sábado, 18 de junho de 2011

ENSAIO SOBRE UMA VALSA TRISTE.

" ...mais de duas décadas de afectos, silêncios e cumplicidades ..."
José Saramago falleció ayer en Lanzarote de “forma serena y plácida”, a los 87 años, trás una larga enfermedad. El Nobel português, medalla de oro de Canarias e hijo adoptivo de Tiás, se enfrentaba a una leucemia crónica que fue agotando su vida hasta la mañana de ayer después del desayuno. Portugal y España lloran al Nobre del compromisso. La capilla ardiente quedo instalada en el Biblioteca de la Fundación que lleva su nombre donde su viúva Pilar del Rio, leyó ayer fragmentos de su obra…Foi assim, que o jornal “La Provincia”, de Las Palmas, anunciou o passamento do nosso Nobel da Literatura, José Saramago. Todos os jornais espanhóis e todas as “cadenas” de televisão, deram grande relevo ao infausto acontecimento. Alguns mesmo, relegaram para segundo plano, o acontecimento mediático do momento: o campeonato mundial de futebol e a sua Selecção Espanhola. Numa infeliz coincidência, por me encontrar na zona onde Saramago morreu fisicamente, tive a oportunidade de ler alguns jornais diários, bem como acompanhar no silêncio do meu quarto de hotel, a entrevista que o escritor deu em 2OO3 a uma estação de televisão local, que a retransmitiu em Sua honra. Durante mais de uma hora, sorridente e cordato, Saramago dava uma imagem não muito consentânea com o que lhe era normal ver. Aquele seu semblante carregado, desvaneceu-se completamente. Entre muitas coisas, falou, com orgulho, do grande amor da sua vida: Pilar del Rio. E aí, os seus olhos brilharam e os lábios sorriram, ao falar daquela que foi a sua grande companheira, o seu suporte emocional, a sua âncora afectiva. Com ela viveu muitos anos. E ela, muitos anos mais nova que ele, rendeu-se aos encantos de um Homem que não tinha um feitio fácil, por vezes ácido e truculento, fruto, quiçá, de um espírito irrequieto e rebelde, mas que, no seu refúgio de Tiás, construiu com Pilar uma cumplicidade de amor que roçava a paixão. O escritor, de aspecto austero, era porém um romântico, que amou, até ao último dia da sua vida, a atraente e dedicada Pilar del Rio. Naquela pequeno “pueblo” de Tiás, Saramago era muito estimado e respeitado pela comunidade. Era parte integrante daquele povo. A ninguém passou despercebida a sua faceta humanista, e a sua preocupação com os mais desprotegidos da vida. E foi ali, na pequena biblioteca da singela povoação, que todos fizeram questão de comparecer, para ouvir, pela última vez, pela voz de Pilar del Rio, de semblante sereno e com a dignidade que o momento merecia, os últimos acordes de uma valsa. Uma valsa que dançaram a dois, por mais de duas décadas de felicidade. Bailada em rodopios cada vez mais lentos, pela enfermidade que o apoquentava. Mas, nesta engrenagem sinistra da vida que nos rouba os sonhos, os violinos calaram-se, e as luzes da ribalta apagaram-se para sempre. O par desfez-se. O corpo exausto do bailarino, que se guindou aos píncaros da fama literária pela excelência da sua escrita, saiu de cena. E a bailarina, que no recato da sua modéstia exemplar, foi o PILAR reconfortante da Sua vida, abandonou a sala. Ficarão, para sempre, na memória, os acordes de uma valsa triunfal. O Destino, ignóbil e impiedoso, cumpriu a sua tarefa. Mas os Ventos Eternos de Lanzarote, continuarão a disseminar por todo o Universo, a Imortalidade da Sua Obra. Na pista de dança, às escuras, já não resta nada. Talvez, apenas, os acordes soturnos de uma valsa triste.
Q. P. (24 de Junho de 2O1O)

(... no primeiro aniversário da morte de José Saramago ...)

