quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Calhabé do meu tempo - Fernando Rovira

EPISÓDIOS, ANEDOTAS E BOAS HISTÓRIAS MAL CONTADAS








SALAZAR E O PROFESSOR ROQUE

        Já se sabe que em todos os tempos e lugares houve quem tivesse graça e pelo chiste, pelo humor, ou pelo “sal” com que adoçava a palavra, sobressaísse do rebanho comunitário.
        Pois, no Calhabé do meu tempo, também houve alguns desses.
        Quem, dos da minha geração e das imediatamente anterior e posterior, se não lembrará do Professor Roque?
        Quando o Professor Roque chegou ao Calhabé para “dar escola” foi  morar para uma daquelas casitas de rés-do-chão, na continuação da loja de ferragens Alírio Costa, que, por enquanto, ainda se vão mantendo de pé, não sabemos por quanto tempo mais…Estamos a falar do Largo Zé Maia ou Vigia, nomes com que o local passou à posterioridade. Tal como a Portagem sempre foi o centro de Coimbra, sem o ser verdadeiramente, também o Vigia ou Zé Maia sempre foi considerado o centro do Calhabé.
        Pondo de lado os preciosismos geométrico-geográficos, sempre direi que o Professor Roque se mudou posteriormente para a Rua do Teodoro, onde veio a falecer com avançada idade, numa casa onde até há algum tempo viveu sua filha, D. Olímpia, entretanto também falecida.
        Pois o Professor Roque, diz quem com ele conviveu, e eu, que fui seu aluno, também digo, era uma excelente pessoa, um excelente professor e um excelente animador público graças às histórias que ele afiançava terem-lhe acontecido, mas que, segundo alguns, eram puras invenções suas que contava para se divertir e divertir os outros.
        Chegou a ser pessoa célebre em Coimbra, principalmente nos meios ligados à sua e à minha Académica, e as suas “patranhas” faziam girar boa disposição pelas mesas dos cafés.
        Aqui  vai uma contada por ele próprio:-“ Um dia em que observava o andamento das obras do Estádio Municipal, como era meu costume quase diário, quem é que eu vejo, acompanhado do Presidente da Câmara e de outras pessoas? Nem mais nem menos queo Doutor Salazar que se estava dirigindo na minha direcção”.
        -“Aquele não é o Professor Roque”? – ouvi com nitidez Salazar perguntar a quem o acompanhava.
        Quando Salazar chegou junto de mim, estendeu-me a mão e teve o carinhoso comentário de quem me conheceu muito bem pois comigo mantivera no seu tempo de Coimbra relações de grande cordialidade:
        -“Ó  Professor  Roque, não esperava vê-lo aqui. Está tão velhinho!”
        Claro está que, de Salazar, o muito que o Professor Roque conhecia eram as fotografias dos jornais; e Salazar, do Professor Roque, certamente nem da existência sabia.

O PROFESSOR ROQUE CAÇADOR

         - “ Uma vez – contava o Professor Roque – fui à caça. Enquanto estava a carregar a espingarda (de carregar pela boca) e com a respectiva vareta ainda metida no cano para comprimir a carga, levantou-se ali perto uma perdiz. Nem perdi tempo a retirar a vareta, - nem podia, senão via ir a caça – apontei e disparei. Mas, coisa estranha, não mais vi a perdiz nem encontrei a vareta. Desapareceram…
        Na época venatória seguinte, calhou ir à caça para o mesmo local. Sabem o que vi, por mero acaso? Cravado num pinheiro, estava o esqueleto duma perdiz trespassado por uma vareta de espingarda…
        Não me foi difícil explicar o que acontecera no ano anterior”.

        

8 comentários:

  1. Preciosas estas e outras histórias do livro de Fernando Rovira que guardo religiosamente como obra indispensável ao conhecimento do Calhabé onde nasci.

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  2. Momento nostálgico apenas por ser da nossa juventude mas que leio com alegria,recordando.
    Livro que gosto de ler pequenos trechos,de vez em quando,para me deliciar...
    Obrigada,Fernando Rovira meu antigo vizinho.

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  3. Contos destes, valem sempre a pena. Para saír bem disposto, não é preciso mais.

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  4. Estórias deliciosas do livro que teve a amabilidade de me oferecer. Vale sempre a pena reviver estes episódios, agora vindos à estampa no blog.

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  5. Também tenho e li com muita atenção esse livro do Fernando Rovira. Uma preciosidade.
    Sobre o Professor Roque, dizia-se que um dia a malta do Café Aquário resolveu fazer um concurso de mentiras. O Professor Roque também concorreu e ficou em segundo lugar. Toda a malta ficou admirada porque estavam à espera que o Prof, Roque ganhasse. O júri explicou: A mentira maior, que ganhou, foi de um concorrente que disse: O Professor Roque nunca mentiu. Não podia deixar de ganhar com uma galga destas.

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    1. Sem dúvida que o livro é muito interessante e com intervenientes que muitos de nós conhecemos.
      Um abraço Fernando Rovira

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