terça-feira, 7 de junho de 2011

FIGURAS DO BAIRRO

OURIVES AMBULANTE
( Monumento em Febres )
De onde em onde, educado mas pouco falador, de bigode de pontas retorcidas, chapéu de aba larga e fato cinzento, o Sr. Almiro aparecia montando na sua bicicleta preta. Por cima da roda traseira, atada ao selim com uma forte tira de cabedal, transportava uma caixa de  chapa verde com duas grossas fechaduras de ferro, onde se  escondia uma grande quantidade de peças de ouro, que os olhares dos homens e das mulheres do bairro trespassavam, sonhando com a riqueza ali fechada a sete chaves.
Era um ourives ambulante que, ciclicamente, visitava as casas do bairro para tentar vender as peças que trazia consigo ou para comprar aquelas que, com vergonha e tristeza, longe das vistas da vizinhança, alguns lhe vinham oferecer, a troco do dinheiro que lhes fazia falta para fazerem face à dureza da vida.
Ainda jovem, numa dessas vezes, observei, curioso, a forma como o Sr. Almiro, antes de estabelecer o preço, testava a natureza e a autenticidade do ouro dos fios, das pulseiras, dos anéis, dos brincos, dos colares, que uma vizinha se propunha vender-lhe.
Trazia consigo uma pedra negra e, concentrado, nela fazia um risco com cada peça de ouro. Olhava-o, mirava-o, soprava-lhe e depois pesava a jóia numa pequena balança incrustada na caixa de chapa metálica.
Só muitos anos mais tarde vim a saber que o método de avaliação, de grande simplicidade e eficácia, velho de séculos, consistia em comparar o risco feito naquela pedra pela peça de ouro a comprar, com outro sulco que já lá estava, vincado anteriormente por um pedaço de ouro verdadeiro já devidamente testado.
O seu olhar experiente, determinava, assim, pela comparação da similitude ou da diferença dos dois sulcos, a autenticidade ou não do metal da jóia que se aprestava para comprar.
O sopro destinava-se a verificar se do risco que fizera, saiam algumas poeiras, sinal de que a liga metálica, nesse caso, não era pura, que continha mistura de outros minerais menos nobres e que tinham ficado depositadas no vinco.
Soube, anos depois, que essa pedra negra, que pode ser um pedaço de basalto, de jaspe ou mesmo de ardósia, se chama “pedra de toque”.
Rui Felício

18 comentários:

  1. Engraçado o teu texto Rui!
    E ainda mais interessante, porque o Zé Penicheiro tem um quadro com a figura do Ourives de Febres - Cantanhede.
    O texto, como sempre, uma preciosidade!

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  2. Este texto do nosso amigo Rui Felício, fala do ourives ambulante. Interessante a forma como era avaliado o ouro verdadeiro. Desconhecia este personagem que percorria bairro, e que por vezes adquiria ouro para valer às aflições de alguns.
    Na zona de Mira, existiam uma série de ourives ambulantes. Curioso, que na minha próxima colaboração com o blogue, falarei de um ourives da Zona de Mira.Por isso, caro Rui, não deixei de sorrir. O texto é aquele da palavra "interlúdio", a que poderás juntar agora a palavra "ourives".
    Este texto não foge muito à matriz do que o Rui Felício costuma escrever.O início é apenas o pronúncio do que vinha a seguir e não posso deixar de transcrever, porque gostei ..." de onde em onde, educado mas pouco falador, de bigode de pontas retorcidas, chapéu de aba larga e fato cinzento, o Senhor Almiro aparecia montado na sua bicicleta preta ...". Depois mais uma série de pormenores que enriquecem o texto, dando-lhe, inclusivé, um carácter didático, na forma a como se chegou ao termo "pedra de toque"..
    Abraço

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  3. Eu tenho na minha colecção uma serigrafia do Zé Penicheiro, mas é com um farol... e duas pedras redondas na base. Poderemos chamar-lhes pedras de toque...

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  4. Não me lembro do Sr. Almiro mas recordo outros ourives ambulantes que nos traziam as suas peças e que em recato nos mostravam e propunham a venda muita das vezes com facilidades de pagamento porque a clientela era conhecida e de confiança. Não era aquele cliente que entrava pela porta do estabelecimento e não se sabia quem era nem de onde vinha mas, ao invés, era o ourives ambulante que entrava em casa do cliente que era conhecido ou recomendado por outro cliente mais antigo e que por isso era de toda a confiança.
    Agora, nos tempos de hoje, tudo mudou, o ourives ambulante só existe na nossa memória e a facilidade de pagamento em qualquer ourivesaria é dada pelo cartão de crédito que tudo facilita e que para alguns tem sido a sua desgraça e dor de cabeça.
    O Rui Felício deu-nos a conhecer a "pedra de toque" e, com a natural mestria, de forma escorreita e didática trouxe-nos a lembrança do ourives ambulante que se encontra homenageado em estátua na "sua capital" - Febres.

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  5. São Rosas essas pedras redondas na base não serão "pedras de toques"?

