terça-feira, 6 de dezembro de 2011

BIBLIOTECA "ENCONTRO DE GERAÇÕES" Contos da Daisy

CONTOS
da
DAISY


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GERMANELO


        Das ameias, cilindros esburacados vomitavam fogo. 
Talvez nem vomitassem. Os corpos pendiam; a cabeça pesada, ladeada por braços compridos, os dedos desprovidos de nervos recusando-se a agarrar o tudo-feito-de-nada para o que tinham sido criados. Talvez até, nem pudessem. Os montes, à volta, riam, felizes, por estarem de fora  -  porque a guerra era entre os seres, não contra a natureza. Talvez nem rissem. Das bocas abertas dos duendes imaginários, que talvez até existissem, saíam gritos de revolta e desespero.
        Germanelo;  Gerumelo. Os montes gémeos. Dois ferreiros; um martelo. Um  castelo – Germanelo. A lenda. A realidade de uma muralha já erguida, hirta; e protectora.
        O sino de uma igreja, bateu não sei que horas. E logo outro, dando-se conta da distracção, se apressou a repetir o tinido sonoro que se espalhou pelo ar. Repicaram, em uníssono, umas tantas badaladas. E, por fim, o atrasado, fez-se eco do seu antípoda.
        Depois, o silêncio das grandes extensões.
        Os cilindros esburacados desapareceram por artes do mágico escondido nas nuvens que não existiam. Evaporaram-se os corpos que pendiam. E ficaram os outros. Erectos. E alegres.
        - Que estupidez, pá! A caruma não serve para assar castanhas?
        - E isto, que é?
         - Não é caruma!
        Olha ali. É o sol que se põe. E as labaredas, com as castanhas no meio, sobem no fosso, tentando alcançar algo. Regurgitam de vida. Como a deles, que pulam, que riem. Está frio. E na alegria louca, desvairada, de viverem, as chamas  espraiam-se pela erva seca.
        - Eh, malta…há fogo!
         Há fogo. E há pés que batem, numa fúria-de-susto. Magusto estragado? E batem, e batem. E espezinham as chamas que vão morrendo, aos poucos, até restarem, apenas, as do fosso milenário.
         Nas ameias da muralha, os duendes de novo se instalam, agora em maior número, para prosseguirem na guerra imaginária, na escuridão propícia.
         E, indiferentes, os homens, os outros, riem.
         E o Honório, a dedilhar na viola, atira para o ar frio da noite que cai, uma balada, na voz bem timbrada.
        - Não há machado que corte a raiz ao pensamento…
        E todos unânimes.
        - Não há morte para o vento. Não há morte!
        E o vento vive, na impossibilidade de morrer. O sol pôs-se; morreu…até amanhã. O vento, não.
        Os duendes morrem e ressuscitam, para continuarem a luta que não pode ter fim. E os homens, os outros, comem castanhas. E riem. E entre a guerra e a paz, só existe a barreira dos olhos cegos dos homens que cantam.
11 de Janeiro de 1973
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NOTA:


Por curiosidade e autorização da Daisy, complemento este interessante conto com duas fotos e um texto, retirado da NET.
Também porque este conto  tem a dizer com o meu concelho -Penela.
Interessante e que por isso , será também publicado  no assaltoaocastelo, que é visitado por emigrantes desta zona de Penela no Brasil!

 Os montes gémeos

Castelo do Germanelo- FARTOSA-  ZAMBUJAL-Rabaçal - Penela


A LENDA DOS “IRMÃOZINHOS

        Conta a lenda que em cada um dos montes  habitava um ferreiro – os irmãos
Germanelo ( a norte) e Jerumelo ( a sul).
        Os seus pais seriam pobres, não teriam mais que deixar a estes irmãos do que
apenas duas forjas,  um martelam e a sua  arte de trabalhar.
        Estando cada um em seu monte com a sua respectiva forja, o martelo serviria alternadamente.
        A curta distância entre o topo dos dois montes permitia que os dois irmãos, dois
gigantes, atirassem o martelo um ao outro quando dele precisavam.
        Assim, nas redondezas escutar-se ia com frequência os dois ferreiros a comunicar
entre si  – “Germanelo, passa para cá o martelo”  e em contraposição – “Germanelo, atira
para cá outra vez o malho”.
        Um dia, Jerumelo zangou-se com o irmão e atirou-lhe o martelo com tanta força
que este se desconjuntou, caindo o ferro na encosta do monte Germanelo, fazendo
brotar uma fonte de água férrea de onde surgiu a povoação de FARTOSA ( em  1160
dizia-se Ferratosa e em 1420 já era designada por Ferrotosa). O cabo de madeira de
Zambujo, mais leve, foi espetar-se numa terra a dois quilómetros de distância fazendo nascer um zambujo, originando o nome da povoação de Zambujal.

Informação Blibliográfica,
Câmara Municipal de Penela

6 comentários:

  1. Escreves "lindo"!!!. Sabes porquê? Porque és linda! Beijos.

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  2. São belos, os contos da Daisy.
    Relembro este, que foi dos que mais gostei, quando li o livro
    Abraço Daisy.

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  3. (...)Os cilindros esburacados desapareceram por artes do mágico escondido nas nuvens que não existiam (...)

    Haverá forma mais fantástica do que fantasiar?
    O mágico existia e estava escondido em nuvens inexistentes.

    Ou seja, o contrário do que achamos convencional. O contrário do que achamos que é seguro e certo.

    Porque a vida não é só a realidade que nos rodeia. É também o sonho, é também a magia, é também o pensamento.

    Parabéns Daisy por nos fazer refletir.

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  4. 11 de Janeiro 1973, ainda não namorava com a Daisy, mas foi nesse ano que começámos o nosso namoro!
    Este magusto, eu sei, aconteceu! O Honório tocava e cantava, mas infelizmente já nos deixou!
    É um bonito conto, cheio de magia e recordações!

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  5. Cheio de magia, recordação e certeira filosofia da vida.
    Da sombra de um magusto, salta a magia da Daisy e, pensamento após pensamento, encaminha-nos para o certeiro pensamento de que não há morte para o vento, para nos dizer que, entre a guerra e a paz, só existe a barreira dos olhos cegos.

    Vou dizer que gosto deste conto? Para quê?! Gosto de todos...
    Um beijo muito amigo.

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