da
Daisy
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NO HOSPITAL
A velha entrou, com as duas
mulheres atrás. Ligeira como uma rapariga, foi até ao fundo da sala e voltou,
para se sentar no banco, junto à porta.
— Não vale a pena. Não podemos lá
ir sem “ela” dar os papeis…
Tinha modos de criança, e o rosto
enrugado possuía algo de meigo.
— Esperemos… “Ela” não demorará,
tia Ferreira…
A mulher gorda, com aspecto de
mais velha do que a outra acompanhante, consolou-a assim, meio risonha.
A velha olhou os outros doentes à
espera, e murmurou, com ar aborrecido:
— Tanta gente…
Muita gente. E era sempre assim,
desde que viera da terra para ali, para se curar. Saía lá da enfermaria, para
fazer os exames… e encontrava a sala cheia, sempre.
— Há tanta gente doente…
E os olhos, húmidos, miravam
tudo.
— Mas eu sou um velha “carcaça”.
Não presto para nada… Inda que os novos se tratem… mas eu… eu não me curo, não.
Já sou muito velha.
— Ora, ora, a tia Ferreira tira
agora um “retrato”, vai ficar toda bonita e vai ver que já está boa e já se
pode ir embora para a sua terra.
— Para a terra…
O pensamento voava-lhe. As esperanças
de novo lhe vinham. Os olhos húmidos ficavam-lhe secos e a cara de menina-velha
tomava vida.
Havia de ir para a terra. Havia,
sim senhora! Ora ora, que estava ela com aquelas lamechices? Também, ela não
era velha por aí além, que diabo! Diabo. Diabo, não! Não devia falar nele!...
Pensar só em Nosso Senhor. Isso! Em Nosso Senhor e na Virgem… naquela lá da
capela… na dos anjinhos aos pés… como se chama ela? O senhor abade é que sabia!
Ora, era a Virgem!... Só há uma, porquê chamar-lhe tantos nomes? Pois, então,
não falar do diabo — t’arrenego! — falar em Deus, na Virgem e nos santinhos… —
e em seu Manel, sempre solteirinho, mas que havia de casar. Ai, havia, havia!
Quando viesse lá das Franças… E ela havia de ver! Havia de curar-se! Havia! O
“retrato” havia de ficar bonito, pró senhor doutor lhe dizer que já faltava
pouco… Havia… havia…
— Mas é preciso a gente não
respirar para ficar bem, não é?...
— Temos de encher os pulmões…
— Ah… e depois não se respira,
não é?
— Pois é.
— Então é assim que farei!
E ficou-se, num mutismo que
deixava adivinhar um mundo de pensamentos na cabeça baixa, de olhos no chão.
Aconchegou a túnica de flanela, o
hábito do hospital, e disse, como se falasse consigo mesma:
— Pobre diabo, que nem saia tens…
27 de Julho de 1972
ResponderEliminarLindo, Daisy!!!
Parabéns. Beijinhos.
A esperança e a desesperança de mãos dadas...
ResponderEliminarO sonho embalando a tia Ferreira,os tais momentos utópicos que dão força aos novos,menos novos e até aos velhos já"carcaças"...
Mas o diabo não pára de os murchar mesmo sem saias que o aliviam de se mover para nos molestar com impiedade.
Sacana do diabo...
Não respirarei um dia mas,hoje, encho os pulmões de ar para te dizer Daisy: belo conto e parabéns pela doçura com que observas e vives a vida!Beijinho.
Mais um belo conto da Daisy. A Daisy sabe embrulhar as palavras numa capa de ternura e de humanismo que lhe é muito peculiar. Gostei de mais este conto. Como gosto sempre ...
ResponderEliminarUm abraço Daisy
Mais um excelente conto da Daisy
ResponderEliminarDaisy!Lindo texto!
ResponderEliminarIsso de esperas nos Hospitais tem muito que se lhe diga! Aqui em Colmar, jà "tenho o pessoal por minha conta".Raramente faço bicha!Mas em Paris, as coisas complicam-se.No mês passado fui a uma consulta ao Hospital S.Louis.
Marcada hà meses para as 12h30. Compareci no local ao meio-dia. As 13h ainda nao tinha entrado.Meia hora de atraso, pensei, nao é là muito.As 13h30 as duvidas instalaram-se e dirigi-me à Secretària (feia que nem um Bode).Acalmou-me dizendo que haviam so 2 pessoas à minha frente.Depois seria a minha vez.
Comecei a ficar irritado quando vi, que uma fulana recentemente chegada, também passava à minha frente!Explodi!!!As 14h30, foi o proprio médico que veio cà fora chamar-me!!Enorme honra!Cumprimentou-me e disse para entrar e sentar-me pois, ele ia ao restaurante comer uma sandes!!!!Voltou às 15h15!!!Com um sorriso malicioso, pediu desculpa, acrescentando que tinha feito um mau encontro!!!"Doutor, para a proxima,leve-me consigo também para comer uma sandes, pois jà passam das 3 da tarde e, estou CHEIO DE FOME", respondi-lhe!!
Mas ca pouca vergonha!!!PARIS c'est la jungle!!!!
Um conto pleno de ternura, mas também com um realismo cruel!
ResponderEliminarAinda hoje a Daisy nos recomenda: - não se mexam agora, vou disparar e a fotografia tem de ficar à maneira.
O que mais me surpreende nos Contos da Daisy é o facto de terem sido escritos por uma jovem, numa altura em que seria suposto a autora ainda não ter a experiência de vida que lhe permitisse descrever com tanto realismo aquilo que julgamos só ser acessivel aos mais velhos.
ResponderEliminarTal só prova que a Daisy não precisou dessa experiência de vida porque é um raro dom inato que a caracteriza desde sempre.
Boa análise sobre a característica intrínseca da Daisy.
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