FIGURAS DO BAIRRO - DOM ROBERTO
Ele, a mulher e uma filha da nossa idade, distribuíam entre si, debaixo dos braços e à cabeça umas tábuas com panos coloridos e uma mala de cartão grosso onde guardavam os apetrechos e utensílios do espectáculo.
Na Praça dos Açores pararam e, em poucos minutos, o pai montou, no relvado, com a ajuda da mulher, o cenário de cores berrantes onde tudo se iria desenrolar. Era um pequeno cubículo de quatro faces, da altura de um homem, aberto em cima. Na face principal, virada para o público, estava montado um pequeno palanque onde deambulariam as personagens.
A miúda, com os seus 9 anitos de idade, rufava um pequeno tambor pelas ruas adjacentes, chamando os espectadores.
Ao fim de um quarto de hora, umas dezenas de assistentes onde predominava a miudagem mesclada com alguns adultos, já se concentravam em frente ao improvisado teatro.
As célebres pancadas de Molière deram início à acção, depois de a mulher elucidar a assistência sobre a peça. Tratava-se de “O Barbeiro”. Já a tinha visto antes, assim como outras, mas, de cada vez que a ela assistia era como se fosse a primeira vez. Arrepiava-me a sonoridade roufenha e estridente das vozes das personagens, que mais tarde vim a saber que era obtida por uma palheta vocal. E fantasiava sobre a vida daqueles toscos bonecos de madeira manobrados com destreza pelo homem escondido atrás dos tapumes.
D. Roberto, o eterno herói, no dia do seu casamento, já vestido a rigor, foi fazer a barba. O barbeiro, de navalha em riste ia escanhoando a cara do D. Roberto, mas a sua inabilidade causava-lhe inúmeros golpes que ia disfarçando com uma pedra translúcida.
No fim do trabalho, o barbeiro apresentou a conta que o D. Roberto se recusou a pagar, porque a achava exagerada e porque o trabalho tinha sido mal executado.
O litigio degenerou em cenas de pancadaria entre o D. Roberto, o barbeiro, a mulher do barbeiro e até o polícia.
No auge da refrega o barbeiro foi morto a golpes de pauladas que o D. Roberto lhe desferia continuamente na cabeça.
Entra em cena finalmente a Morte, boneco aterrador envolto num manto negro que vinha buscar o barbeiro. Mas a Morte não o queria levar só a ele. Queria levar também o D. Roberto.
A peça terminava com a morte da Morte, vítima das violentas pauladas que ia recebendo do herói D. Roberto, que depois de vencer todos os antagonistas, vencia também a sua própria morte. Sob uma chuva de aplausos e gritos da cahopada!
E umas míseras moedas que a mulher e a miúda recolhiam dos espectadores mais velhos, num ensebado chapéu de feltro, enquanto o homem ia desmontando a traquitana…Rui Felício
Era sempre um motivo de grandes gargalhadas! O D.Roberto, às vezes exagerava nas pauladas e lá ia a "boca de cena" ...ao chão! Parabéns Rui, por mais um belo texto. Ainda haverá este tipo de teatro???
ResponderEliminarLembro-me muito bem dos 'Robertos' e ainda mais do medo que eu tinha deles...Ainda hoje não gosto de marionetes e palhaços, mas de minha casa assistia ao espectáculo que, algumas vezes, era mesmo à porta da Milita, no início da minha rua.
ResponderEliminarBoas memórias as tuas, Rui, até a história lembras!E contada por ti, chego a sentir pena do medo que sentia...:((
Levaste-nos de novo a mergulhar nesse mar translúcido da memória…
ResponderEliminarNem sempre era perceptível a história da forma como foi contada, porque por vezes era tanta a paulada que se perdia o sentido da história.