9 comentários:

  1. Gostei muito deste teu artigo do Quito. Deste-lhe um toque como só tu sabes dar nestas situações. De facto enquanto vivo, foi o português que mais ouvi falar por estes lados. Quanto a Portugal ter ficado de luto, pelo que conheço, talvez uma parte. É pena pois temos grandes valores de todos os pontos cardeais mas .... somos ricos.

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  2. Abraço, Chico. Portugal, não valoriza muito o que tem. Saramago é "apenas" o nosso prémio Nobel de Literatura. Hoje, teve em Lisboa uma homenagem singela, onde esteve presente gente das mais variadas sensibilidades políticas. Eu estava nas Canárias, quando ele faleceu. Vi muitos jornais de lá. Em todas as primeiras páginas, o grande destaque era Saramago. Vivemos mergulhados em clãs e interesses mesquinhos. Sempre a preocupação de tentar destruir quem atinge um patamar elevado de notariedade. Aquele refúgio de Lanzarote, deu ao nosso Nobel a tranquilidade que Saramago precisava, longe das invejas e da intriga conveniente das clientelas. Depois, Pilar. O seu suporte emocional e dedicada companheira. O seu porto de abrigo. Este texto já tinha sido públicado no "Cavalo Selvagem", alguns dias após a sua morte. Hoje, não foi repetido com o intuito de ser comentado. Foi o meu pequeno contributo, como seu compatriota, de relembrar o escritor. Apenas e só, a minha humilde homenagem a um dos nossos maiores. Independentemente de gostar ou não, da sua forma de escrever ...
    De qualquer forma, obrigado por dares o teu contributo, na lembrança desta Homem, português como nós...

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  3. Uma homenageem merecida ao nosso Nobel da Literatura, José Saramago!
    Sou apreciadora da sua escrita e admirava o amor do casal, ainda hoje se notava na atitude de Pilar, aquando depositou as suas cinzas junto à oliveira que o viu crescer!

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  4. Faz-nos falta aquela lucidez.
    E tu, Quito, ainda vais insistir no "não sei escrever"?! Saem mais dois finos, carais!

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  5. Fizeste muito bem em repor este texto!
    Não posso dizer que sou apreciador da escrita de Saramago pela simples razão porque nunca tive o hábito de ler livros(claro já li um ou outro de autores portugueses...mas de poucas páginas...), mas reconheço que este escritor tem mérito absoluto(embora polémico) e por isso recebeu o Prémio Nobel de Literatura, o que foi uma honra enorme para Portugal!
    Agora uma confidência: para mim os meus escritores preferidos são o Quito e o Rui Felício!
    Escrevem bem que se fartam e não me fartam os textos: têm o tamanho ideal para os meus bichos carpiteiros!
    Estou muito mais culto desde que vos leio!
    Não precisam de me pagarem um fino!
    Digo isto com inteira lucidez!

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  6. Já conhecia este teu texto e dou-te os parabéns por aqui de novo o tazeres como homenagem a Saramago no aniversário do seu falecimento.

    Da cerimónia realizada hoje em Lisboa, que referes como singela, e que teve o apoio do Presidente da Câmara de Lisboa transcrevo:

