sábado, 2 de novembro de 2013

Encontro com a arte -Poesia










SE
se a autarquia tivesse construído passeios na minha rua por onde eu pudesse
caminhar
se o senhor agente da autoridade apenas existisse para me saudar em continência
de gesto e de atitude
se o gato da minha vizinha ou se a minha vizinha se questionassem do meu
incómodo por ele defecar no meu jardim
se o autocarro da carreira suburbana não me violentasse na urgência de
trajectos aprazados
se as filas intermináveis de trânsito evoluíssem em bailado acidental

se no meu país deficitário não encerrassem escolas ou maternidades  para
combater o défice
se nele os licenciados necessitassem de pedir licença para não exercerem o
seu mister
se os empregadores que mal empregassem pudessem perder seus empregos
se cada bomba apenas florescesse em atentados a decrépitos pudores
se o riso tivesse valor de lei e a lágrima direito inalienável de assistência
se a pobreza só existisse na exposição retórica de circuitos paisagísticos
se a fome fosse apenas de sonhos e os sonhos construíssem o real
se fosse descoberta a vacina que nos protegesse das balas e de outras
intenções invasivas
se as palavras que trocássemos se ajustassem sempre no calor destemperado
da poesia

então teríamos o tempo e o modo do abraço
e haveria porventura um lugar no mundo para a humanidade

6 comentários:

  1. O Jorge Castro sempre soube mostrar que nem só a cantiga pode ser uma arma. A poesia também.

    ResponderEliminar
  2. !
    Tá um mimo!
    Deve ter sido escrita há poucos dias...2010

    ResponderEliminar
  3. Não conheço muito bem o autor... ;-)» , mas até estou capaz de concordar com a sua ladainha...

    Abraços!

    ResponderEliminar
  4. Pois eu conheço o autor e ainda as ladainhas!
    Se há quem saiba brincar com as palavras
    Se há quem viva inconformado com as injustiças
    Se há quem seja amigo do seu amigo
    Se....
    Então, eis Jorge Castro.

    ResponderEliminar