terça-feira, 2 de agosto de 2011

BIBLIOTECA "ENCONTRO DE GERAÇÕES"






CONTOS
Da
DAISY
A MENINA QUE-NÃO-SABIA-BRINCAR

- Pum-pum! Tás morto.
O menino corria e batia com os pés, gritando, pelo parque.
“Pum-pum! Estás morto! Eu sou um bandido! Pum-pum, estás morto.”
A miúda loira, de calças azuis, rotas nos joelhos, corria atrás
dele. Alcançou-o e tocou-lhe no ombro, colocando-se a seu lado.
- Olá!
- Pum-pum! Tás morta!
- Olá – Repetiu, a sorrir.
- Tás morta! Porque é que falas?
- Eu queria brincar contigo…
- Eu não quero…E, depois, eu já te matei…Não podes falar.
Continuou a correr, com as pistolas no ar. E a miúda das calças
rotas, atrás…
- Olha…Diz…Diz que queres brincar comigo!...
-Não quero. Deixa-me, já te matei. Eu sou um grande
bandido! Pum-pum!...Mato toda a gente…
A menina agarrou-se ao cinturão de cabedal e insistiu na
perseguição.
- Larga-me!...Eu não sou o teu cavalo!...Eu sou bandido…
Olha que te mato outra vez…
- Diz que queres brincar comigo, diz…Tu não queres?
- Não. As raparigas não sabem brincar.
Parou e ficou a olhá-la, muito convencido do seu papel.
- Não?
- Não. Que sabes tu fazer? Pega!...Empresto-te as minhas
pistolas. És capaz de me matar?
- Não.
- Porquê?
- Gosto de ti.
- Pois. Isso é mesmo de meninas. A gente tem de matar
sempre. Goste ou não goste. Dá cá.
Pegou, de novo, nas armas e sentou-se num banco, cansado.
- Não tens ninguém com quem brincar?
- Não.
- Porque é que não brincas sozinha?
- Não sei.
- Nunca brincas?
- Não.
- Porquê?
- Não sei.
- Não sabes brincar?
- Não.
- Mas as outras miúdas brincam!...Tu não tens bonecas? Elas
só sabem brincar com bonecas…
- Não tenho bonecas.
- A minha irmã tem muitas. Eu roubo-lhe uma e dou-ta,
Queres?
- Não
-Porquê?
- Não gosto de bonecas.
- Não?
- Não
- Ah!
- Queria brincar contigo…
- Mas tu nem sabes pegar nas pistolas…Não quero saber. Eu
sou um grande bandido.
Levantou-se, e a menina imitou-o. Ele olhou-a, algum tempo e,
depois:
- Pum-pum! Tás morta!
E correu, pela relva verde, deixando atrás de si, estática, a menina loira, de olhos azuis cheios de lágrimas.
Do outro lado do parque, uma voz dura, veio despertá-la:
- Rita! Não queres fazer nada! Já vendeste os sacos todos?...
Desastrada!
 

9 comentários:

  1. Daisy, gostava de comprar o livro. Há algum exemplar disponível para venda?

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  2. Daisy, esta pequena história é triste como é triste a vida dos meninos que proibidos de sonhar deixaram de poder inventar um brinquedo a partir do nada.

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  3. Eu não quero comprar, porque está bem de ver, já tenho!!!
    Mas ficam aqui muito bem na biblioteca do "Encontro de Gerações"

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  4. Mais um dos belos contos da Daisy, que embora já conheça e já tenha lido e relido, quando uma vez por outra pego no seu livro, nunca é demais voltar a ler.

    Um beijinho, Daisy

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  5. Como já tive a oportunidade de dizer, tenho este livro. Os diálogos são simples e envolventes. A Daisy, observadora , consegue transmitir-nos o mundo imaginário das crianças, numa prosa aparentemente fácil. Mas não o é. É necessária muita apetência para a escrita e grande perspicácia, para a escritora descer ao mundo infantil, envolvendo-se e envolvendo-nos nele. E sempre a mensagem subjacente que transpira de cada conto.
    O Alfredo - o amigo Alfredo - também tem a sua quota parte de responsabilidade no conhecimento público deste livro, pois sei que foi por sua iniciativa que o livro veio ao prelo.
    Um abraço à Daisy e Alfredo
    Os amigos
    São e Quito

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  6. Um conto da Daisy, com a ilustração de Zé Penicheiro, são como bombons!

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  7. Tenho sempre muita dificuldade em comentar um conto da Daisy.
    Ainda mais quando vos habituei, meus amigos, a comentários aligeirados e despretensiosamente humorísticos.
    Os contos da Daisy não deixam espaço para brincadeiras. São traços muito sérios de vidas sofridas.
    A Rita, uma desastrada!
    Não deixa espaço a não ser para uma lágrima sentida por todas as crianças chamadas Rita.
    Há querenta anos vendiam sacos, hoje vendem "pensos"... e se chegam a casa sem resultados da venda, são desastrados, tal como a Rita.

    Daisy, um beijo muito amigo.

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