sábado, 2 de novembro de 2013

«D. Afonso Henriques e Coimbra» - António Pimpão

Subsistem ainda dúvidas sobre se D. Afonso Henriques terá nascido em Guimarães ou em S. Pedro do Sul (Viseu).
O mais provável é que tenha nascido em S. Pedro do Sul. No entanto, a frase “Aqui nasceu Portugal”, inscrita no castelo de Guimarães por ocasião das comemorações dos 800 anos da fundação de Portugal, levadas a cabo pelo Estado Novo, para assinalar a batalha de S. Mamede, acabou por criar no imaginário dos portugueses a ideia de que Afonso Henriques nasceu e viveu em Guimarães, sendo, agora, muito difícil deixar de associar aquela cidade ao nosso primeiro rei.
D. Afonso Henriques nasceu em 1109 (há quem defenda que foi em 1111) e faleceu em 1185, tendo vivido 76 anos.
Passou a viver em Coimbra em 1131, com 22 anos, com o objetivo de se afastar da nobreza senhorial do norte, a quem devia o poder mas de quem não queria depender.
Terá, assim, vivido 22 anos em Guimarães e 54 anos em Coimbra.
Foi em Coimbra que casou, que teve 7 filhos, que faleceu e que está sepultado (na igreja de Santa Cruz).
Foi a sua fixação em Coimbra e o facto de ter feito desta cidade o seu quartel-general que abriu o caminho ao alargamento do território para sul, pela via da reconquista aos mouros.
Apoiou a construção do mosteiro de Santa Cruz, co-fundado por D. João Peculiar e por D. Telo e D. Teotónio, tendo este último sido o seu primeiro prior.
Coimbra tinha então um cariz muito mais urbano do que o norte do país, onde imperava um modelo organizativo inspirado nos modelos agrários. A partir de Coimbra foi possível criar, sem a oposição dos senhores, um modelo de organização mais urbano e liberal, facilitador de contactos internacionais e do desenvolvimento da escrita e da cultura.
O mosteiro de Santa Cruz tornou-se um centro de apoio cultural e, durante alguns séculos, o centro espiritual e cultural da nação.
D. João Peculiar, natural de Coimbra, e, estranhamente, pouco (re)conhecido, foi a figura mais importante desta época e decisivo para a criação da ideia de um estado independente e para a concretização dessa ideia.
Com efeito, foi D. João Peculiar quem, em 1142, promoveu o encontro entre D. Afonso Henriques e o rei D. Afonso VII de Leão e Castela, do que resultou o tratado de Zamora e a independência de Portugal.
Foi também D. João Peculiar que se deslocou cerca de uma dezena de vezes a Roma para convencer o Papa Inocêncio II a reconhecer a independência de Portugal (o que acabou por se verificar em maio de 1179, sendo então papa Alexandre III).
Finalmente, e enquanto bispo de Braga e primaz das Espanhas, foi D. João Peculiar quem negociou e conseguiu libertar a sé de Braga da sua dependência das de Toledo e Santiago de Compostela (sem o que a independência política de Portugal não teria sido duradoura, dado o enorme poder da igreja, à época).
D. João Peculiar foi dos mais destacados arcebispos do século XII e o verdadeiro ministro dos negócios estrangeiros de D. Afonso Henriques, sendo sem dúvida a personagem mais relevante da fundação de Portugal. No entanto, a sua figura nunca foi devidamente realçada, limitando-se a ter uma estátua em Braga e uma obscura rua em Coimbra, na zona do Tovim.
Acho que deveria ser Coimbra e, não (ou sê-lo secundariamente), Guimarães a estar associada a D. Afonso Henriques.
O que surpreende é que, não obstante as evidências, e não obstante a vivência de D. Afonso Henriques ter muito mais a ver com Coimbra do que com Guimarães, nunca a cidade do Mondego puxou pelos seus galões e reivindicou para si a figura do nosso primeiro rei, que lhe pertence por direito próprio.
Coimbra foi durante décadas – as mais produtivas e importantes – o centro político, militar, cultural, administrativo e de internacionalização do nosso primeiro monarca.
No entanto, poucas pessoas fazem uma associação de D. Afonso Henriques a Coimbra, mesmo quando sabem que se encontra sepultado na igreja de Santa Cruz. Nem sei bem o que mais possa dizer para reparar esta falta de memória histórica, esta injustiça, mas algo precisa de ser feito.
A minha estranheza tanto se aplica à Universidade que, durante todos estes séculos, nada fez para chamar a si esta lendária figura, como se aplica ao Município, que parece viver na ignorância da história da sua própria cidade.

