terça-feira, 30 de julho de 2013

A SORTE É PARA QUEM A MERECE


                                         Fotografia obtida, com a devida vénia, no TRAVEL WITH US
 
Acordou ao alvorecer, esfregou os olhos e abanou suave e delicadamente a Daisy para a despertar.

Tinham passado a noite numa casa de totora, numa das pequenas ilhas flutuantes do Lago Titicaca a mais de 3.800 metros de altitude e nessa manhã rumariam a La Paz cerca de 200 metros mais baixa que o grande lago.
Ela espreguiçou-se, sorriu-lhe, espreitou pela frincha da porta a luz baixa do astro-rei que começava a dardejar, olhou para o relógio e viu que ainda tinham tempo. Só daí a duas horas o guia os levaria até à grande cidade, uma das mais altas do mundo.
Fizeram a descida lentamente e quando começaram a divisar lá em baixo a cidade de La Paz, puxaram dos mapas e anotações da viagem ansiosos por cumprirem o roteiro de visita previamente definido com o rigor de planeamento que este casal de há muito se habituara a fazer nas suas constantes viagens à volta do mundo.
Tanto o guia como eles próprios iam franzindo o sobrolho com preocupação, à medida que percorriam as ruas da cidade de La Paz em direcção ao centro, onde tinham reservado estadia num hotel.
Não se via vivalma, os carros e transportes colectivos estavam parados e de portas abertas no meio das ruas como se tivessem sido apressadamente abandonados. Nas suas imediações, espalhadas pelo chão, jaziam calças, saias, sapatos, gravatas, casacos, malas de senhora, pastas, papeis, chapéus e toda a gama de acessórios de vestuário.
Nem um corpo humano, vivo ou morto, nem um cão, nem uma ave, nem um simples gato...

Em contrapartida, os edificios estavam impecavelmente preservados, os jardins e equipamentos urbanos intocados.
Parecia uma cidade fantasma!
Eles e o guia eram os únicos seres vivos naquela enorme cidade. Não havia quaisquer sinais de violência que justificassem a debandada geral.

Entraram no hotel para fazerem o check-in.
Olharam em volta. Estava deserto. Nenhum empregado na recepção nem em lado nenhum.
Pelo chão do amplo átrio e espalhados em cima do balcão, o mesmo aparato das ruas com inúmeras peças de vestuário abandonadas.
Aos olhares de espanto e incredulidade que trocavam entre si, o Alfredo acrescentou uma pergunta irrespondível à Daisy:
- O que se terá passado?
- Bem sei eu, disse ela baixinho. Poderia ter sido uma revolução, uma bomba, sei lá!
- Mas não há sinais nenhuns de estragos nos edificios, nem nos carros. E nem há mortos nem feridos, articulou o Alfredo.

Só muitos meses mais tarde vieram a saber que na Bolivia, os EUA tinham despoletado, experimentalmente, uma bomba de neutrões que espalhou doses letais de radiações que matam e incineram em minutos todos os seres vivos, volatilizando a matéria orgânica, mas preservando edificios, equipamentos e toda a matéria inorgânica.


E que os seus efeitos, por sorte do casal e sorte nossa, só não atingiram o Lago Titicaca, onde eles tinham pernoitado, porque acima dos 3.700 metros de altitude a bomba de neutrões é ineficaz.
 


Rui Felicio

43 comentários:

  1. Que poderei eu dizer?!?!... Não há dúvida que tivemos muita sorte, apesar de me doer a cabeça sempre que estou acima dos 3 mil metros de altitude!
    Agradeço ao Rui Felício esta maravilhosa descrição dos acontecimentos! Eu estava lá e não conseguiria ser tão preciso e esclarecedor nas palavras!
    Gostei e a Daisy também.
    Aquele abraço

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  2. Confesso que estou arrepiado, mas ainda bem que este texto apareceu. Ando aqui como um cão danado de volta de um osso, a debater-me na elaboração de mais um texto, numa daquelas divagações que vão martirizando quem por aqui passa.

    Admito que estou angustiado. Não pela escrita, que tem o ADN do autor. Todo o enredo só podia sair de uma cabeça fervilhante, em contornos de nos fazer subir e descer a "maçã de Adão", tal o inusitado da situação, de arrepiar a espinha de qualquer mortal, daqueles que sobreviveram à bomba de neutrões.

