Gostei dela desde que a conheci, há já tantos anos!
Foi ao longo da vida a minha inseparável companheira, a minha confidente. Conhece todos os meus segredos, os meus anseios, os meus projectos, sempre disponível para me ajudar na resolução dos mais intrincados problemas. Sem um queixume, sem um reparo...
Partilhei com ela os momentos de felicidade que a vida me proporcionou e nunca me regateou todo o apoio nos momentos menos bons.
Sem que outros nisso reparassem, passei horas infindas a deslizar os meus dedos no seu corpo elegante que, em resposta e às ocultas, se aconchegava a mim tornando-nos num só ser, num destino comum. Mesmo quando alguma contrariedade se apoderava de mim, nunca descarreguei nela a minha raiva. Pelo contrário!
Todavia, nunca deixámos transparecer a intimidade que nos ligava! Foi uma relação espúria, que sempre procurámos esconder. Protegemos ferreamente, dos olhos dos outros, a nossa privacidade, o nosso segredo. Todos achavam que a proximidade e o conluio, não ultrapassavam os limites da simples relação profissional.
Contudo, era bem mais do que isso.
Se, no escritório, ela pautava os seus comportamentos por uma exclusiva e eficiente execução do trabalho, quando nos encontrávamos a sós, em minha casa, em inesquecíveis e longas noites de intimidade e de sonho, os assuntos de trabalho eram relegados para segundo plano e discorríamos sobre o amor, sobre a vida, sobre o passado, sobre as perspectivas de futuro...
Mas tudo tem um fim.
Farta da obscuridade a que a submeti durante anos, cansada de ser a parda sombra de um oculto desejo do protagonismo que, injustamente, nunca lhe concedi, ela decidiu vingar-se e o inesperado aconteceu.
Ao outorgar um importante contrato, numa cerimónia formal de grande solenidade e na presença de respeitadas figuras de topo que o testemunhavam, a minha fiel e antiga caneta de tinta permanente deixou cair propositadamente um grosso jacto de tinta azul que se espalhou por cima da página final do contrato, esborratando a assinatura que eu acabara de fazer.
Rui Felício
Isto já me aconteceu, precisamente assim! Eu tenho a mania das canetas de tinta permanente e, uma vez numa cerimónia importante em que eu tinha que fazer uma assinatura num protocolo, levei uma bonita caneta de prata oferecida pela minha mulher e... não foi como na história....mas não escreveu...abanei, abanei...recusou-se a escrever...foi uma vergonha!
ResponderEliminarComigo aconteceu mesmo assim como eu contei. E não há muito tempo. Ainda por cima, o contrato tinha sido feito em cartório notarial e as junções das folhas já estavam todas agrafadas e carimbadas.
ResponderEliminarMas isso era o menor dos males, porque tudo poderia ser refeito, como foi.
A vergonha por que passei com todos aqueles
pares de olhos importantes a olharem para mim, alguns acompanhados de sorrisos sacanas, é que foi o pior.
A minha mania das canetas de tinta permanente é de longa data. E, queira-se ou não, estabelece-se uma cumplicidade entre mim e elas quase pessoal...
Desta vez era uma caneta. Desconfiei do embuste logo na primeira linha. Sabia que ia ser surpreendido. Por isso, deixei-me guiar, voluntáriamente, pelos caminhos que o autor me fez calcorrear. Mas se me perdi nos labirintos de uma espécie de armadilha bem urdida, o mesmo não direi da prosa. O jacto de tinta que esborratou a assinatura do contrato, foi pormenor de somenos importãncia. A matriz de escrita Rui Felício, estava lá. E nem foi preciso a diligente quarentona de peito farto, funcionária da Conservatória, dizer com aquela sua voz irritante e grasnada ...Dr. Felício,por favor, rebole aqui o dedo indicador na almofada .Água e sabonete para depois lavar as mãos, é ao fundo do corredor ...
ResponderEliminarAbraço Felício
O acto não decorreu na Conservatória, amigo Quito.
ResponderEliminarAntes tivesse sido, antes tivesse sido!
Porque assim teria compensado a minha vergonha com o peito farto da tua funcionária quarentona...
Bem Rui, por falar no desconforto da caneta que falha, reparei, porque assisti aqui na televião do meu escritório, que na tomada de posse do novo governo, a caneta de um dos ministros recusou-se a escrever. Tentou duas ou três vezes, até que lhe emprestaram outra. Um momento delicado, quando todos diziam que nada pode falhar. Oxalá não seja um mau pronúncio ...
ResponderEliminarA do ministro seria a do Rui Felício, Quito? Não me digas que a dele anda de mão em mão, pá!
ResponderEliminarDesta vez falhei o palpite!
ResponderEliminarConfesso que pensei que a "coisa" ia acabar numa esferográfica...
Um abraço.
Olha Rui, mesmo assim foi preferível o borrão de tinta ter caído sobre a assinatura do que sobre a "Márcia"!
ResponderEliminartambém uso caneta de tinta permanente...mas que agora não são de encher num tinteiro.
ResponderEliminarSão embalagens apropriadas que se metem duas de cada vez no corpo da caneta!
Penso que com estas não corremos o risco de nos deixarem envergonhadas com o "borrão"!
Mais um texto à Felicio com o suspense habitual!
Estou a ficar um homem cada vez mais culto!
Leitura e da boa não me falta!
para a próxima não te esqueças da Tonicha...
ResponderEliminarJá tenho papel e tinta
Caneta e mata-borrão.......
As caneta por norma, dão problemas em todos os usos.
ResponderEliminarTonito.
