quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

SUBITAMENTE AO ACORDAR...

Está em minha casa desde há quinze dias...
Quando acordo e acendo a luz, ela ignora o frio, abre a caixa onde guarda as pinturas e os cremes e começa a maquilhar-se, a pentear-se. Parece que receia que eu a veja descomposta.
Ainda meio ensonado, vejo-a sorrir para mim, entreabrindo aquela boca bonita. Mesmo com este frio, veste-se com uma lingerie finíssima azul celeste, transparente, que me deixa entrever, por baixo, o corpo esbelto, bem desenhado.
Sentada em frente ao espelho da cómoda do quarto, passa o baton vermelho cereja nos lábios, com uma precisão milimétrica.
Com maestria, revira as pestanas e engrossa-as com rímel. Vou correndo o olhar pela pele lisa das suas costas, pela curva côncava da cintura, pelos longos cabelos louros encaracoladas caídos ao longo do corpo.
Ainda deitado na cama, observo-a a pintar as pálpebras com um pó esverdeado que lhe realça os lindos olhos azul marinho.
Lentamente, pega na escova e corre-a pelo cabelo sedoso, demoradamente. De vez em quando, suspira suavemente.
Volta a sorrir-me, deixa-me indeciso...
Mas não! Já estou atrasado.
Levanto-me, visto o roupão e dirijo-me para a casa de banho. Ouço-a desejar-me um bom dia, numa voz gutural que parece vir das suas entranhas.
Não lhe respondo.
E desligo o interruptor daquela linda boneca automática, a pilhas, que são activadas pela luz e que eu comprei para oferecer à minha neta quando ela cá vier.

Rui Felício

21 comentários:

  1. Que maravilha para o nosso blog porcalhoto ;O)

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  2. O que é meu é nosso, minha querida São Rosas!

    Sabes que a boneca é parecidissima contigo?

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  3. Tá bem autorizo!
    Sempre dá um ar de lavado ao que é porcalhoto!
    É uma "lufada de ar fresco" com cheiro a maresia vindo da Ericeira!
    Mas cuidado Rui.
    Não ligues o interruptor todos os dias...
    Ou então compra mais pilhas Duracel para quando a tua neta chegar a boneca esteja em forma!
    Não vale a pena dizer-te que gostei muito!
    É dificil senão impossivel não apreciar textos com esta qualidade!
    Vai estar en cena por várias horas!
    Diliciem-se...
    Nota ADM.um abraço Zé Leitão.

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  4. Brinquem antes com um tubo de bolinhas de sabão...
    Daqui a pouco virá a bolinha vermelha.

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  5. Não é só escrever bem. Uma pessoa fica em suspense até ao choque da voz gutural que desliga o leitor, ao mesmo tempo que o Rui Felício delisgou o interruptor. Também é preciso ter engenho e arte: aonde é que eu já li isto... mas... neste caso aqui fica muito bem.

    Nota: Espero que o Quito fique animado para uma desgarrada com o Rui Felício.

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  6. eh,a minha fantasia foi crescendo,crescendo numa expectactiva demasiado óbvia...mas a supresa do desfecho foi encantadora.

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  7. O Rui encontra certas preciosidades, como uma boneca que, acionada a pilhas, se penteia, maquilha e ainda sorri!
    Se eu tivesse uma boneca assim, nunca a desligaria.
    Um avô que nos faz boa companhia, contando-nos uma estória tão pueril, quanto bem urdida!

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  8. Linda surpresa esta tua boneca que fez em todos fantasiar e fazer voar a imaginação para tudo se desfazer com um simples clic dum interruptor.
    Um abraço

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  9. Delicioso... levaste-nos às nuvens do imaginário sensual e fizeste-nos cair nos braços da inocência... belo!

    Obrigada, Rui.

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  10. Pois é! Rui, onde é que compraste essa boneca? Também vendem com 1metro e 60cm de altura?...
    Era também para oferecer à minha neta!!!...

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  11. Este bom malandro do Moreirinhas, com o seu impressionante sentido de humor, quase me desanima a fazer um comentário sério.
    Mas, não vou desistir da intenção.
    Porque me apetece, porque acho que o Felício merece.

