De Portugal ao Brasil sem portagens ...
Cheguei a Torres Novas, ajeitei os óculos e esfreguei queixo. Um tique nervoso, talvez. Mirava aquela entrada para a A 23 desconfiado, como Xerxes a olhar para o Estreito de Termópilas, mal comparado, já se vê ! Sim, porque palpita-me que já andam de espada em riste, a esbulharem-me os meus preciosos euros. Entrei pé ante pé, devagarinho, para que não me vissem. Foi sol de pouca dura. Mais à frente, um sinal luminoso gigante, lembrava-me que já se paga portagem desde o dia oito de dezembro. Obrigadinho rapazes, não era necessária tão cerimoniosa lembrança! Sentado em cima do meu requerimento, quer dizer, da discriminação positiva, lá segui viagem. Porém, não tive qualquer informação, se o meu pedido foi aceite na capital do reino, enquanto vou ouvindo Bob Dylan, no rádio. Estou assustado. Será que o papelinho que a menina de olhos azuis da “via verde” fez a fineza de me preencher, não chegou ao gabinete de Sua Excelência? As minhas suspeitas têm fundamento. À minha frente não vejo ninguém, olho pelo espelho retrovisor e ninguém vejo !!! Estou só, sou o herói anónimo da A 23 !!!. Depois de Abrantes, Deus cancelou o Mundo. São retas intermináveis e ao longe, um ponto negro que se aproxima na outra via. O Senhor Seja Louvado, vem lá um carro!!! Depois, cruzámo-nos. O homem, ao volante, de óculos graduados, também vem com cara de caso. Se calhar não meteu o requerimento. Ou se calhar meteu, mas foi como se não metesse! Navego agora paralelo a uma estrada secundária. Ena pai, que grande arraial que vai para ali !!! Parece uma procissão !!! Na frente do pelotão, uma camioneta, carregada de automóveis novos. Depois, mais uma fila de carrinhas de caixa aberta e na cauda um fila de carros ligeiros. São utentes da A 23, que foram expulsos da reserva, como os americanos fizeram aos índios “Sioux”. Embrenhado nos meus pensamentos, quase nem dou por uma pequena carrinha de caixa – aberta, que segue agora à minha frente. Nota-se que já tem provecta idade e vai derreada de mercadoria, com o tabuleiro a um palmo do chão. Do tubo de escape sai um fumo negro e espesso, que é um pronuncio de morte. Vê-se que o negócio não é reluzente, e que, provavelmente, aquele pequeno comerciante não deve ter alternativa à auto -estrada. A portagem, é mais um rude golpe na cabeça do moribundo. Quilómetro após quilómetro, aproximo - me do meu destino. Fui dos poucos que me atrevi a atravessar a A 23. Lembrei-me de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que atravessaram o Atlântico até ao Brasil, sem portagens. Estou emocionado e sinto que estou prestes a ter um lugar cativo na galeria dos heróis. Subitamente, dou por mim a assobiar o Hino Nacional. Pelo menos até Julho do ano que vem, altura em que o requerimento deixa de fazer efeito, tal como um frasco de ENO para a azia, fora do prazo de validade. Quer isto dizer, que voltarei à minha condição terrena de passar de novo a ser discriminado negativamente. Mas, até lá, continuarei a percorrer a A 23. Sou um herói a prazo. Permitam-me que goze desta efémera glória …
Q.P.
Q.P.
Pois a mim nem requerimento me aceitam. Todos os dias ( ou noites ), lá está a mandatária do Gaspar de mão estendida à espera das míseras coroas.
ResponderEliminarOu a luzinha impiedosa da Via Verde, a informar-me que já mas sacaram à má fila.
Sem uma palvra de agradecimento...
O paradoxo, é que a A 23, feita para uma maior acessibilidade ao interior, deixa agora de cumprir a sua função. Hoje de manhã, era bem vísivel as camionetas a seguir por parcursos secundários, paralelos à A 23. É obvio que tudo o que é transportado do litoral para o interior pela A 23, sofrerá um aumento proporcional à taxa de auto-estrada paga. Será o consumidor final a pagar, como as transportadoras já fizeram saber.
ResponderEliminarHá um fosso cada vez mais profundo.
Já para não falar nas ambulâncias em direção a Coimbra, com os doentes aos solavancos e aos tombos.
Não sei se Bombeiros terão isenção total e permanente, o que me parece da mais elementar sensatez de quem governa. Mas com a falta de sensibilidade social reinante ...
Abraço Felício
As coisas não estão para viajar,Quito.
ResponderEliminarCom o que se anda a fazer,suponho que se pretende que as pessoas não saiam do seu cantinho,que não vão aos hospitais,que aguentem a fome se disso padecerem,que deixem de "fazer ondas"...
De preferência,desde que ninguém saiba,que vão morrendo...
E que,como já se nota,não vão nascendo...
Já ouvi dizer que,a partir de Janeiro,já só se pode nascer com etiqueta:os euros que deve,prazo de pagamento e respectiva tabela de juros,e prazo máximo de validade para efeitos de saúde e segurança social...
Sendo assim,ainda vais sentir saudades do tempo em que pagavas portagem na A23.
Um abraço.
Quando nos encontrámos logo de manhã junto ao Continente estavas confiante no despacho do requerimento!
ResponderEliminarMas vai ser despachado, porque mereces e passarás a ser quase o único dono da (há) 23, sim porque ela existe!Todos os outros que dela se serviam, pelos vistos piraram-se, para as antigas estradas!
Mas "eles" sabem que tens direitos adquiridos e tens que manter a ligação entre a cidade e o campo!
para já quem ganhou fomos nós que tivemos direito a esta "po(r)stagem " bem humorada (à Quito)!
Mas até julho do ano que vem- enquanto o pau vai e vem folgam as costas!
Ou aqueles que da lei das SCUT´S se vão livrando...escrevendo se vão esquecendo que as ditas agora são mesmo a doer!
A mim resta-me ser solidário e que não afecte as tuas vindas a Coimbra!
O humor do Quito atenua a gravidade da história.
ResponderEliminarMas ela é mesmo grave!
" A portagem, é mais um rude golpe na cabeça do moribundo. "
O Quito sabe o que diz. Este pode ser o golpe fatal em muitas pequenas e médias empresas da região.
Mas não é importante, o que importa é que estamos a cumprir o acordo troikista com todo o rigor.
Segundo alguns, com um tal rigor que ultrapassa mesmo as exigências dos nossos credores europeus.
Quito, aproveita a boleia até Julho pois, após essa data, tens de vir montado num burrico. Mas vem!
Entretanto aproveita para continuar a mandar os teus textos, à borla!
Se o Gasparinho se lembrar disso, começarás a pagar portagens...
Abraço.
Outro dia tive uma ideia peregrina. Vou comprar uma daquelas asas delta motorizadas ?? São mais baratas que um carro e não pagam portagens ... :)
ResponderEliminarAgora mais a sério, temos de nos preparar para o pior nos próximos dois anos. E se for só um roubo total, descarado e despudorado às nossas carteiras estaremos nós bem ...