Todos os fins de tarde, do alto da minha varanda, escuto a
voz do mar. E o vento brando que, de mansinho, me afaga o cabelo num toque de
nostalgia. Nada como uma vela branca a correr no horizonte de um mar sereno,
para recitarmos um poema de esperança, depois da fadiga da jornada.
Mais um ano passou. Um ano de muitas canseiras, desgostos e
algumas efémeras alegrias. Mas é aqui, nesta cidade que me adoptou há mais de
meio século, que procuro as energias para um novo recomeçar.
Lagos, a bela cidade de Lagos, com o seu manto de mar azul,
continua a exercer o seu fascínio sobre aqueles que a procuram. Pese o momento
difícil que atravessamos, a verdade é que a urbe está repleta de gente. De
realçar, o batalhão de estrangeiros que invadiu a cidade. Terei que fazer um
esforço de memória, para relembrar tão grande avalancha de forasteiros que, ao
início da noite, tomam de assalto as ruas e todos os restaurantes da baixa lacobrigense,
num fervilhar de vida e de paixões ao virar de cada esquina. Ele, o rei - menino,
lá está, sentinela muda com os seus olhos grandes e inocentes, a espiar o
turbilhão de turistas que o olham com respeito – alguns – e outros, os
estrangeiros, que vão tirando fotografias e interrogando-se certamente de quem
seria aquele personagem da armadura desajustada a um corpo tão franzino. Do
Infante, todos conhecem a história. Fomos e somos um país de marinheiros, numa
nação à beira - mar plantada. E ainda hoje, a “Sagres”, com as suas alvas
velas, percorre mundos já anteriormente navegados, numa saga de heroísmo e de
martírios.
Por isso, a gente de Lagos, não foi ingrata para com o seu
Infante. Perpetuou-lhe a memória numa estátua de bronze que, sentada junto ao
Forte da Ponta da Bandeira, domina a barra de semblante austero e olhar
distante.
Lagos, é terra de pescadores. De traineiras e pequenos barcos
que, no emaranhado das suas artes, procuram trazer para terra o pão nosso de
cada dia que lhes dá o sustento.
Lagos, é cidade de veraneio. Mas Lagos é, também, berço da
gente humilde, que das vielas estreitas encostadas à muralha, fizeram os seus
lares e ali habitam em casas modestas e sombrias, em contraste com as zonas em
que a malha urbana de airoso recorte, se perfila como o triunfo de uma época de
expansão da construção civil, alguma de duvidosa implantação, em falésias
debruçadas sobre o mar. Porém, adivinha-se hoje o seu estertor e a debandada de
trabalhadores do leste europeu e de muitos compatriotas nossos, a fazer as
malas na procura de um novo rumo de vida além - fronteiras.
Porém, apesar todas as angústias e preocupações daqueles que
não estão imunes aos ventos agrestes que assolam esta cidade do barlavento
algarvio, jamais esquecerei os que, aqui vivendo, comigo partilharam a sua
juventude, e me incutiram o feitiço de uma terra que nada dirá aos poucos
amigos que vão lendo esta minha reflexão de fim de tarde, agora que – da minha
tribuna privilegiada - vejo os pequenos barcos de vela erguida a percorrer com
indolência um mar calmo na procura do abrigo que a marina da cidade lhes
oferece, neste clamor de entardecer, emoldurado pelo sereno planar das
gaivotas, elas, também, património da cidade.
Para mim, agora que aqui cheguei, é revigorante e doce ouvir
perguntar-me:
- Já regressaste ?
E eu poder responder:
- Já … e não trago
vontade de partir …
Quito Pereira
Gostando do teu texto sobre Lagos,descrevendo ao pormenor as suas características físicas,dos seus habitantes,dos seus pescadores, dos turistas e claro da estátua do Infante apenas acrescento" já fui muito feliz em Lagos"...
ResponderEliminarAnos seguidos,na década de 70 aí passei férias com um bonito grupo de amigos!
Enfim,lá metíamos na boca do Infante um cigarro aceso e que gozo nos dava as notas à volta do dito até serem horas das discotecas...
Também não tinha vontade de partir!
noites e não notas(era bom,era...então agora!)
EliminarObrigado Olinda, por teres vindo "falar" comigo. Um abraço e até breve ...
EliminarQuito mais logo pergunto-te quantos banhos de mar já tomaste.Ou antes já foste à praia?Até já!
ResponderEliminarRafa
EliminarIsto está bom e não tenho falhado a praia. Hoje tenho uma sardinhada e desconfio que vai ser um "desastre", para quem gostava de emagrecer ...