Lembro-me particularmente do Roberto na praia da Figueira e da alegria e alvoroço que surgia com as dezenas de pequenos que se juntavam... então, aí, a história ia-se prolongando com cenas intermináveis de pancadaria, para alegria dos miúdos, que gostam sempre dos mais fortes e admiram os vencedores conforma a outra História vai enaltecendo, até que, junto de toda a pequenada , fosse recolhido o dinheirito que os pais tinham dado para os Robertos.
Boa memória,Rui.
ResponderEliminarAinda hoje gosto dos Robertos.
Anualmente,assisto ao espectáculo montado na Praça do Cego,na Póvoa de Varzim.
Funciona,ainda hoje,tal como descreves.
A criançada,e eu próprio,assiste com devoção.
Em Agosto,certamente,tornarei a assistir.
Um abraço.
também assisti e talvez mais do que uma vez a este teatro de de Robertos e talvez alguma das vezes na ponta do terreno, junto à rua Infante Santo, ainda o edificio do Centro não estava construido.
ResponderEliminarOutros "teatros" de outro género, mas também familiar e que metia sempre uma caixa a rufar para chamar a clientela!
E havia sempre assistência, principalmente pequenada.
Mas a "quete" que depois faziam para compensar o seu trabalho e ajudar ao seu sustento não me parecia que fosse compensadora!
O Rui retrata bem este tipo de teatro de marionetes, que era afinal o ganha pão daquela familia!
Fazia rir a pequenada e sempre caíam umas moedas que lhes ía porventura a ajudar a enganar o estomago!
Com o tempo desapareceram!Até mesmo mais elaborados e nos programas de TV para crianças, deixaram de aparecer!
Afinal o Rui Lucas ainda continua a assisir a estas exibições dos Robertos!
ResponderEliminarTambém tem o rufar da caixa?
Claro que estamos todos sem saber se se trataria da mesma família que percorria o país com os seus "Robertos".
ResponderEliminarCoimbra, Figueira, Póvoa do Varzim já foram sinalizados como locais de actuação. Eu acrescento o Porto.
Também eu me deliciei com "os Robertos" - era mesmo assim que eram conhecidos - lá para os lados das Antas, na agora Praça Sá Carneiro.
Se eu tivesse a memória prodigiosa do Felício, poderíamos comparar as histórias contadas mas, infelizmente, apenas retenho na memória as sonoras pancadas descarregadas aos gritos de "ora toma, toma, toma!" que eram transmitidos através da esganiçada palheta metálica...
O Rui Felício "insiste" em nos avivar a memória, com esta realidade de antanho que eram os "Robertos". Recordo de os ver na Figueira da Foz, e da criançada ir acompanhando aquela "feira ambulante" que, no extenso areal, faziam 3 e 4 actuações, desde o Relógio, em frente ao "Tubarão", até Buarcos. Daquela arte - porque de uma arte se trata - sempre a vertente pedagógica com o triunfo do Bem sobre o Mal. Resta-me acrescentar que o colorido do espectáculo é também nota dominante, e neste particular a forma como o autor conseguiu pela escrita reviver aquela fantasia animada, fazendo o leitor "viver" aqueles momentos que hoje já são uma saudade.
ResponderEliminarAbraço Felício
Que memória! O Rui Felício e o Rafael vieram-me reavivar o tempo em que vi os Robertos no lugar aonde hoje é club. Por aqui este tipo de teatro ainda hoje existe mas feito em palco. É a alegria da miudagem e dos graúdos.
ResponderEliminarNormalmente,antes do espectáculo dão uma volta na Marginal e na Junqueira,com a caixa e a gaita de foles.
ResponderEliminarClaro que há peditório e parece-me render uns euros.
Só ao fim de 60 anos percebi a estória que aqueles bonecos contavam!
ResponderEliminarObrigada, Rui.
Lembro-me de os ver aqui no Bairro e na Figueira, mas nunca apreciei as cenas de violência, assustavam-me!
Hoje gosto do teatro de marionetas e admiro os artistas.
Há anos largos que não vejo os Robertos.
ResponderEliminarE a CABRA do equilíbrio,(gargalo de uma garrafa de cerveja).
Tonito.