quinta-feira, 14 de abril de 2011

QUANDO OS LOBOS UIVAM ...

" ...quando os lobos uivam ..."
É nestes dias de Primavera, que mais pressinto o Outono da nossa existência. É por estes caminhos e lugarejos que vou percorrendo neste meu cirandar, que o perfume dos campos, adormecidos na solidão de léguas sem fim, cantam a Elegia de um Tempo de reconciliação, depois das agruras de um Inverno carregado, que nos corta a essência dos sonhos desfeitos. Mas, é neste Tempo, que mais me cruzo com aqueles que percorrem uma fase adiantada do Entardecer da Vida. Ali, na curva da pequena aldeia deserta, vejo “Txico”, sentado num banco de cimento, junto à sua humilde casa. Há muito que a doença lhe mina o corpo e a alma. Tem cataratas e está incontinente, nas suas mais de oito décadas de vida. De vida dura. Do passado, lembra-se de quando se levantava noite escura para, com o seu burrito e os alforges cheios de sapatos dos clientes, percorrer as povoações de Freixial, Tinalhas e Caféde. Era um dia inteiro de viagem. No regresso, o dinheiro da recompensa do esforço dispendido, de uma semana curvado sobre os pregos, a sola e a sovela. Agora, resta-lhe a pequena horta, que vai cultivando a muito custo. Para trás, ficaram as caminhadas com o seu trôpego e paciente “Preto”. Quando, nas madrugadas de orvalhada, de cimo dos cabeços, os lobos cantavam o seu lúgubre uivar. E ontem, ao ver o “Txico” sentado numa curva do Tempo, lembrei-me de Aquilino Ribeiro. Estranho pensamento este, o meu. Estranha associação de ideias esta, a minha. Enquanto o sapateiro, de olhar baço, perdido que foi o brilho de outrora, vai meditando nas coisas sérias da vida, não pude deixar de pensar na sua magra pensão de reforma. E ele, na sua bem-aventurada e santa ignorância campesina, jamais desconfiará que, por ordens vindas de um qualquer país Europeu longínquo que mal conhece, o seu magro provento está ao alcance de uma qualquer insensível máquina calculadora, subtraindo-lhe, talvez, mais um pouco do muito pouco que já tem. Ausente de informação, naquele pequeno recanto Beirão, o “Txico” não sabe que está prestes a regressar ao seu sacrificado passado, e a que de novo os lobos Lhe uivem. E que, esfomeados e em alcateia, se preparam para saltar ao seu já longo e penoso caminho. Q.P.

10 comentários:

  1. Quito,

    Mais um texto que lido, estamos a ver o que se passa. A árdua vida do Txico com as suas saídas logo de manhã cedo a ouvir no caminho os lobos a uivarem e na volta com o dinheiro da recompensa de uma semana de trabalho.
    Quanto à forma como vez a causa da reforma do Txico, desta vez não estou de acordo contigo. Parece-me um pouco de demagogia. Já nos anos oitenta previ uma situação muito difícil para Portugal e como o Chico não tinha a mínima força para resolver a situação, estando a ver e não querendo deixar andar, como muita pena deixei o nosso País. É claro que os pobres Txicos não estariam em condições de fazer o mesmo que eu fiz porque esses até ainda hoje não se queixam.
    Podia contar vários casos que se passaram comigo mas estou convencido que de uma forma ou outra também aconteceu com todos vós.
    Politicamente era a instabilidade com as vendas do ouro pelo que pensei logo o que se passaria quando o ouro acabasse pois a produção não correspondia. Não me esqueço no entanto quando uma vez foram fiscais da fazenda à Associação Comercial para nos ilucidarem e lhes pus uma pergunta, pois queria andar com a minha carrinha absolutamente legal. Recebi como resposta: - isso vocês sabem muito bem como fazer!!!!!!!!
    De outra vês como acabei cedo a minha volta na Figueira da Foz, resolvi ir almoçar a casa, em Coimbra. A meio do caminho fui mandado parar pela polícia acompanhado por um fiscal das finanças com a carrinha e como ao perguntarem pelo triângulo disse que até levava um triângulo da estrada que era mostruário que até me dava geito, único mustruário comigo, (nota bem: um triangulo, só um), fui multado em sete contos por estar a trabalhar para a minha própria empresa fora das horas de trabalho!!!!!!!!! Não paguei, fui a tribunal e mais admirado fiquei ao saber que se pagasse a multa antes de chegar à frente do juíz me saía mais barato do que se a tivesse ido pagar à polícia, mesmo depois de terem gasto toda a papelada administrativa e tempo de trabalho até essa data. Não aceitei e depois não paguei nada. As companhias com prazos de entrega e qualidade, nem falar. Ninguém tinha responsabilidades. Podia-te falar doutros casos mas ficaria tudo muito longo. Meu caro, por te considerar é que me abri, pois não me sentia bem na pele de um hipócrita mas na verdade penso que o Txico sofre o que todos nós criámos, eu incluído que virei as costas e vi-me embora. Crê-me que derivado ao que vejo aqui, ao que me refiro não é preciso dinheiro, assim como ao que vejo e ouço dos nossos políticos, passo os dias a pensar na nossa gente. Que mal fizeram para terem de sofrer tanto.
    Um abraço.

