(foto net)
Esta é uma tarde - noite sem fim. Sentado junto à janela, vou-me entretendo a olhar a asa do “Jumbo” da Lufthansa, que me há-de trazer de volta à Alemanha, em escala para Lisboa. Uma luz vermelha, intermitente, situada na ponta da asa, ajuda a criar um ambiente soturno. Lá fora, o barulho abafado dos motores. Em baixo, uma estreita linha branca esbatida no horizonte, e um castelo de nuvens alaranjado, mostram um cenário surpreendente. Voamos sobre a China. Na penumbra da noite, tento conciliar o sono. Quando vou a fechar a pestana, aparece o folgazão do Neto, um dos elementos do Choral Poliphónico, que me diz em surdina: “… óh Quito, encontrei um compartimento cheio de tabletes de chocolate !!!...”. Não fico entusiasmado, e respondo-lhe: “ … óh Neto, deixa-me dormir,!!!…”.Fecho então os olhos e recordo: “… cansados chegámos a Hong-Kong. Nos procedimentos de desembarque, não foi grande a simpatia. Soldados de metralhadora e farda amarela, vigiavam-nos os movimentos. O aeroporto é um monstro, e surpreendi-me a ver as centenas de cabeças a subir uma larga escada - rolante. Parecia ficção. Lembrei-me de Spielberg. Na saída do aeroporto, esperava-nos uma temperatura abafada e húmida. Fiquei com os óculos embaciados, e disse para comigo: não vou resistir. Mas, breve me adaptei à situação. Uma pequena viagem de barco e a chegada a Macau. Um mundo novo. Um mundo diferente. Belos foram aqueles dias no Oriente. E as noites. Os apelativos anúncios coloridos, dão um ambiente cosmopolita. E o requinte do Casino Lisboa. Também a bonita Praça do Leal Senado, e a Sé Catedral de Macau , onde o grupo actuou, na presença do último governador do território, o General Rocha Vieira. Proibido não falar das ruínas da Igreja de S. Paulo, monumento muito visitado por turistas. E assim deambulei por Macau. Inebriado naquela palpitante vertigem de cores e de rostos iguais. Também de sorrisos e de vénias, como normal saudação. Os verdejantes jardins, e as casas com os beirais dos telhados arrebitados ao céu. Um trânsito caótico e, no ar, um cheiro a especiarias que me subia pelas narinas. E foi aí que começou o meu drama. Sentia-me nauseado. Direi mais: desconfiado com a alimentação. Uns sumos e pacotes de bolachas, foram, durante dois dias, a minha refeição. Desconhecia dois dos mais conhecidos restaurantes de comida portuguesa de Macau: o “Caçarola” e o “Papa Tudo”. Uma tarde, sentado num belo jardim, enquanto bebia outro sumo e roía tristemente uma bolacha, apareceu um homem de idade. Trazia uma rede e um balde, e entretinha-se a apanhar gafanhotos. Certamente para comer. Foi a cereja no topo de bolo. Se eu já mal andava, pior fiquei. Apetecia-me, desesperadamente, uma imperial e um cachorro. Mas cachorro, por aqueles sítios, bem podia ser uma sandes de “Rottweiler”!!! Mas não há mal que sempre dure. A Ilha da Taipa foi, por um dia, a minha rota. Ali cheguei, num pequeno autocarro dos transportes públicos. Foi então que entrei num Templo Budista da ilha. De repente, vi-me em frente de uma descomunal estátua do Buda. O silêncio era esmagador. De lado, um monge olhava-me com curiosidade. Por muitos minutos ali estive, rendido à paz e ao silêncio. Então, acendi um “pivete”, colocando uma pequena moeda numa taça. E foi aí que eu, olhos nos olhos, falei com o Buda e disse – Lhe, com respeito e uma perturbante fé: “ ..óh Buda, arranja lá uma comidinha portuguesa cá para o teu amigo, que anda há dois dias sem ver nada que se mastigue com prazer ...”. Depois retirei-me. De novo me acomodei num pequeno autocarro dos Serviços Públicos. Rumei à Ilha Coloane. Numa paragem saí. De repente, mesmo em frente a mim, vejo uma enorme bandeira portuguesa, à entrada de uma casa. Dirigi-me ao pátio, e fui atendido por um português. Chamava-se Fernando, e era natural de Tomar. Disse-me que era o dono do restaurante, e que só servia comida portuguesa. Quase me apeteceu chorar de emoção. Durante duas horas, foi um festival de comida a aterrar na mesa. E vinho português. Depois, despedimo-nos com um abraço. E de regresso ao hotel, no autocarro, não me saía da cabeça o Buda, e aquele pungente pedido que Lhe fiz. A verdade é que a oração, se calhar, não tinha caído em saco roto. Deve ter sido coincidência, pensei cá para com os meus botões. Mas lá que foi estranho, foi …”.
