Falar em “estudante-boémio”
de Coimbra, aureolado de tão projectada fama, jamais poderá
ter numa fácil apreciação generalizada, um mero
significado pejorativo, uma vez que não traduz, no inerente
comportamento, uma obrigatória e constante forma de estar e de proceder, apenas
baseados, como muitos supõem, na ininterrupta cabulice, nas estroinas noitadas
e, sobretudo, na escrava submissão aos efeitos etílicos dimanados, do aliciador
reino do deus Baco.
Queremos com isto afirmar, em suma e
logo “à priori”, que ter sido um verdadeiro e genuíno “estudante-boémio” de
Coimbra (estirpe histórica já não existente desde há anos!) nunca foi, longe disso, sinónimo de
turbulento bêbado ou de, implicitamente, “persona non grata”. Pelo contrário,
muitos houve até, que depois de merecerem tal epíteto, com fama e proveito,
quando da sua irreverente vivência estudantil, se licenciaram e doutouraram,
alguns deles ocupando, posteriormente, altos cargos na vida civil e nacional.
Desde que, há séculos, D.Dinis ordenou
a implantação da Universidade na pacata e nostálica Coimbra, sempre nela
existiram “estudantes-boémios” com notável destaque, cada qual, porém, com as
suas pessoais características, cujos nomes e feitos se perpetuaram para “sempre
et ubique”.
De entre essas figuras lendárias e de
certo modo pitorescas, lembremo-nos, por exemplo, do épico Luis de Camões, que
apesar de, sem sombra de qualquer dúvida, beber também os seus copitos, com
maior ou menor abundância e de entrar em monumentais farras, deixou de ser
consagrado “estudante-boémio” de reconhecida génese romântica e um invertebrado
aventureiro conquistador, indistintamente de moçoilas tricanas e de donzelas do
“jet set” daquelas eras, o que levaria a sua deportação para o longínquo
oriente, de onde nos legou os patrióticos e sublimes “Lusíadas”.
Para além dele, no decorrer do tempo,
outros autênticos “estudantes-boémios” houve depois, que pontificaram e se
notabilizaram no meio académico e citadino, mercê do seu peculiar, irreverente
e extrovertido “modus vivendi et faciendi” nada condizente, de facto, com uma
Coimbra de então, ainda de brandíssimos costumes, religiosamente conservadora e
apenas perturbada, de quando em vez, pela divisão partidária entre estudantes e
“futricas”, cujas tradicionais rixas (já inexistentes!) fizeram história e
alteranavam a pacatez e misantropia da vida
coimbrã.
Dos últimos genuínos “estudantes-boémios”
destaque-se, por exemplo, o universitário Fonseca
, alcunhado de “Fonseca da burra” que, de entre outras façanhas, entrou
certa tarde e de rompante, montado num gerico, pelo distinto e aristocrático
salão da Pastelaria Central, no momento repleto das mais insignes “madames da
alta roda”, a sorver, na altura, enfaticamente, o tradicional e “snob” chá das
cinco, desta feita acrescido de enorme bagunça e de alguns desmaios à mistura,
onde só o inocente burrico manteve natural postura.
A par dele, e sem dúvida, os
derradeiros a merecerem, com mérito absoluto, o título de genuínos “estudantes-boémios”
de Coimbra, houve, ainda, entre poucos mais, o Condorcet , com as suas hilariantes, inesperadas e acintosas
partidas, indistintamente a este ou àquele, com base no ilusionismo, arte em
que era mestre, Houve o Pantaleão , esse,
sim, com as suas piramidais “bubudeiras” (como ele próprio as designava),
embora pacificas e deveras graciosas. Houve também, o alto e magricela Herculano Oliveira, de olhar míope e com
óculos, que afinava no mesmo diapasão, cuja vinhaça ingerida, à tripa forra,
lhe fazia dobrar as esguias pernas, qual pinheiro em dia de tempestade. Reinou,
igualmente e de que maneira (!), o consagrado Castelão de Almeida, dito como o mais boémio e o mais famoso “dux-veteranorum”
da academia de sempre, e que, para além das farras e noitadas, teve o talento
de fundar, em 1929, o emblemático jornal académico “O PONEY” (do qual fui
director de 1950 a 1954), em cujas páginas o seu humor e sátira, em simbiose,
por vezes bem contundentes, não perdoavam a ninguém, nem mesmo aos Lentes, às
autoridades, ao governo e, até , às Comissões de Censura da época.
