quinta-feira, 28 de novembro de 2013

O HUMBERTO DOS ADÁGIOS


No dia dos avós de 2010 - Foto EG
    O Café Samambaia estava cheio. Os clientes habituais e mais a malta vinda de vários lados de Coimbra e do resto do País que se aprestava, sob a batuta do Rafael, para mais uma jornada de convivio esgotavam todos os lugares do espaçoso café. Lá dentro e cá fora na ampla esplanada, nenhuma mesa livre.

    Aquela bela mulher, curvilínea, irrepreensivelmente vestida, desconhecida de todos, atraía os olhares dos homens, uns de forma disfarçada, outros de maneira ostensiva.
    Caminhando por entre as mesas, a Marilia tentava descobrir, sem êxito, um lugar para se sentar. Fixou os olhos negros, amendoados, numa mesa, lá ao fundo onde se encontrava o Humberto sózinho, absorto na leitura do Diário de Coimbra.
    - Desculpe-me estar a incomodá-lo, mas não consigo encontrar nenhuma mesa livre. Importa-se que me sente à sua?
    O Humberto levantou os olhos do jornal, espantou-se pela beleza daquela mulher, puxou uma cadeira e convidou-a a sentar-se, indiferente aos sorrisos da malta que seguia a cena:
    - Faça favor! Guardado está o bocado para quem o há-de comer!
    A Marilia sorriu, sentou-se e agradeceu:
    - É muito simpático. Reparei que foi o único homem que, educadamente, não me comeu com os olhos enquanto eu procurava lugar.
    - Estava a ler, e enquanto se cava na vinha não se cava no bacelo, esclareceu o Humberto com um sorriso.
    - Você, além de simpático, educado e atraente, é muito engraçado. Está sempre a citar provérbios, disse a Marília com uma gargalhada. E vê-se que é um homem polido e de boas maneiras.
    - Polidez pouco custa e muito vale, respondeu-lhe o Humberto pousando delicadamente a mão na mão dela.
    A Marília gostou daquele toque fugidio e carinhoso e retribuiu, pegando-lhe na mão e olhando-o melancolicamente.
    O Humberto quebrou o silêncio:
    - O que está feito, feito está...
    - Como se chama? Gostaria de o conhecer melhor, atirou a Marilia...
    - Humberto é o meu nome. Mas é pelo voo que se conhece a ave.
    - Julgo que deviamos voar nas asas da fantasia, incentivou ela, sentindo as caricias que os dedos dele faziam nos seus.
    O Humberto alongou-se na sua resposta:
    - Barco parado não faz viagem. Podemos encontrar-nos logo à noite, se quiser...
    - Hoje não posso. Mas podemos ver-nos amanhã, disse ela.
    - Claro que sim. Há mais marés que marinheiros!
    -----
    No dia seguinte jantaram, à luz das velas, num restaurante do Parque Verde e apanharam um táxi para casa dela ali para os lados de Montes Claros.
    Na sala, beberam um copo, dançaram ao som suave de uma música romântica, sob a ténue e cálida luz de um candeeiro de mesa e uma hora mais tarde beijavam-se sofregamente.
    Já deitados, as caricias trocadas, o calor dos corpos nus, os sussurros, endoideciam a Marilia que, descontrolada, lhe pedia que fosse até ao fim.
    O Humberto disse-lhe em voz rouca:
    - Devagar se vai ao longe, minha querida.
    ... e, não te esqueças, que grão a grão enche a galinha o papo.
    Mas a Marilia já não podia esperar mais e o Humberto, embora se esforçasse muito, não estava a conseguir.
    Não é por muito madrugar que amanhece mais cedo, justificou-se o Humberto, com alguma vergonha.
    Ela fez tudo o que pôde para o ajudar mas ele derrapava, gemia, e nada!
    Já irritada, ao fim de duas horas de esforços infrutíferos, gritou-lhe:
    - Então?!
    O Humberto, deixou-se cair para o lado, exausto, e só foi capaz de dizer:
    - Roma e Pavia não se fizeram num dia!


     
    Rui Felicio

26 comentários:

  1. Uma linda estória que o Rui Felício trouxe até nós com um jogo de provérbios muito bem utilizados mas que terminou um pouco triste, pois o pobre do Humberto nem entre Roma e Pavia foi capaz de reconstruir a torre de Piza. Fiquei contente com a presença do Rui Felício.