    Registo que o final foi quase feliz. O Alfredo é como o "Homem - Aranha", o Bill de Kid, o Major Alvega ou o OO7 versão original sem conservantes - O Alf safa-se sempre !!!

    Desta vez,num toque de romantismo, o autor salvou também a amada do nosso homem da Azurva.

    Não sei se o Rui, conseguiu arranjar um final feliz para esta história, com os nosso heróis a regressarem ao planeta dos sobreviventes. Mas não seria de desdenhar o casal aos comandos dum 747 a regressar a Portugal, com o Alfredo de farda azul e reluzentes galões de comandante de um avião - fantasma, apesar de não perceber patavina dos segredos da navegação aérea, levando a Daisy como co-piloto. Sim, porque o Alfredo é como o McGayver, nada o atemoriza e até consegue desmontar a Ponte de Santa Clara com uma chave de parafusos ...
    Abraço, Rui ...

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    1. Por alguma razão ele é engenheiro, Quito...
      E falas bem. No aeroporto havia aviões, mas não havia pilotos.
      Coisa de somenos para o Alfredo que, para regressar a Azurva, pegou numa das aeronaves e atravessou o Atlântico.
      Com uma co-piloto como a Daisy, a tarefa ficou ainda mais facilitada...

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    2. Qualquer um poderia fazer o que eu fiz. Com o iPad da Daisy, fomos à internet e procurámos: Como pilotar um Boeing747.
      Fácil... A Daisy ia lendo e eu só carregava nos botões!... Está lá tudo... Estou convencido que até um advogado é capaz de pilotar!... Claro, um advogado à 1ª, não! Mas aí à 5ª ou 6ª...

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    3. Nem à 5ª nem à 6ª.
      Porque suscitaria a apreciação judicial da legalidade do manual e antes da decisão do tribunal o mesmo manual prescreveria...

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  3. Poça que imaginação prodigiosa!
    Que bom o regresso do nosso casalinho...

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  4. Já agora e por falar em heroísmo, tenho uma proposta para o Alfredo, para o Felício e para a Olinda: abriu um curso de paraquedismo na Pista da Moitas, em Proença-a-Nova.

    Se quiserem, vamos os quatro. Vocês os três saltam da avioneta e eu do bar do aerodromo a beber uma imperial, dou-vos instruções com um megafone ...

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    1. Eu fico contigo a beber uma "lambreta",Quito!

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    2. Pronto! A Olinda já se baldou e eu até estava disposto a alinhar desde que ela saltasse de saia rodada...

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    3. Se ela saltar de saia rodada o melhor é ficares connosco cá em baixo a beber uma imperial.

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  5. Acho bem, Olinda. Ficas comigo e vai o teu mano Rafael na tua vez....
    Um abraço e até amanhã a todos ...

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  6. Nao aprecio cerveja mas com tal companhia bebo uma imperial e ajudo o Quito a segurar o megafone

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  7. Também ficas, Rui, que tens uma voz grossa de comando. Vai o Chico Torreira na tua vez, acompanhado do Alfredo e do Rafael . O Tonito acaba de se inscrever, mas para salto de 5 minutos de queda livre, com máscara de oxigénio. Diz que lhe chateiam os saltos fáceis. Feitios !!!

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    1. Olha, olha, Quito. Bem podes esperar sentado. Vai bebendo umas imperiais...

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    2. Não me importo! Eu vou sozinho, mas se o paraquedas não abrir, quando cá chegar abaixo dou-vos cabo do juízo!...

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  8. Companheiro Quito.
    Agradeço o teu convite,mas para saltos de 5 minutos já dei.
    Estou mais habituado a saltos de 10 ou 12 minutos de queda livre.
    5 minutos foi como comecei já lá vão uns anos bons, nunca esperei é que tu desses a dica.
    Mas tudo bem,foste honesto,falas-te só nos 5 minutos.
    Por mim salto só com o fôlego,estou numa fase muito elevada de preparação.
    Sou só eu agora pois o meu colega amaricano não sabia nadar,e morreu afogado.
    Tonito.