Companheiro Tonito:
ResponderEliminarAo que me dizem,a caneta deixou de causar problemas.
Com as normas civilizadas,que a ASAE controla,a caneta só pode ser utilizada naquelas condições que o RF descreve.Mesmo essas,as dos ricos,de tinta permanente,esborratam...
As outras,de imitação,com cartucho como Dom Rafael "diz",não são fiáveis.
Nada como um bom mecânico que nos faça substituição das peças da caneta.
Há mais de 30 anos,um velho amigo já falecido,que acampava comigo no "tropical",usava uma bomba de ar no bolso das calças!
Corpo de Deus!
...imitação uma "ova"!!!!
ResponderEliminarSão canetas de primeira até têm ouro espalhado pelo corpo INOX!!!!
Invejoso!!!!!
Que diabo.Já não se pode ser invejoso?!
ResponderEliminarEu uso a BIC ponta fina ou,quando quero uma obra mais visível,a Futura!
Quando deixam de funcionar,deito fora e compro outras.
Depois de, ao longo de muitos anos, ter sido a sua inseparável companheira, sua confidente, sua amante acariciada, descobriu que não lhe era dado o protagonismo que lhe era devido.
ResponderEliminarCansou-se do seu amo e senhor, cuspiu-lhe a revolta...
Estou certo, contudo, que terá sido apenas uma chamada de atenção, uma espécie de "acordai", senhor.
Hoje, porque as novas tecnologias a isso o obriga, o seu senhor guarda-a num recanto reservado do seu coração.
E dela se vai servindo sempre que dela precisa.
E ela não se queixa, nem por isso, da subalternização a que foi sujeita.
Encolhe os ombros, olha para ele com olhar terno, e limita-se a pensar: sinal dos tempos...
Grande abraço.
mas onde é que eu já ouvi isso:SINAIS DOS TEMPOS"!!!
ResponderEliminarÓ Rui eu também quando uma "carga" se gasta entra a suplente! Não a deito fora até porque tem ouro!
Tem calma!
Foi oferecida!
Por acaso posso dizer que impressiono os assistentes das minhas assinaturas , não só pela assinatura com marca registada no Notário...mas pela elegância da caneta!
Alguns até dizem...para Ministro já não falta tudo!
Mas, Dom Rafael, tens de convir que nunca tinhas ouvido uma caneta a pensar...
ResponderEliminarNão, e tanto pensou que se borrou!
ResponderEliminarE quem se lixou foio Rui Felício!
E eu, que até tentei fazer uma coisa carregada de poesia, saio daqui todo borradinho...
ResponderEliminarÉ a vida...
...É a vida! E tanto pensou também... que acabou Refugiado!
ResponderEliminarAcautela-te,Dom Rafael.
ResponderEliminarPara Ministro,já não deves ter hipótese.Mas,com essa elegante caneta,recarregável,ainda te podem exigir o supremo esforço de presidires à Comissão de Extinção do Governo Civil.
Desculpa a brincadeira.
Um abraço.
E eu é que tenho a fama de noctívago...
ResponderEliminarAté logo, meus amigos. Vou-me refugiar em vale de lençóis...
Não lhe queiras assim tanto mal!
ResponderEliminarNão seria justo que "a minha caneta de estimação, que não se borra como a do Rui Felício, fosse fazer a acta(ou ata) da extinção de "UMA COISA INÚTIL!)AMEN!
Calma aí senhor Viana!
ResponderEliminarA hora de encerramento para nós os dois é às 3 da matina!
O Rui Lucas despega mais tarde!Também só se levanta para almoçar!
Não sejas injusto.
ResponderEliminarCada um tem a sua cruz.
O Rui Lucas ainda tem de ir tratar das suas queridas osgas e eu ainda tenho de passear a minha querida cadela.
E, agora, já me posso retirar?
Lá exigir, exige! E o resto ?...
Nem mais uma virgula!
Pronto!
ResponderEliminarAgora também fecho o escritório!
Durmam bem,queridos amigos.
ResponderEliminarDaqui a pouco irei fazer o mesmo.
Agora vou ter que preparar o fatinho.Amanhã é dia de procissão.
Um abraço.
Rui mais uma das tuas com muito charme e que deixou muito bem disposto.Agora que estou em completa liberdade profissional,desde sábado, a minha querida caneta vai começar a trabalhar e é já em Braga a partir de 6 de Julho.Ela é uma caneta que geralmente deita muita tinta para cima de pessoas pobres de espirito ,e que para nada têm contribuido para o bem estar comum.
ResponderEliminarNo passado houve neste blogue espaços em que andávamos à procura dos locais. Com os textos do Rui Felício vamos imaginando o que vai acontecer para no fim encontrarmos uma realidade bem diferente pois até chegarmos ao escritório estava a pensar num gato. Só que chegando ao escritório, bem..., desta vez o orgulho do Rui Felício ficou tocado, como se diz por estes lados.
ResponderEliminarTal como nos habituou, acabei de ler um bom texto
ResponderEliminardo Rui Felício.
Creio que não há ninguém que não tenha uma "estória" sobre canetas.Ainda me lembro que um
dia, ao despir o casaco, tinha uma "mancha"
enorme, de tinta azul, no bolso interior.A caneta
resolveu abrir-se.....e pronto.
Depois disso...só tive esferográficas até que,
um dia, ofereceram-me uma "water Man".Fiquei
contente e disse à pessoa que ma ofereceu que,
a partir daquele momento, também faria questão
de "puxar" pela caneta e assinar "com toda a
cagança". O pior, foi quando isso aconteceu, ela
simplesmente se negou.
A tinta da carga tinha secado.
mariorovira