Quito Pereira
Quito Pereira
Quito, mais uma vez me fascinas com a tua maneira tão simples mas tão real de descreveres episódios da tua vida... e não só.
ResponderEliminarEste até me fez rir, porque te imaginei logo, sentadito num jardim com um pacotito de sumo numa mão e na outra umas bolachitas...Nem ao pior inimigo se deseja uma coisa dessas!
Agora o que mais me intrigou, foi a tua entrada nesse Templo Budista, o teu pedido em desespero feito ao Buda, e passado um bocado,ele ter sido satisfeito tal e qual como tinhas pedido!
Eu que não acredito em Budas(até dizem que quem os tem em casa, se deve desfazer deles porque trazem infelicidade), achei muita coincidência, e também fiquei intrigada.
Existem factos que por vezes são inexplicáveis, eu até costumo dizer que são "do além"!!
Será que a moedita lhe agradou? Talvez o Buda gostasse dos portugueses e
talvez assim, não tivesse sido em vão, a nossa permanência tantos anos em Macau!
Quem sabe!!!!!!!!!
Beijinho
Abraço, Teresita.Foi uma viagem inesquecível. Ao Poliphónico a devo. É outra civilização e outros costumes. Entrar num Templo Budista, tem algo de mistico. Não consigo explicar a sensação. E o respeito que todo o ambiente causou em mim.É uma viagem que vale a pena, mas esgotante. São 12 horas de voo de Frankfurt a Hong Kong, a juntar às 3 de Liboa à Alemanha. Mas conheço várias pessoas que viveram lá, e até gostavam de voltar.De negativo, para mim, um estranho cheiro a especiarias. Mas é um destino que ninguém esquece...
ResponderEliminarSignifica isto que, se for feita uma Rota da China, o almoço ajantarado terá que ser no restaurante do Fernando.
ResponderEliminarO Quito, mesmo encafuado num avião, em enfadonha viagem nocturna, nos faz manter a "pestana aberta" para ler as suas crónicas sempre temperadas q.b., com melancolia, descrição de lugares e, neste caso, a humidade semi-tropical e até o cheiro a especiarias.
ResponderEliminarRui, recusei-me a ir ao Mercado. Vendem-se por lá "iguarias" que me recuso a comentar. Mas é um destino de viagem excelente. No casino Lisboa, fiquei com os olhos em bico por vários motivos. São outras "iguarias". Mais ao jeito do nosso paladar. Por falar em paladar, amanhã lá vou em romagem até Trás-os-Montes, para mais uma sentida romagem gastronómica. Espero que o excesso de neve não estrague a festa ...
ResponderEliminarPor uns dias vou estar mudo e quedo...
Abraço
Leva as correntes para pôr no carro!!!!!!!
ResponderEliminarE que falta me vais fazer, tanto nas crónicas, como no Samambaia!!!!!
Bom fim de semana e boa viagem.
Beijos para Ti e São
Quito,
ResponderEliminarMesmo com todo esse azar, mantens-nos prezos à leitura do teu artigo até ao fim. Posso-te dizer que os chineses(as) confecionam iguarias maravilhosas assim como os indianos(as). Tive a sorte de ter amigos nessas duas diásporas em Moçambique, pois sempre adorei conhecer a forma de vida das diferentes sociedades deste mundo. Já estás a ver que não me deixavam perder quando preparavam qualquer prato especial. Aqui até há o "Paté Chinois" que esta gente adora. Para hipocrisia do destino, os chineses nem o conhecem pois não faz parte da cozinha deles. Tudo leva a crer que tenha visto os dias no Quebec.
Um abraço,
Chico.
Tinha que ser um FERNANDO que te havia de safar!
ResponderEliminarMas tiveste sorte :primeiro que este Fernando que é também Rafael jamais iria de Avião a Macau(mesmo nesse tempo), pois não pode ultrpassar 5 horitas de voo, depois porque estavas feito ao "bife" se te sentasses a meu lado no restaurante do dito Fernando!
Sabias que os "jaquinzinhos" deles são os gafanhotos?
Aí podias ficar descansado....
É assim: mesmo "desafinando"-tu é que o dizes-, já contastes uma viagem á Roménia- onde passaste fome!Outra a Macau- que o que te valeu foi o Fernando para tirares a barriga de misérias!
Será que a próxima é o relato da ida do Coro ao Afeganistão
Mas agora em Trás-os-Montes, meu Deus o Deus vai desforrar-se!
E Macau aqui tão perto pela escrita do
ResponderEliminarnosso Quito...
Cheia de interesse para mim que nada conheço
dessas bandas!
Cuida-te,em Trás-os Montes...e a São Também!
O Quito em Salgueiro do Campo fala com Deus, em Macau conversa com Buda, em Trás-os-Montes até é capaz de falar com Alá para lhe perguntar onde se pode almoçar "à maneira".
ResponderEliminarO roteiro gastronómico é um segredo dos deuses...
Boa viagem, bom apetite e aquele abraço para ti.