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  6. Aprender até morrer!!!!!
    Desconhecia esse método de avaliação do ouro, mas devia ser sem dúvida sábia e séria, ao contrário da que se pratica nos dias de hoje, que segundo me consta e apesar de existir um preço por grama estabelecido por lei, quanto mais necessidade as pessoas têm de se desfazer das suas peças, menos os que compram, dão por elas.
    Os tempos são outros e os valores morais também....
    Gostei!!!!!

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  7. Exclente texto que aborda um tema muito caro às localidades de Febres, Vilamar, Corticeiro de Cima e até de Cantanhede!
    Vivi durante 20 anos por estas paragens, tendo prestado serviço em todas estas localidades!
    Principalmente Vilamar e Febres eram quem mais ourives ambulantes(pelo menos do Distrito de Coimbra)teriam a fazer o seu negócio por Portugal!
    Havia até alguns que oriundos destas localidades, se estabeleciam por zonas lemitrofes de Lisboa e dai percorriam muitas terras vizinhas da Capital.
    Ainda vi alguns que fazim os percursos de bicicleta e até de motorizada!
    Mas os mais afortunados faziam as visitas aos clientes por todo o País mas de carro!
    Hoje em dia só de carro e com muita precaução!
    Aliás os assalto de extrema violência têm acontecido não só em Febres como Vilamar e noutras regiões do País!
    Mas agora está na moda é as lojas e os anúncios no sentido inverso!!!!
    "Compro ouro e pago em dinheiro!
    As carências são tantas...que fregueses para este tipo de negócio crece como cogumelos!
    Sinais dos tempos!

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  8. Ainda conheci o "ourives ambulante",na sua bicicleta ou em cima de uma mula.Em Coimbra,só me lembro deles de motorizada.
    Já repararam que hoje,na cidade,as lojas do ouro concorrem,em número,com as lojas de chineses?!
    Bom texto,Rui.
    Um abraço.

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  9. Ouro, o vil metal...

    Cá pelo Bairro, porque por cá sou novato, não tenho qualquer recordação destes agiotas.
    Porque de agiotas se trata, quer se desloquem de bicicleta ou se empertiguem como comerciantes estabelecidos.
    Há dias, numa ronda pela "baixinha", deparei-me com dois novos "estabelecimentos de Compra e Venda de Ouro". Letreiros convidando à subida ao 1ºandar, sigilo absoluto...
    A pornografia aos olhos de todos...
    E o Fisco? Será que colabora, que fecha os olhos?
    Vão-se os anéis, fiquem os dedos - diz muita gente em momentos de aflição.
    E o Fisco, insisto, será que quer colaborar com os agiotas?
    Estas "casas de penhor" terão facturação de compra e venda?
    E os lucros provenientes da sua agiotagem são declarados?...
    Felício, desculpa ter aproveitado o teu texto para deixar aqui este meu grito de revolta.
    Quanto ao texto, não preciso de te dizer quanto o apreciei.
    Aquele abraço.

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  10. Belo texto! Oriundos da região gandareza! E já agora uma curiosidade. Vilamar começou por se chamar "Escumalha"! Sabiam? E normalmente os "ourives" deixavam de herança a cada filho (os mais pobres)...uma caixa de ouro (10 a 15 Kg!) e estão espalhados por todo o País! Mesmo no Algarve, se entrarem numa Ourivesaria e perguntarem de onde são naturais, normalmente a resposta é: Cantanhede, Febres...Vilamar!

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  11. Do texto que o Quito vai publicar proximamente, eu apenas sabia que nele está incluida a palavra "interludio". Bem tentar tirar nabos da púcara sobre o seu conteúdo mas o Quito fechou-se em copas.

    Ao escrever este meu texto, não fazia portanto a mínima ideia que o dele também ia abordar o tema dos ourives ambulantes.

    Só posso considerar esta coincidência como fruto de sintonia ou telepatia. O que me agrada!

    Ainda vou para bruxo...

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  12. O ourives do "Casal de S. Tomé", aparece noutra vertente que nada tem a ver com a profissão. Foi uma coincidência que apenas registei ...
    Rui, vais ter que continuar a ganhar a vida como jurista, pois como bruxo não te safas. Eu, porém, por estas bandas, estou melhor colocado, pois ando a tirar um curso intensivo de "endireita" ...

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  13. Avisa-me quando acabares o curso. Vou precisar dos teus préstimos de endireita...

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  14. Peguei no texto do Rui Felício, passei-o na pedra de toque e...era filigrana de grande e fino quilate!

    Não me recordo do Sr. Altino.
    Pelas escolas passavam ourives, mas do norte, e ali, durante os intervalos, experimentavamos brincos, pulseiras, fios, gargantilhas, aneis,...
    Sempre se compravam e também com pagamento suave.
    Da zona de Cantanhede, conheci vários.

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  15. Almiro, Celeste, Almiro!

    Já agora, aproveito para dizer que fui buscar o babete, ao ler essa da filigrana. Obrigado!

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  16. Confundi o nome do Sr.Almiro, talvez por ter um primo transmontano, de quem gosto muito,e que se chama Altino.

    Acho o trabalho em filigrana do mais artístico feito em ouro, e agora também em prata.
    Eis o porquê da minha expressão, como já calcularias!

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