Por último, aí por volta dos finais dos
anos 50, surgiu Felisberto pica - o celérrimo PICA - , falecido não há muito , com 75 anos de idade, quando
notável médico em Lisboa, que jamais facturava as consultas aos doentes
carenciados, sendo, por isso, cognominado como o “médico dos pobres”, embora,
em moço estudante, tivesse varrido Coimbra, de lés-a-lés, com as mais inusitadas
façanhas de irreverentíssimo “bom vivant”, ainda hoje relembradas.
Convivi com ele e acompanhei-o, tantas
e tantas vezes, nalgumas pândegas e divertidas deambulações, sobre as quais me
proponho fazer história em tempo próximo
e oportuno.
E, com Pica, findou por completo
e para sempre, poder-se-á afirmar a
centenária dinastia dos verdadeiros “estudantes-boémios” de Coimbra, já que,
diga-se com verdade, a evolução e progresso, extinguiram, de todo, o seu exigido
e natural “habitat” e ainda porque a mocidade estudantil actual, sem dúvida por
via disso, se subjugou a outras diversas e multifacetadas motivações.
E, neste aspecto, foi tão radical e
notória a mudança dos usos e costumes da academia que, com tristeza se diga, a
esmagadora maioria até trocou a usança histórica e sistemática da secular e
garbosa CAPA E BATINA, pela típica e texana roupagem “made USA”, sem dúvida uma
vergonha e ultraje para os Gerais, para as Escadas Minerva, para a Porta
Férrea, para a universidade em geral e para as antiquíssimas tradições
académicas, que seria um obrigatório e sagrado dever preservar, sem mácula,
para todo o sempre.
Gostei do textos MAS e o BARRIGAS DE CARVALHO?!!! Que respondeu ao examinador "sou Barrigas da parte da mãe e Carvalho da parte do pai" depois de ele lhe perguntar se era o célebre Barrigas de Carvalho.., claro que chumbou na altura e continuou mais um ano como Dux-Veteranorum e formou-se com mais de 40 anos porque senão não casava.
ResponderEliminarFernando AZENHA
Também conheci Barrigas de Carvalho.
ResponderEliminarMas é mais recente, penso eu!
Boa tarde,
ResponderEliminarNo decurso de uma informação genealógica e familiar encontro referências a Fausto Marques. Sei que houve um homónimo director do Ponny a que aqui se faz referência.
Agradeço qualquer informação complementar sobre Fausto Marques caso saiba.
Agradeço e cumprimento
Jorge Rodrigues
Vou reenviar para um dos seus filhos
ResponderEliminarObrigado
O meu pai, Venerando Ferreira de Matos, que faleceu em T. vedras em 1975, referia muitas vezes que colaborou no jornal "O Poney" de Coimbra, por volta de 1950 (ele era natural de Coimbra e deixou a sua cidade porque foi preso por estar ligado ao MUD juvenil, tendo refeito a sua vida em Torres Vedras. Será que tem alguma informação sobre o meu pai? O meu endereço é venerandomatos@gmail.com. Um abraço.
ResponderEliminarNão lhe posso ser útil pois quando cheguei a Coimbra foi em 1950 com 13 anos e só uns anos mais tarde tomei conhecimento desse jornal,principalmente porque o sei director também veio viver para o Bairro Marechal Carmona, hoje Norton de Matos e especialmente pela figura típica que o vendia / 0 Taxeira. O sr Fausto já faleceu há uns anos .T dois filhos que moram aqui no Bairro. Mas como são mais novos que eu não acredito que possam dar alguma informação útil .Mas quando estiver com um deles posso perguntar .Abraco
ResponderEliminarobrigado.um abraço
ResponderEliminarE então o célebre Pad Zé? E o Pereira das Forças? Saudações académicas.
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