Parecia adormecido...
Só o cadenciado ondular traía a sua calma e denunciava a imensidão.
Embalado pelo som surdo das ondas a desfazerem-se na praia, ali fiquei, sentado na areia húmida, a olhar a linha do horizonte, onde se fundiam os azuis do céu e do mar.
Sem querer, recordei as vezes que ali passeei com a minha filha, de mãos dadas. Éramos cúmplices daquele ambiente mágico, daquela lonjura ao nosso alcance.
Por vezes nadávamos, lado a lado, ao longo da linha da praia, entre as rochas que a delimitavam a norte e a sul.
Foi numa dessas vezes que tudo aconteceu.
A dado momento, enquanto nadávamos em direcção às rochas, algo me chamou a atenção.
Pareceu-me a cauda reluzente de um grande peixe dourado. Preocupado, esperei pela minha filha que nadava atrás de mim. Acenou-me com a cabeça de que também vira o mesmo que eu.
Mantivemo-nos à tona, com lentos movimentos dos braços e das pernas, observando, atentos, o local onde tínhamos visto a bela cauda do peixe.
De repente, entre o susto e a estupefacção, vimos uma coisa que jamais imagináramos poder existir naquelas águas.
Emergindo do mar, surgiu uma bela mulher, de longos e anelados cabelos dourados, que nos deixava ver um corpo escultural.
Os seus olhos amendoados, cor de mar, meigos, melancólicos, hipnotizavam-nos. Era impossível deixar de sentir aquele olhar trespassar-nos a retina e mergulhar no mais fundo do nosso ser, acelerando-nos o coração, que doía doce...
Dos seus lábios carnudos e bem desenhados, saía um som melodioso, suave, um quase choro, que nos arrepiava os sentidos...
Era com certeza uma sereia. Afinal existiam!
Por instantes, ela ficou ali a fitar-nos num movimento suave , síncrono, até que mergulhou e desapareceu nas profundezas...
Ainda esperámos algum tempo, na expectativa do seu reaparecimento. Mas, até hoje, nunca mais foi vista...
-Filha, guardas um segredo? – perguntei...
Meio confusa, meio aturdida, respondeu-me que sim...
Disse-lhe que aquela visão, seria o nosso segredo. Ocorreu-me justificar-lhe o pedido, fantasiando e dizendo-lhe que as sereias não aparecem a todos, e que, se aquela tinha resolvido aparecer-nos é porque confiara em nós, é porque nos achava pessoas de bem, pessoas especiais...
Sublinhei que o olhar da sereia mostrou que tinha confiança em nós. Acreditou que nós saberíamos manter o segredo que lhe permitisse continuar a sua vida no paraíso do fundo do mar, sem ser incomodada pela multidão de curiosos e incrédulos que acabariam por devassar a sua privacidade, se divulgássemos o que tinhamos visto.
Sei que a minha filha, passados tantos anos nunca quebrou a sua promessa de manter intacto o nosso segredo.
E eu, também não estou a quebrá-lo, porque não vos vou dizer em que praia é que isto aconteceu...
Desculpem-me o irrealismo. Para mim, a vida também é fantasia...
ResponderEliminarRui Felício
ResponderEliminarE que linda fantasia. Que lindos momentos me deste. Até vai ser uma manhã diferente. Um abraço.
Um Abraço Felicio.
ResponderEliminarTonito.
A fantasia, pode ser o bálsamo dos dias agrestes. Uma forma de adoçar a realidade desta vida, cada vez mais previsível. Nem que seja por momentos, apetece fechar os olhos, e vogar ao sabor das ondas de um verão refrescante. O texto, transporta-nos a um mundo irreal. Afinal uma fantasia bem elaborada, que nos permite, por minutos, desligar da realidade terrena, e navegar no dorso de uma bela sereia, na rota de um oceano sem fim ..
ResponderEliminarOs nossos olhos só veem o que queremos ver…, e a miragem que se tornou realidade na materialização da lenda, foi bem aproveitada no aprofundamento das cumplicidades que são a argamassa da amizade e do amor.
ResponderEliminarFelício, a tua imaginação continua a voar nesse espaço sem limites em que o virtual anda de braço dado com a realidade. Para deleite dos teus amigos, que esse pássaro que te transporta em voos infindos continue a voar bem alto.
Continua a ir a praia, sempre poderá surgir alguma sereia cavalgando uma prancha e rompendo a onda ainda que pelo espaço breve dum momento…
Um abraço
Abílio
Não acredito que haja vida sem uma pitada de fantasia.
ResponderEliminarObrigado.
Um abraço.
Eu não acredito em sereias mas, rendendo-me a este testemunho, tenho de reconhecer que as há!
ResponderEliminarDesta feita, Rui Felício bem nos previne que nos traz uma fantasia. Fantasiando ou não, vai-nos envolvendo na sua própria fantasia de tal forma que todos conseguimos visionar a sua bela sereia de lábios carnudos e bem desenhados.
A partilha do seu segredo com a filha, numa cumplicidade deliciosa, é sublime.
Parabéns, o que te posso dizer mais?
Aquele abraço.
Uma estória de encantar, uma estória de sereias, uma delícia para contar a uma menina, à nossa princesa!
ResponderEliminar...e adormeceu calma e serena, vivendo uma cumplicidade, até hoje!
Linda fantasia, mas li-a como verdadeira.
Rui, se todas as fantasias fossem como esta, estava bem o mundo...
ResponderEliminarVai ler o editorial da directora do Destak, de seu nome Isabel Stilwell e verás o que é viver num mundo de faz de conta...
Gostei da tua sereia, acalmou-me!
Fazes muito bem em não dizer! Se isso me acontecesse a mim, eu também não dizia!...
ResponderEliminarHistória gira!
Sublime! Como escreve e bem o Carlos Viana!
ResponderEliminarMas...Rui! ?Na Irlanda, a maioria das lendas sobre sereias contam que elas são seres que atraem homens com seu canto e depois os devoram....
Fosca-se!!! como diria a Olinda Linda!!!!
Isso é na Irlanda. Na Ericeira as sereias são muito menos vorazes. Digo eu...
ResponderEliminarGostei, e Pronto!
ResponderEliminarSó cheguei agora( tenho de andar a tratar da vossa vidinha) e agora esta malta já disse o que gostaria de escrever!
E como gosto de fantasias, Gostei!
Ando a frequentar as praias erradas!
ResponderEliminar(mas este texto vai frequentar a praia d'a funda São)