E já agora, toma lá um abraço ...
EliminarPraia não falhas...mas na esplanada a ler o jornal?
EliminarPelo que li a sardinhada foi em cheio!
Ainda bem que está tudo a correr bem!
Um abraço para ti e um beijo para a São.
Este texto do Quito deu-me a conhecer em traços largos mas bem delineados a cidade de Lagos, sem esquecer a parte humana a que já nos habituou.
ResponderEliminarPor outro lado, salta-me à vista as mutações económicas e sociais que estão adjacentes a este texto, pois enquanto Lagos se apresenta cheia de turistas nacionais e estrangeiros, o turismo europeu este ano não este ano não passou as suas fronteiras. A falta tem sido notada nos diversos festivais passados e em curso em Montreal, assim como o respectivo apoio hoteleiro, etc. Por outro lado, por aqui, também muitos dos habituais nas suas idas ao estrangeiro ficaram pelos maravilhosos campos e lagos do Quebec, assim como pelas praias de água quente ao norte, na provínia do Nouveau-Brunswick. Separados por um oceano mas reacções idênticas.
Chico
ResponderEliminarRealmente há crise na construção, mas não de turistas. Há gente por todo o lado.
Mais um texto de Lagos. Sei que se torna repetitivo, mas não é fácil arranjar temas com alguma assiduidade, nesta colaboração com o Encontro de Gerações ...
Um abraço para ti e família ...
Não é nada repetitivo pois os assuntos é que contam, Quito. Também não nos cansamos de falar de Coimbra ou do bairro.
EliminarBom fim de semana.
Um abraço para ti e os teus.
Com que então não tens vontade de partir...Registei!
ResponderEliminarBoas recordações ... do Parque de Campismo...sem árvores...um 2CV amarelo...que servia de "tenda"...a "fila" às 6 da matina para o pão...as diabruras de uns gandulos do Bairro...que acordavam o Parque à 4 da matina! As espias das tendas...onde tropeçavamos!? E...quantas foram abaixo!? Enfim...
ResponderEliminarPelo menos, o texto deu para recordar ...
ResponderEliminarUm abraço. Leitão ...
“E não trago vontade de partir...”
ResponderEliminarFoi com palavras semelhantes que Picasso se despediu da longa vida que teve.
E juntou-lhes as derradeiras:
Vale-me a sorte de me ir reencontrar com Modigliani, o maior pintor do mundo!
Que tinha morrido umas dezenas de anos antes e de quem fora rival e amigo em Paris.
Modigliani e Picasso tinham sido influenciados pelo cubismo do grande Cezanne, mas Modigliani não seguiu essa escola onde Picasso acabou por vir a ser mestre.
Modigliani era um figurativo que extraía das imagens que via, os sentimentos que as enformavam, retratando-as, pintando-as, dando-lhes alma.
Também a escrita do Quito Pereira não se conforma em descrever o que os olhos vêm.
Dá-lhes a alma que torna os seus textos tão sedutores.
Inclui neles a substância que nos faz ver de outra forma, aquilo que os nossos olhos já viram apenas num mero registo fotográfico, frio e superficial...
Quando começo a ler o que o Quito escreve, já não tenho vontade de partir...
Ao ler este teu comentário Rui, qualquer um perceberá que é bem melhor o comentário que o texto. O texto, é de uma vulgaridade arrepiante. É apenas a vontade de confraternizar com os amigos, que me faz alinhavar estas palavras.
ResponderEliminarJá o comentário é pleno de substância. Puseste uma moldura trabalhada, a emoldurar uma obra modesta. Deste brilho ao que merecia estar no fundo de uma gaveta.
Por isso te agradeço e ao reler o comentário, sinto que já aprendi alguma coisa e por isso não estou arrependido de tão modesto prosar ter dado oportunidade a tão eloquente reflexão ...
Então, Quito, ficas aí plantado no alto da varanda?!
ResponderEliminarSó desces para te deliciares com as sardinhas... mas, pôr o pé na areia ou na água, duvido.
Diverte-te, escreve e, boas férias.
Obrigado, Celeste Maria. Quanto às sardinhas, foi até empurrar com o dedo. Nem consegui jantar !!! Mas amanhã o almoço vai ser leve: CABIDELA DE GALO ...
ResponderEliminarCome antes uma canja de borrego...
EliminarFaz melhor à barriga e ao peito,Quito!
Olinda, canja de borrego é mais para o Tonito que se perde por uma sopa do bicho ...carapaus fritos é mais com o teu irmão e eu que o diga !!!
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