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  9. Não sei se foi bomba de neutrões, mas andei desaparecido!
    Mas já li esta preciosidade duas vezes para me inteirar bem do que aconteceu, ou por outra o que o Rui Felício práqui engendrou.Mas tenho a impressão que desta vez abusou!
    Não foram encontradas as suas deles roupas(calças,cuecas, peúgas,etc)por uma diferença de 100 metros! Se é que eu percebi esta engenhoca literária!
    Se não percebi o Quito é a pessoa indicada para me explicar tudo direitinho e que deixe de me baralhar com estes nomes como Homem aranha, Bill de Kid Majores Alvega e Valentim Loureiro, 007 e Mcgayver, não entro em filmes infantis!
    Rui não me dês cabo da cabeça com textos que metem estas bombas...
    É um texto que produz efeitos do caraças:o Tonito andou aqui em queda livre e afogou o colega amaricano!Devastador!

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  10. Vá lá, vá lá. O Alfredo Moreirinhas vai passar o resto da vida a pensar no que são exactamente cem metros. O segredo está como é que conseguiram voltar se os locais estavam mortos. Isso penso que é um segredo que o Alfredo Moreirinhas não vão dizer a ninguém, a não ser ao ouvido do Rui Felício. Como o casal já voltou, tudo bem.

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    1. Está explicado no texto, Chico!... Aliás, com o Rui Felício nada fica ao acaso!... E eu até já expliquei em comentário como é que pilotei o Boeing747...

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  11. Bem, justo justo é saltarem todos. Esta noite tive de agenda na mão a distribuir a prioridade de saltos. Assim:

    Primeiro o Chico Torreira, que vai de asa delta, para chegar a casa ainda a tempo de jantar;

    Depois o Alfredo, pois desde que sobreviveu à bomba de neutrões, anda com umas peneiras que ninguém o aguenta;

    A seguir o Rafael, que com aquelas fraldas todas no traseiro, ocupa muita volumetria na avioneta;

    Depois salta o capataz de Salgueiro do Campo, com um porco ao colo a grunhir de terror;

    O Felício, para se exibir faz sky/surf, e por erro de cálculo vai amarar na Barragem de Castelo do Bode, onde é salvo de se afogar pelos bombeiros de Vila Nova da Barquinha;

    Depois salta a Olinda, de todos a que grita mais alto de pavor;

    Por fim salta o Tonito, que prescinde de páraquedas, pois é um fotografo muito atarefado e diz que não pode perder muito tempo no ar. Eu acho que a tua teimosia vai dar mau resultado, rapaz !!!

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  12. Ainda bem que a Olinda salta em último lugar, de saia rodada como sugeriu o Alfredo.
    Assim já todos teremos saltado e poderemos apreciar cá de baixo a descida da Olinda.
    Nós e os bombeiros de Vila Nova da Barquinha...

    E nessa altura já o porco que o Quito trouxe ao colo, numa invulgar acobracia a dois, já estará no espeto a assar para o comes e bebes que num evento destes não poderia faltar.

    A reportagem fotográfica estará a cargo do Tonito Dias que, no final, fará uma sessão de esclarecimento sobre as técnicas que usou.

    O Quito, enquanto vai rodando sobre as brasas o espeto do porco, aproveitará para fazer a crónica do evento, em pergaminho egipcio...

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  13. Só uma ligeira alteração: Primeiro salto eu e quando cá chegar abaixo, ajudo a São Rosas a colocar as melhores peças da sua colecção apontadas para o ar, a ver quem cai em cheio em cima delas!...

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    1. A maior já está reservada. É um modelo das Caldas de 5 litros, de cúpula vermelha luzidia, ao qual eles e elas poderão apontar mesmo em dia de nevoeiro denso.
      Mas com três condições:
      1ª) és tu que o levas para lá ao colo;
      2ª) és tu que vais lá convencê-los a libertarem aquilo para regressar à colecção;
      3ª) és tu que o limpas.

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  14. A Olinda já saltou com uma saia tipo chapéu de praia...
    A São Rosas emprestou-lhe uma lingerie a preceito.
    Gostaram?
    Agora só faltam as fotos do engenheiro Tonito( espero que faças umas melhorias nas celulites,ouviste?