    Nota: O Presidente da Cãmara de Montreal acaba de demitir o Presidente do Concelho Camarário, do seu próprio partido e seu braço direito, por alegada corrupção.

    Assisti ontem ao segundo debate dos chefes na televisão para as eleições federais. Que respeito!!!!!!! Ninguém gritou, ninguém apontou o dedo...
    O exemplo vem de cima. Que pena os nossos políticos não serem assim.

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  2. Rectificação: - no meu comentário acima, na estória da multa que não paguei, lê-se fiscal das finanças mas dever-se-ia ler: fiscal do trabalho ou pelo que aconteceu comigo, das desactividades económicas.

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  3. Quito, pessimista sou eu! E realista também...
    Gostei muito do teu texto. Muito bem escrito

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  4. Quito, quero crer que o TChico saberá, porque a experiência lhe ensinou, que temos altos e baixos na vida, mas que a esperança não poderá morrer!
    Boa leitura para reflexâo.

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  5. Este olhar sobre o Entardecer da Vida através de um personagem,já nosso conhecido,eterneceu-me e trouxe-me melancolia...
    A minha associação de ideias voltou-se para mim, pois os lobos já uivam no entardecer da minha vida!

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  6. Este texto do Quito teve o mérito de me remeter para Aquilino Ribeiro. Não só por o ter referido mas, fundamentalmente, porque escreve no mesmo estilo, esculpindo no granito as duras vidas dos menos favorecidos.
    Mas vai mais longe, mesclando essa dureza crua mas mágica com referências muito próximas do Romantismo. O Tempo, sempre ele, personagem importante dos seus contos.
    Não preciso de dizer que gostei muito.
    Abraço.

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  7. Mais um excelemte texto do Quito no qual nos leva a refletir sobre a dura realidade porque passa uma grande parte da população portuguesa, muito especialmente, com os mais idosos e como no caso presente com mais visibilidade nos meios rurais!
    As notícias na comunicação social não são nada animadoras, antes pelo contrário mostram uma realidade bastante sombria, pois quando se lê que serão 2 milhões de portugueses no limiar da pobreza e que dada a crise financeira que se está a viver, muitos mais dramas de Tchicos vão aparecer!
    Para suavisar muitos destas situações felizmente que muitas instituições de solidariedade social têm aparecido nestes últimos tempos, onde milhares de voluntários, recolhem e distribuem bens de primeira necessidade, suavisando um pouco a vida daqueles a que faltará muita coisa, mas que pelo menos não passem a privação da falta de alimentação mínima!
    Mas tenhamos esperança em dias mais risonhos!
    É um assunto com muito pano para mangas, como diz o Paulo Moura...pois tem muito que se lhe diga!
    Também boa refexão o comentário do Chico e no qual encontramos muito desse tal pano para mangas....

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  8. Aquilino Ribeiro serviu de mote ao Quito, para retratar uma preocupamte situação de milhares de Txicos já no ocaso das suas vidas, sem meios e sem forças para inverterem o sombrio horizonte que se lhes aproxima.
    Mas continuo a achar que, sendo o mote de Aquilino Ribeiro, a escrita do Quito se assemelha mais ao romantismo de Camilo ou de Garret.
    É apenas um reparo,uma opinião, que faço e dou a propósito do comentário do Carlos Viana, sem nenhuma importância.
    Porque, importante é o estilo próprio, a sensibilidade, o humanismo do Quito, que mais uma vez transparecem como imagem de marca incomparável e irrepetível.

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  9. Olindita, descascar cebolas não vale!

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  10. E meia noite em Colmar e os lobos da Alsàcia jà ladram nos vinhedos!!!

    Excelente texto Quito!Sabes bem que é um assunto muito tabou para mim pois nao consigo imaginar como é que em Portugal hà 60% da populaçao a ganhar o salàrio minimo ou bem proximo e muitos outros a ganharem 4 000€, 6 000€ e bastante mais, vezes 14 meses por ano. Uma autêntica loucura essa enorme diferença! Mas isso vai agora mudar!!

    Nao me venham là com os diplômas ou coisas do género pois na 5a potência mundial, o salàrio minimo é de 1 000€ e uma professora ganha 2 300€ (vezes 12 meses e com 20 anos de carreira)) dos quais terà ainda que deduzir impostos. Topam a diferença?

    Por isso é que hà por ai muitos Txicos!!!!

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