António Pimpão

[texto publicado em 2 de Novembro de 2013 na secção «Fala o leitor» do «Diário de Coimbra»]

7 comentários:

  1. Muito bem caro amigo António Pimpão.
    Tinha já lido no Diário de Coimbra este oportuno texto.É realmente necessário que esta "História de Portugal" seja devidamente contada!
    Quem tanto deseja abrir o túmulo, também deve saber algo mais sobre o nascimento de D. Afonso Henriques! Não será Coimbra, mas também não será Guimarães! Esclareça-se!

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  2. Uma bela reflexão. Na verdade, se se inquirir a 9O% dos portugueses, onde está sepultado o Fundador, não sabem. Mas ligam-no inquestionavelmente a Guimarães.Aquando de "Guimarães capital da Cultura", Afonso Henriques era exposto em montras, em figuras em cartão nas ruas, numa clara colagem do Rei - Fundador à cidade. Direi até, como o Rei fosse património exclusivo de vimaranenses.

    Coimbra, sempre viveu à sombra de uma Torre. Senhora do seu nariz, reivindicando para si a exclusividade cultural do país. Estagnou e não percebeu que à sua volta os polos universitários cresciam como cogumelos e o setor fabril definhava ainda antes do descalabro atual.

    Coimbra, minha cidade, é uma urbe amorfa e pouco bairrista. Ao contrário de Guimarães e de um modo geral o Norte, muito cioso do seu património. Não basta, jocosamente, dizer-se que ninguém escolhe onde quer nascer mas pode escolher onde quer ser enterrado, numa alusão ao facto de D. Afonso Henriques estar sepultado em Coimbra. Importante é ter vivido mais de meio século em Coimbra e nem sequer ser liquido que nasceu em Guimarães.Tivesse a "espanhola" Rainha Santa Isabel feito o Milagre das Rosas em Guimarães, e seria mais uma procissão a juntar às festas Gualterianas, com o Mondego a ver passar a História ...

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  3. D. Afonso Henriques foi, para mim, o Rei mais fascinante de Portugal. A sua vida é de uma riqueza extraordinária. É, sem dúvida, de lamentar que Coimbra sendo a cidade "dos doutores" ( ou tendo sido!…), nunca teve ninguém que estudasse profundamente o assunto para nos mostrar a verdade dos factos.
    Concordo em absoluto com o último parágrafo do António Pimpão. Mas a cidade de Coimbra é mesmo assim, sempre se resignou em viver à sombra da Universidade e a Universidade tudo o que sempre fez, foi fazer sombra à cidade, deixando-a viver na penumbra e por vezes na escuridão tal era a sombra que fazia.

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  4. Como se diz, se a memória dos homens é curta, a sua ambição pode ser desmesurada. E essa desmesura, medrando em solo propicio, floresce muitas vezes com o húmus da falta de escrúpulos. Como se diz, também, os fins justificando muitas vezes os meios.

    Enfim, se considerarmos que Portugal é dos portugueses - o que pode nem ser líquido nos dias de hoje, mas, enfim... - D. Afonso Henriques e toda a mitologia da fundação (documentada e lendária) é património dos portugueses. Até mesmo dos algarvios.

    Entretanto, estou com o Quito quando chama a atenção para a escolha voluntária do lugar de sepultura, como elemento preponderante por opções tomadas em vida.

    Quanto ao lugar de «nascimento» de Portugal, se nos alhearmos de patetices useiras e vezeiras nas tevês, o que sabemos é que há mais de uma dúzia de locais propostos pelos académicos de diversos quadrantes para tal. No entanto, o que nos interessa reflectir é porque existe tão enraizado, e pelo meio de culturas afinal tão diversas, este conceito de nação que nos enforma e que faz de nós... portugueses.

    Lembro-me, neste momento da conversa, sempre das minhas amigas defensoras do Paradigma da Continuidade Paleolítica que, de algum modo, apontam para uma ancestralidade deste conceito de nação que vai muito para lá dos afonsinos e remonta a uns quantos milhares de anos neste espaço denominado como Reduto Ibérico. De onde virão, então, tantas peculiaridades únicas - permita-se-me a redundância -, comportamentais e culturais, dos cidadãos deste recanto.

    Oportuníssima, entretanto, a mensagem de António Pimpão, a remeter-nos para um recentrar destas questões para que o passado não se perca e nos permita entender o presente e melhor projectar o futuro, muito para além dos «folclores» espúrios com que somos bombardeados diariamente. O que, tenho para mim, não será de todo inocente.

    Abraços.

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  5. Por Coimbra o que tem interesse são os doutores,o resto é paisagem.
    Zona de alto gabarito para alguns.
    A historia é para estudar mais tarde,não há tempo, neste tempo de roubalheira.

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  6. Um artigo de António Pimpão que vem enriquecer o nosso espaço com um reflexão pertinente!

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