "Luz do meu caminho", "Sem amor a vida e mais dura".
    Em 1987, foi convidado com a sua poesia, para uma homenagem a Florbela Espanca. A convite da Câmara Municipal do Fundão, tem vindo a participar no Encontro Anual de Poetas Amadores. Foi convidado para a apresentar na RTP e SIC os seus trabalhos de poesia e pintura. Em 2OO4 escreveu "Gritos Sem Eco" que teve a gentileza de nos oferecer.

    A Florbela Espanca
    Junto ao teu busto em pedra branca esculpido
    Cantei minha poesia revolta e entristecida
    Olhando no teu rosto amargura por ti vivida
    Igual àquela tão amarga que tenho vivido

    Cantei:e outros mais poetas cantaram
    Em homenagem que em vida não tiveste
    Pelo amor em ti nascido que a tantos deste
    E neste mundo ingrato não te amaram

    Fascinado pelos teus versos quis escrever-te
    Os meus versos simples mas sentidos
    Oh! poetisa e tantos, tantos sonhos perdidos
    Quem dera neste encontro de poetas poder ver-te.

    3º Encontro de Poesia
    Vila Viçosa 7 de Julho de 1987

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  5. Mais uma bela "prosa", caro amigo! Quantos poetas populares haverá, no anonimato, por este País fora! Parafraseando um amigo, de seu nome Quito:
    -Toma lá um abraço!!!

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  6. Abraço para ti, Leitão
    Por esta zona, existem vários poetas-populares.
    Francisco Magueijo, será o rosto mais visível.
    Na parede da Junta de Freguesia, a placa lá está, como agradecimento do povo a um homem que nunca negou as suas raízes ...

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  7. Ninguém fica indiferente a mais um excelente texto com que nos vais brindando!
    Desta vez resolveste e bem dar-nos a conhecer um pouco desse poeta- popular de seu nome Francisco Magueijo, que como tantos outros passam despercebidos da grande maioria dos portugueses!
    Temos no entanto o privilégio e através do blog, ficarmos a conhecer mais um pouco deste poeta popular e que tu Quito fizeste muito bem dedicar-lhe este texto!
    Excelente!

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  8. Abraço, Rafa.
    Espero que tenhas lido o meu e-mail sobre o 15 de Outubro ...

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  9. Atão não havia de ler, homem!
    O meu problema é os ouvidos!
    Tomei boa nota...já dá para me governar por uns dias!!

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  10. É em aberto que fica o saber da concretização do sonho. Mais enigmático ainda, o saber do verdadeiro desejo de realizar o sonho.
    Novos horizontes, uma outra profissão, custaria o abandono das suas ternas ovelhas. Será que alguma vez avançou para o sonho, abandonando as suas amigas, que até lhes conhecia o nome!, e ainda o seu triste companheiro, triste mas fiel cão, que era a tristeza da fome que os ligava.

    Mas...
    "o imortalizaram numa singela placa de mármore, onde gravaram um poema de sua autoria"
    ... libertou-se da lei da morte.

    E o Quito, sempre atento e sofredor pelos que sofrem, ajuda a imortalizar este poeta-popular,
    Francisco António Magueijo, que eu não conhecia mas fiquei a conhecer.

    Obrigado e aquele abraço.

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  11. Quito,
    Emprestas-me o livro?
    Juro-te que o devolvo direitinho e salvo de maus tratos.

    Toma lá mais um abraço.

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  12. Claro que empresto, Viana.
    Podes contar
    Abraço

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  13. Tenho grande apreço pelos poetas populares, que sabem dizer as verdades de forma singela mas carregadas de sabedoria e arte.

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  14. Boa tarde a todas (os),
    sou filha de Francisco António Magueijo, o meu Pai é um poeta do povo, que jamais esquece os locais que o viram crescer, onde a sua imaginação e veia poética começou a florir, nem as pessoas que acalentam a sua alma.
    Meu Pai, meu orgulho.
    Bem haja pelas vossas palavras.
    Célia Maria M. Magueijo

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  15. OLA
    BOA NOITE
    SOU FILHA DESTE SENHOR FRANCISCO MAGUEIJO.
    AGRADECO OS VOSSOS COMENTARIOS
    MUITO COMOVENTES...EM SEU NOME
    OBRIGADO

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  16. Boa noite..
    Homem simples, mas de uma gentileza e bondade enorme.
    Conheci-o há cerca de um ano e desde logo, admirei o método como se focaliza nas palavras que diz.
    Senhor Chico, desejo-lhe tudo de bom.