    Cerca de 300 pessoas assistiram hoje (18), em Lisboa, à cerimônia de deposição das cinzas de José Saramago debaixo de uma oliveira centenária transplantada da sua aldeia natal para a Casa dos Bicos, futura sede da fundação com o nome do escritor.
    Exatamente um ano depois da sua morte, em 18 de junho de 2010, e na mesma hora em que morreu (11h30), iniciou-se a cerimônia de homenagem ao Nobel de Literatura português, no Campo das Cebolas, em Lisboa, ao som dos tambores da orquestra de percussão Tocá Rufar.
    O professor e cantor lírico Jorge Vaz de Carvalho leu um texto de Saramago sobre Lisboa, intitulado Palavras para uma Cidade. A viúva do escritor e presidente da Fundação José Saramago, Pilar del Río, levou rosas brancas para a cerimônia.
    A escritora Lídia Jorge, em tom emocionado, decidiu partilhar com os presentes uma mensagem para Saramago, intitulada Palavras para Ti. “Tu não serás as cinzas que Pilar vai depositar sob a oliveira (…), serás os milhares de páginas que escreveste (…) De resto, nós queremos que este momento seja alegre, que sejas seiva desta cidade”, afirmou. “Quanto a nós, enquanto formos vivos, recordar-te-emos sempre. Não temos outra eternidade para te dar.”
    Em seguida, Pilar del Río depositou as cinzas do marido nas raízes da oliveira, escolhida pelo presidente da junta da freguesia Azinhaga, Vítor da Guia, por ser aquela onde ele imaginava que pudesse estar o lagarto verde que Saramago descreve no seu livro As Perquenas Memórias.
    As cinzas foram cobertas por terra pelo presidente da Câmara Municipal de Lisboa. No local, há um banco de mármore, com duas placas de pedra embutidas no chão. Na primeira, do lado esquerdo, está escrito José Saramago 1922-2010. Na outra, a última frase do romance Memorial do Convento: “Mas não subiu para as estrelas, se à terra pertencia”.

    Abílio

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  7. Como penitência, que o Abílio reconhecerá, vou transcrever o final de As Pequenas Memórias a propósito do lagarto verde.

    " A pouca distância do quintal dos meus avós havia umas ruínas. Era o que restava de umas antigas malhadas de porcos. Chamávamos-lhes as malhadas do Veiga eu costumava atravessá-las quando queria abreviar o caminho para passar de um olival para outro.
    Um dia, devia andar pelos meus dezasseis anos, dou com uma mulher lá dentro, de pé, entre a vegetação, compondo as saias, e um homem a abotoar as calças.
    Virei a cara, segui adiante e fui sentar-me num valado da estrada, a distância, perto de uma oliveira ao pé da qual, dias antes, tinha visto um grande lagarto verde.
    Passados uns minutos vejo a mulher a atravessar o olival em frente. Quase corria. O homem saiu das ruínas, veio para mim ( devia ser um tractorista de passagem na terra, contratado para algum trabalho especial) e sentou-se a meu lado. «Mulher asseada», disse. Não respondi. A mulher aparecia e desaparecia entre os troncos das oliveiras, cada vez mais longe. «Disse que você a conhece e que vai avisar o marido.» Tornei a não responder. O homem acendeu um cigarro, soltou duas baforadas, depois deixou-se escorregar do valado e despediu-se: «Adeus.» Eu disse: «Adeus.» A mulher tinha desaparecido de vez. Nunca mais tornei a ver o lagarto verde. "

    Quito, obrigado por teres reposto este teu texto.
    Abraço para ambos os dois.

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  8. Dou a mão à palmatória...
    Só recentemente aprendi a gostar de Saramago. Ou, melhor dito, só há pouco tempo aprendi a gostar da escrita de Saramago.
    Não tanto da forma, mas dos seus conteúdos, das mensagens que as mais simples frases encerram.
    Porque, mais do que as roupas que vestem o corpo, mais do que a carne que o envolve, é a mente que nos transmite as ideias.
    O Quito, através do seu memorial e de um comentário ao próprio texto, traduz exactamente a minha forma de pensar quanto ao estilo de Saramago.
    Hesitei se devia ou não manifestar aqui o que penso sobre Pilar del Rio. Faço-o, ciente da polémica que possa gerar. Mas é o que penso:
    Pilar del Rio, gerou em Saramago aquilo que lhe faltava. A suavização dos modos e o amor.
    Deu-lhe a visibilidade mundial que, de outra forma, só apareceria muitos anos depois da sua morte. Como acontecerá com outros grandes escritores portugueses contemporâneos.
    Esses méritos são inegáveis e de aplaudir.
    Já não estou tão certo se o terá feito de forma absolutamente desinteressada.

    Parabéns Quito, pela forma clara como escreveste!

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