A Barca do Tempo ...
A Primavera mascarou-se de Outono. O Sol não aparece e hoje
andou todo o dia atarefado a querer romper por entre nuvens. Missão inglória.
Amanhã será um novo amanhecer e os campos, marejados de lágrimas da água que é
a seiva da Vida, clamam agora por dias radiantes de luminosidade, que realcem a
fantasia das cores primaveris na serenidade das manhãs de felicidade. Até as
cegonhas, do alto dos seus castelos, mostram um aspeto taciturno, perplexas com
as tardes agrestes que teimam em não partir. O sino da igreja, não tem o
badalar dos momentos festivos e os crentes, em silêncio e cosidos contra os
muros de granito, mostram um semblante sombrio, a que se junta o matraquear dos
sapatos das mulheres no empedrado das ruas estreitas.
Estou só, afundado nos meus pensamentos. Esta primavera
outonal, impede-me de renascer. Atira-me para o meu passado, quando, da janela
da minha casa de infância Choupalina, eu via a dança do vento por entre as
folhas dos eucaliptais. Corro ao encontro desse passado. Corro ao encontro das
minhas raízes e memórias. Corro ao encontro do meu Choupal, sedento de me
sentar no regaço de minha mãe. Corro perante este clamor feito de mudez,
inscrito nas páginas pardas da minha existência sofrida. É lá longe, no
Choupal, que repouso das minhas mágoas. Que as transporto para a foz de um rio
que foi meu berço e Mondego se chama. É nas suas margens vetustas, que danço
uma valsa ao som de violinos de antanho. Uma valsa em que a Saudade é meu par,
de folhas de eucalipto vestida. Em rodopios suaves, suspiro pelo regresso ao
meu passado. E, ali ao lado, encalhado na margem dos meus desejos, a Barca do
Tempo. De um Tempo que partiu. Já só resta a voz longínqua do barqueiro que, da
outra margem da Vida, me chama na busca perpétua do Eterno.
Quito Pereira
Autêntico poema em prosa,salteado de saudosismo mas com a chancela de esperança...
ResponderEliminarA Barca do Tempo transporta-nos a todos até ao encalhamento final mas o que lá vai,lá vai... todavia causa-nos uma certa nostalgia saudável,digo eu!
Acompanhei-te com alegria neste teu caminho de regresso ao passado.
Caro amigo! Um dia destes...percorremosa pé...o teu Choupal, o qual, se houver inteligência, recuperará a beleza de tempos idos!!! Grande abraço e obrigado pela tua bela "poesia"!!!
ResponderEliminarSempre bucólico, sempre romântico, sempre saudosista!
ResponderEliminarE tu Quito, meu amigo do coração, que com toda a simplicidade de me transmitir o que te vai na alma, me emocionas, me comoves levando-me ao passado e trazendo-me a mim também, pedaços de vida já longínquos vividos neste no nosso lindo Choupal,que estando por vezes adormecidos, nunca serão esquecidos! Só tu Amigo para me sacudires e me despertares para esses momentos inolvidáveis dum passado que já vai ficando remoto!!!!
Gostei muito Quito, obrigada e toma lá....um beijo!
TERESA LOUSADA
Fez-me tristeza o teu texto. Mas, é tão belo...............
ResponderEliminarQuito tem calma,porque isto está tratado,
ResponderEliminarsó ainda não foi resolvido.
Alegra-te.
Acreditando no futuro em pleno infortúnio presente, o Quito rápidamente nos fala da Saudade que sente pelo seu Choupal. Não haja dúvidas que não são precisas grandes distâncias, nem longos tempos de ausência para sentirmos a saudade daquilo ou daqueles com quem estivemos em contacto e de que uma forma ou outra nos marcaram. A sua forma de nos apresentar o aspecto taciturno das cegonhas, leva-nos a pensar em todo o tipo de vida que conhecemos e que sofre o peso das intempéries mas que melhor ou pior se acabam por ultrapassar.
ResponderEliminarCom uma forma de nos expôr os assuntos como só o Quito sabe, fez-me pensar no caminho percorrido. Bem hajas.
É realmente um belo poema em prosa, Quito! A Primavera que tarda em chegar... mas vem aí! Depois... viagem ao passado, ao teu choupal! Fui contigo, dancei a valsa, sabes?
ResponderEliminarNão dês ouvidos à voz do barqueiro...
Gostei muito
Beijinho pró casalinho
Este início de primavera completamente descontrolado deixou-te com o ânimo muito em baixo e só vês as cegonhas com aspecto taciturno, o sino com um toque a cana rachada e até os saltos dos sapatos das mulheres te ferem os ouvidos!!!
ResponderEliminarEntão refugias-te no silêncio do escritório(ou no quarto...) e afundas-te nos pensamentos!
Claro! O que te aparece logo de imediato é o choupal!Começas a desfiar tudo o que na infância te marcou!
Passas pelas lembranças familiares mais intimas, percorres todos os recantos da mata, vês a água do Mondego a correr, danças ao som de violinos imaginários, tudo ao ritmo de uma valsa a que chamas de Saudade!
E antes de adormeceres ainda consegues ouvir o barqueiro a chamar-te com voz sumida, lá do além, dizes tu- ao encontro de um perpétuo Eterno-!!!
Calma aí Quito!Este final fica bem na prosa,mas porra, não dês ouvidos ao barqueiro!
" (... ) Estou só, afundado nos meus pensamentos. Esta primavera outonal, impede-me de renascer. Atira-me para o meu passado (...)"
ResponderEliminarNão estás só, Quito!
Regressar ao passado deveria servir, apenas, para entendermos o presente e para projectarmos o futuro.
Infelizmente há razões que, por vezes, nos amarram ao passado e não nos deixam vivermos o presente nem sonharmos com o futuro.
Esta estranha Primavera que este ano nos tem ensombrado é uma das razões que nos acarreta melancolia e desesperança.
Não só a ti, mas a muitos de nós.
Por isso eu digo que não estás só...
Olha, amigo Quito, navegamos todos na mesma barca...ou semelhante!
ResponderEliminarO barqueiro chama? Olha, deixa-o a falar sozinho.
Admiro a tua cumplicidade inspiradora com o CHOUPAL!Gostei imenso de ler este lindo texto, olhando para este céu azul cheinho de Sol!!!Amanha prometem-nos jà o verao com temperaturas da ordem dos 25°!!!O nosso metabolismo anda perturbado.
ResponderEliminarMas tem graça que nunca tive là grande inclinaçao para o CHOUPAL!Lembro-me perfeitamente dum poço verde que là existia e onde chegou a haver afogamentos.Para mim foi sempre o MAR que recolhia todas as minhas atençoes!!!O MAR falava-nos das nossas aventuras amorosas!A areia, a espuma das ondas, o cheirinho maritimo faziam parte do nosso quotidiano poético!As musas adoravam, sobretudo quando apareciamos de guitarra na mao!!
Grande abraço, QUITO!
Quito, cantaste a angústia triste duma primavera que não desponta embrulhada nas memórias que te transportam ao teu Choupal, que trazes contigo colado à pele, fazendo parte de ti...
ResponderEliminarGostei.