O Eduardo morava no Bairro e o Carlos Santos em Celas, mas foram ambos sempre da turma D nos sucessivos anos do Liceu D. João III. Criaram uma amizade para toda a vida.
Feito o 7º ano, o Eduardo arranjou emprego num Banco e começou a trabalhar, enquanto o Carlos seguia os estudos na Faculdade de Direito. Mas continuavam a encontrar-se com frequência. Praticamente todos os dias, desde que o Eduardo começou a namorar com a Telma que era vizinha e amiga do Carlos na Cruz de Celas. Já casados, o Eduardo e a Telma foram viver para a Av. Dias da Silva, muito perto da casa do Carlos que, já advogado, e ainda solteiro, alugara um rés-do-chão na Alameda D. Afonso Henriques, exercendo a sua actividade numa pequena divisão transformada em escritório e que continuava a ser visita assídua do casal, numa demonstração de amizade indestrutível e eterna.
Um dia, nos Arcos do Jardim, a caminho de casa, o Eduardo viu uma carteira no passeio ao lado do muro da Penitenciária. Entalou a carteira entre os pés, olhou para um lado, olhou para o outro, certificou-se que ninguém o estava a observar, agachou-se e pegou-lhe metendo-a rapidamente no bolso das calças.
Estugou o passo, nervoso, e, já perto da Alameda, não resistiu a puxar da carteira e abri-la.
Estugou o passo, nervoso, e, já perto da Alameda, não resistiu a puxar da carteira e abri-la.
Incrível! Um maço de notas de cinco e de dez contos, perfaziam a avultada quantia de 250 contos! Pela sua cabeça as ideias sucediam-se em turbilhão. Devia ficar com o dinheiro? Era suficiente para comprar outro carro. O seu velho Morris já andava a precisar de reforma. Mas, e se o dinheiro tinha sido roubado? E se as notas estavam marcadas? Se fosse descoberto, ainda ia perder o emprego de bancário...
Não! Era melhor devolver a carteira. Mas a quem? Vasculhou a papelada que ela continha à procura de um cartão de visita, de uma referência qualquer que identificasse o dono. No meio de bastos papeluchos, alguns ensebados, bilhetes de trolley, facturas de almoços, pequenos papeis dobrados com anotações pessoais, que o Eduardo se recusou a abrir por ser um homem sério, lá descobriu na contra-capa um memorando com o nome, o grupo sanguíneo, o contacto telefónico, a profissão.
Não! Era melhor devolver a carteira. Mas a quem? Vasculhou a papelada que ela continha à procura de um cartão de visita, de uma referência qualquer que identificasse o dono. No meio de bastos papeluchos, alguns ensebados, bilhetes de trolley, facturas de almoços, pequenos papeis dobrados com anotações pessoais, que o Eduardo se recusou a abrir por ser um homem sério, lá descobriu na contra-capa um memorando com o nome, o grupo sanguíneo, o contacto telefónico, a profissão.
Era espantoso! Agora estava seguro que não se apropriaria do dinheiro nem da carteira. O dono era o seu grande amigo Carlos Santos e faria questão de lha devolver. Ficou de consciência tranquila. Seria melhor assim.
Quando chegou a sua casa, estava lá o Carlos na cozinha a conversar com a Telma.
- Não perdeste nada, pá?
- Não, acho que não, disse o Carlos.
- Tens a tua carteira contigo?
- Não, acho que não, disse o Carlos.
- Tens a tua carteira contigo?
O Carlos procurou nos bolsos. Cada vez mais nervoso constatava que, realmente, não a tinha. Devia tê-la perdido com uma pequena fortuna lá dentro! E com papeis muito importantes!
- Quem é amigo, quem é? Toma lá a tua carteira. Achei-a nos Arcos do Jardim.
O Carlos agradeceu-lhe, abraçou-o, acalmou a sua aflição, e retirou lá de dentro, sorrateiramente, um dos papeis dobrados que o Eduardo não quisera abrir por imperativo de consciência. Logo que o amigo virou costas, para ir ao quarto trocar de roupa, entregou o bilhetinho à Telma, com um sorriso cúmplice. Ela, corada, foi lê-lo para a casa de banho.
Depois rasgou-o, deitou-o na sanita e puxou o autoclismo.
Era mais uma das declarações de amor que o Carlos Santos gostava de lhe fazer...
Depois rasgou-o, deitou-o na sanita e puxou o autoclismo.
Era mais uma das declarações de amor que o Carlos Santos gostava de lhe fazer...
Grande amigo esse Carlos!!!... Ele foi para direito por acaso, ou por vocação?...:-)))
ResponderEliminarNon scholae sed vitae discimus.
ResponderEliminarAprendemos não para a escola mas para a vida.
A vocação do Carlos Santos era genérica. Podia ter escolhido medicina, geografia, engenharia, matemática e sempre seria o mesmo Carlos que, já no liceu, era conhecido pelas suas habilidades...
Alertado para o conteúde deste artigo, que mais uma vez me manteve interessado até ao fim, fiquei admirado como em Portugal aceitam situações destas. Pelo que tenho apreciado nestes últimos tempos, é um mal da Europa. Por aqui, aonde o amor é livre, uma situação destas é inadmissível socialmente. Pobre do homem ou da mulher que vivam juntos ou até mesmo casados, coisa que vai sendo rara, que cometa um erro destes, pois não é aceite a prática de bigamia ou póligamia, nem que seja mental. A prática da monogamia em série, isso sim, até é aconselhável...
ResponderEliminarQue bom, mais um Conto Felício também para o blog porcalhoto.
ResponderEliminarCom amigos destes...
ResponderEliminarMas a Telma, que nesta história passa quase incólume, bem merecia descer, também ela, pela sanita...
" Era mais uma das declarações de amor que o Carlos Santos gostava de lhe fazer..." e que ela, embora corando, gostava de receber.
Sanita, com descarga dupla do autoclismo!
Como diz a Sãozita: mais um Conto Felício.
Que bom!
Grande abraço.
Claro que o Blog Porcalhoto deitou-lhe logo a mão!!!!
ResponderEliminarNão foi São Rosas?
E tudo isto se passou há 40 anos!!!!
Ainda estou a ver o sorrizinho cúmplice da Telma!
Coisa inocente...hoje como na maioria são ayuntamentos os bilhetinhos são completamente inofensivos!
Basta uma palha...ou seja "por dá cá aquela palha"...
Restou a honestidade...que resistiu a tantos turbilhões!
Honestidade?
ResponderEliminarDe quem?!
O episódio que nos relata o Rui tem a sua chancela!
ResponderEliminarAgora o Carlos Viana querer mandar a Telma pela sanita?!!!
O engatatão do Carlos escreve-lhe umas patetices num papel sebento e ela dá-lhe como destino a latrina. Merece é ser louvada, pois mantém-se fiel ao marido e vai gozando com o convencido do Carlos (não Viana)!