    Cumprimentos
    Rui do Algarve

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  17. Foi o próprio q me falou neste blog e q me pediu p vir ver
    O Sr.Chico ( que me perdoe o "Sr.", mas não o consigo tirar...) não só merece este tipo de homenagens como lhe fazem bem e precisa delas. Pediu a minha opinião, pela estima que me tem,e eu tenho duas coisas a dizer, porque o resto já aqui foi dito...
    A primeira é que sou eu quem lhe está agradecida! E a segunda é que o Sr. MERECE!
    E quando passa por desânimos lembre-se destas homenagens e do apreço que tantos têm por si para que nunca pare de oferecer o que de melhor nos tem sempre dado: essa sensibilidade, revelada quer na poesia quer na pintura. Bem-haja!
    E um muito sentido "Bem-hajam" a todos os que participam desta homenagem, com especial destaque para o autor. Muitos parabéns!

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  18. Tive a oportunidade de conhecer o Senhor Francisco Magueijo há alguns anos.
    Do livro de gentilmente nos ofereceu, respiguei um pequeno extrato, que muito me sensibilizou.
    Entendi, dar a conhecer ao meu grupo de amigos deste blogue, a figura do Senhor Francisco, em jeito de homenagem.
    Não conheço as filhas do Senhor Francico, nem o Senhor Rui, nem a Dona Edite Alves.
    Mas para estes amigos comuns, porque também são amigos do nosso poeta - pintor, vai uma saudação amiga.
    Para que o Senhor Francisco Magueijo me identifique, dir-lhe-ei que sou casado com a São Vaz, farmacêutica com farmácia em Salgueiro do Campo. A São Vaz é natural do Juncal do Campo, sendo eu Conimbricense.
    O Autor
    Quito Pereira

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  19. Só agora me foi dada a honra de conhecer o homem e também a obra, mas pelo que já li é um autodidacta muito inteligente e também muito sensível e ao mesmo tempo um homem humilde e de grande generosidade a sua obra deve ser lida pois ela demonstra toda uma vida.

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  20. Este Senhor é a prova de que o Mundo também é feito por Homens puros, simples e humildes.
    É um privilégio poder compartilhar, de quando em vez, momentos de descontracção, reflexão e até de trabalho com o meu amigo "Chico" Magueijo.
    Por tudo isto, um grande Bem-haja e muitos Parabéns pelos seus trabalhos.

    Rui Teles
    Sintra

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  21. Ao encontrar esta descrição do meu amigo poeta Francisco Magueijo fica-ma mais forte a vontade de o conhecer pessoalmente"porque a sua poesia eu já vou conhecendo pela voz dele".Admiro a forma como escreve e descreve a sua vida em poemas tão bem delineados e ao qual corresponde uma vivência difícil e muito dura de enfrentar mas que na época era assim e todos os que tiveram que trabalhar nos campos sentiam na pele as dificuldades inerentes ao sistema imposto naquele tempo.Obrigada por partilharem este blog.Beijinho de Arlete Anjos

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  22. Boa noite, estou aqui com o meu Pai e desde ja o seu enorme bem-haja pela vossa gentileza. Quito, o meu pai gostaria muito de vos visitar mas onde moram? Talvez o melhor sera ir ter a farmacia...
    Se por ventura se juntarem , " em roda de poetas", gostaria de participar e dar - vos aquele abraço.
    Bem - haja a todos!!!! Francisco Antonio Magueijo.

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  23. Caro Amigo
    A forma mais fácil de nos encontrar é na farmácia de Salgueiro do Campo. Terças-Feiras, Quartas e Quintas - Feiras, serão os dias mais adequados, pois nos outros, por vezes, podemos estar ausentes.
    Um abraço

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  24. Francisco António Magueijo:

    O Homem,o Poeta,o Escritor,o Pintor e o Amigo,este Senhor com quem ainda não tive o prazer de conversar pessoalmente,mas que no dia-a-dia me acompanha via telefone.
    Este Senhor por quem eu tenho grande estima e admiração além de um enorme respeito,passou a ser o meu mentor,o meu mestre professor e incentivador...Ele que me dá conselhos válidos,que me aprova ou desaprova em tudo o que escrevo,Ele que me dá lições de humildade e persistência ao mesmo tempo que me ajuda a discernir o que está bem e o que não está em tudo o que faço,e para quem eu passei a ler em primeira mão,para que seja por ele analisado e considerado.
    O meu Mentor e Amigo tem de mim todo o carinho e terá a minha amizade para além dos tempos.
    Obrigada meu Amigo Francisco,por existir e ser a pessoa maravilhosa que é.
    Um beijo da amiga Arlete Anjos

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