    É impressionante como, após a leitura das primeiras linhas do texto, se torna imediatamente legível a assinatura do autor.
    Parece que o texto é manuscrito, permitindo reconhecer a caligrafia e, assim, esbatendo a frieza da linguagem virtual.
    Na pequenez de uma simples folha A5, é admirável como se consegue criar uma estória, roçando a boa literatura policial, em que se encaminha o leitor para diversas hipóteses do final da estória, sempre escondido, até ao parágrafo final.
    Tal como na literatura policial, há que refrear a curiosidade e a tentação de olhar para o final do conto para melhor saborear o enredo e o trama.
    E a surpresa sempre acontece. O "criminoso" não é aquele que a nossa imaginação, bem iludida pelo autor, fantasiou.
    Porque a sua fantasia vai sempre mais longe e, desta vez, até remata com um toque de doçura infantil.

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  12. Ó Carlos e tu não viste a boneca a fazer-te olhinhos quando punha o rimel, muito menos os ais que ela suspirava de vez enquando.
    E nem sequer quero admitir o que pensaste quando leste a passagem":levanto-me visto o roupão e dirijo-me para a casa de banho...
    O teu comentário é como se estivesses na Livraria Minerva a apresentar um livro de contos deste Autor e te referisses concretamente a esta estória!
    Gostei do texto, como já referi,mas comentar assim, também dá prazer a quem lê!

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  13. Ó Rui, a boneca deve ser mesmo parecida comigo. Eu também sou insuflável...

    eheheheheheh (riso bem malandro)

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  14. No teatro, no ballet ou na ópera, os actores, os bailarinos, os cantores, expõem-se perante o público que os vê, cientes que no final poderão vir aplausos, mas também pateada ou indiferença.
    É a atracção pelo abismo!
    Porque, anterior à imprevisível reacção do público, está o incontrolado impulso de fazerem o que fazem.
    É um vício, mesmo quando não é reconhecida a valia do seu trabalho.
    Fá-lo-ão sempre, até ao fim da vida, quer obtenham aplausos, quer sejam pateados.
    Nasceu com eles. Faz parte das suas vidas.

    O vício de escrever é algo semelhante.
    Seja ensaio, romance, humorismo, crónicas ou pequenos contos ficcionados ou reais.
    A atracção pelo abismo é a mesma.
    É gratificante ler os vossos comentários, que agradeço.
    Eles são o retorno da exposição a que de bom grado me submeto, antecipadamente preparado para os acolher, elogiosos ou não.

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  15. A descrição deste teu texto...é de um "connaiseur"!!
    A intensão e o final, é de um Avô ternurento.
    GOSTEI MUITO.

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  16. Um texto com a assinatura Rui Felício. O seu toque de magia no final. É para mim impressionante a capacidade de escrita - excelente escrita - do Rui, bem como a sua capacidade de fazer textos do abstracto. Dou-lhe imenso valor, tanto mais, que as linhas que tento ir alinhando têm sempre - ou quase sempre - uma fonte real de "inspiração". As ideias na cabeça do Felício, brotam como o jorrar límpido de uma fonte. Cristalino.

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  17. No blog «a funda São» já estão 25 contos (não de Réis, mas do Rui), dos quais 22 publicados e 3 no forno.
    A partir de agora, têm uma etiqueta própria, bem merecida: «contos Felícios».
    Bem hajas, Rui!

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  18. Estes textos do Rui Felício fazem-me lembrar um convite para dançar.
    Nós entramos na dança, deixamo-nos levar, mas temos sempre a sensação de que é bom estar de pé atrás, porque, a qualquer momento, o nosso par pode fazer-nos dar uma pirueta inesperada e é isso que torna irresistível a sua leitura.
    Os desfechos inesperados são a cereja no topo do bolo com que já estamos todos lambuzados.

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  19. Um beijinho especial para a Isabel Parreiral que soube há pouco estar engripada.
    As melhoras, Isabel!
    Para poderes dar a costumada assistãncia e companhia aos teus netos.

    Quanto à outra doentinha, a Olinda, penso que estará para breve a serração do gesso para finalmente vir à luz do dia a sua bela perna.
    Um beijinho também para ti.

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  20. À minha querida São Rosas não dou nenhum beijinho, mas um sensual aperto de mão, sem que o Rafael se aperceba, agradecendo-lhe o seu último comentário.

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  21. Só mesmo tu para conseguires dar um aperto de mão sensual :O)

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