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  2. É por estas e por outras, que um conhecido presidente de um cube de futebol, foi para à UCI de um Hospital do Porto. Pensou que ainda tinha mãos para conduzir um Ferrari, quando nem para um Fiat 6OO. Resultado: ficou com a carroceria a abanar, as bielas do coração a bater e o motor a deitar fumo.

    Os amantes, talvez sonhassem não com o Samambaia, mas com um faustoso quarto de um Palácio de Viena.Mas em vez de uns acordes suaves de violino, saiu um concerto de Quim Barreiros. Para desgosto dela e desespero dele, o motor de arranque já não dava à ignição.

    Decididamente, o Humberto sentia-se já relíquia do passado. Um Ford T do início do século XX, a ter - com esforço e determinação - de dar à manivela.

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    1. Faz muita falta a manivela nos carros modernos.
      Porque numa emergência resolvia os problemas de falha do motor.

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    2. Há sempre parolos para empurrar!!!
      Fernando AZENHA

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  3. O Humberto mirou a menina mais esbelta e formosa...Então melhor seria" Nem bonita que abisme,nem feia que faça medo".
    Assenta ao Humberto como a muitos mais...
    Trocadilho de adágios bem interessante.

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  4. Mas que bela surpresa este conto(não é ficção), que o Rui Felício nos trás aqui hoje!
    Não só por se ter passado na já mítica esplanada do Samambaia, mas também pela foto que nos mostra algumas das figuras ilustres do nosso Bairro, talvez aguardando a hora de apanhar a caminheta para mais um "Encontro de Gerações)..
    Até podia ter sido para o 3º aniversário http://encontrogeracoesbnm.blogspot.pt/2011/10/3-aniversario-encontro-de-geracoes-em.html#comment-form
    Muito interessante como são introduzidos os trocadilhos e adágios populares para ir introduzindo as diversas fases deste encontro fortuito entre a bela dama e o nosso bem conhecido Humberto, que nunca larga o Diário de Coimbra, sobretudo para ler os anúncios amorosos...
    Realmente precisava, porque a idade não perdoa...de se atirar para o lado, e proclamar Roma e Pavia não se fizeram num dia! Mas quantos seriam precisos!!!
    E eu acrescento: Dá Deus nozes a quem não tem dentes!!!

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    1. Mas olha que a fotografia não me parece que seja do 3º aniversário de EG.
      Julgo que é do dia dos Avós de 2010.
      Mas tu saberás melhor do que eu, Rafael.

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    2. Tens razão Rui, mas fiquei a pensar na tirada do Humberto "Roma e Pavia não se fizeram num só dia"
      Aqui tens essa noite dos avós!
      http://encontrogeracoesbnm.blogspot.pt/2010/07/noite-dos-avos-no-bairro-norton-de_1657.html#comment-form

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  5. Este ano não houve ENCONTRO DE GERAÇÕES porquê?!!!
    Fernando AZENHA

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  6. Proverbios bem usados mas o Humberto tinha mais olhos que barriga

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  7. Ao finalizar a leitura deste episódio, respirei fundo e, reparando na fotografia, verifiquei que eu já estava sentada na esplanada!
    A Marília, coitada, cheia de dotes não conseguiu ir até ao céu...
    Ficando tão desconsolada ia pensando com os seus botões: " Guardado está o bocado para quem o há-de comer"!

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  8. Para o Humberto mais vale um pássaro na mão que a mão na pássara!...

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    1. Mão querida, mão querida...
      Faz parte do reportório da Tuna Meliches! E mais não digo.

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    2. Original da Orxestra Pitagórica, esclareça-se.

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    3. Quem com uma mão dá.....e com a outra vai tirar.....ao inferno vai parar!!!!!
      Por isso "mão querida", "mão querida"....deixa-te estar quietinha.......

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  9. Se fosse comigo e imaginando uma substituição de papeis, ou seja pondo-me eu no lugar da Marília que por acaso até mora aqui para os meus lados, e imaginando um cavalheiro de bom porte,que não esse tal de Humberto, nunca este caso teria tido um desfecho assim.......
    Depois de muito trabalho e paciência....talvez finalmente e gloriosamente eu pudesse dizer; TARDE É O QUE NUNCA VEM!

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  10. Está de fartar de rir....e mais não digo. É a prosa do Rui Felício.
    E agora vou ler os outros comentários que tb me encantam e fazem rir,
    Bem hajam.

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