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  15. Lamentavelmente, não haverá reportagem fotográfica. O Tonito saltou em queda livre, bateu com a máquina fotográfica no chão a 300 à hora e anda agora a recolher a Pentax aos bocados com uma pá e um ancinho para dentro de um carro de mão ...

    A São Rosas, com a elegância que é seu timbre, recusou o salto, apesar de ser um grande entusiasta. Disse que apanhou um resfriado e o médico o proibiu de apanhar correntes de ar. Apresentou o comprovativo atestado médico ...

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    1. Ó Quito, um escriba da tua craveira e num comentário cometes dois erros de concordância de género?! "A São Rosas" é "um grande entusiasta"?! E o médico "o proibiu"?!

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    2. Não tenho procuração do Quito nem ele precisaria da minha ajuda, mas tenho que contradizer o(a) São Rosas, afirmando peremptóriamente que ~ele não cometeu nenhum erro de concordância de género como o(a) São Rosas diz.

      Na verdade o indesmentivel hermafroditismo do(a) São Rosas permite o uso indiferenciado do masculino e/ou do feminino.
      Por razões literárias...

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    3. E tu gostas mais da minha parte do Hermes ou da minha parte de Afrodite?

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  16. Confesso que estou a leste deste paraíso...saias rodadas, lingerie,limpeza de celulites, modelos da Caldas da Raimha com cúpulas vermelha(será perpúcio?), outras peças badalhocas da colecção erótica da menina São Rosas viradas pró ar para ver em quem melhor assentam.Não admira que não esteja a perceber nada pois o escriva do Salgueiro, efeitos dos 44º à sombra diz que eu já ando de algália!!!!
    Ò mana vê lá se saltas de uma vez por todas...

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  17. Após ter percorrido todos os comentários, discorrendo como as cerejas, confesso que me perdi e tive de tomar o elevador para regressar ao texto do Rui.
    Realmente era assustador! As bombas de neutrões causaram-me arrepios.
    A sorte, mais uma vez, protegeu os audazes e teve um final feliz.
    Quanto a saltar de paraquedas, não fui convidada para tal... Lamento.

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    1. Também podes saltar... de saia rodada, claro!!!...

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    2. Isso, isso... quero ver o ginecologista assarapantado, a beber a imperial pelo nariz!

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  18. Este comentário foi removido pelo autor.

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  19. Sãozita, já assumi que não sou profissional da escrita. Os meus comentários são ao correr da pena, sem preocupações. Se as tivesse, o blog deixava de ter o carácter lúdico que tem ...

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    1. E só assim é que tem piada, Quito.
      A tua, só tua, hermafroditicamente (inventado agora, com inspiração no Rui Felício) tua
      São Rosas

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    2. Que preconceitos mais antiquados,Quito e afins.
      A arte é abrangente desde o lúdico à pornografia política,da escrita temática"erudita" à crónica,da reportagem à burlesca,e por aí fora...
      Música,fotografia,eventos,casamentos,noivados,almoços,buffetts bem condimentados a canjas de borregos...
      Desta miscelânia bem organizada se caracteriza o nosso blogue!
      São Rosas,felizmente,que és toda aberta e por isso te adoro.

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    3. Aberta só para alguns!... Agora que o Secretário lhe foi dizer que eu toco guitarra, até pode ser que se abra para mim...

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  20. Olinda, o meu nicho de mercado (chamemos-lhe assim) é fundo, não é aberto. Assim, atrais malta com publicidade enganosa.

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    1. Não digas isso. Vai ser giro, ver o Alfredo chegar com enchumaços quando deveria vir munido de lanterna de mineiro.

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    2. ahahahahah....malta do caraças!!!

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    3. Vamos passar a chamar-lhe Alfredo Michelin...

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  21. Que maravilha!
    Maravilhosa a imaginação Feliciana, maravilhoso o conto que até salva os nossos amigos porque eles merecem, de facto, essa sorte...
    Os comentários davam pano para muitas mangas mas, confesso, acabou-se o meu tempo de antena...
    Amanhã, depois de recarregar baterias, tenciono por cá voltar.
    Para todos, aquele abraço.

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