quinta-feira, 24 de março de 2011

POR TERRAS DURIENSES

Quis o destino que, há um ano a esta parte, viesse parar a terras durienses, no normal decurso da minha atividade profissional, de onde agora parto para novas paragens.
Durante todo esse tempo calcorreei caminhos de solo, ora xistoso ora granítico, assisti ao amadurecimento das uvas, às vindimas e seu transporte, observei a azáfama das adegas, o que me animou na recolha de elementos que juntando ao conhecimento havido através dos tempos, resulta na produção deste texto, imagens e desenhos que convosco compartilho com todo o gosto.

Vinho do Porto
HISTÓRIA
Ao longo de quase dois milénios, fez-se, na encostas xistosas do vale do Douro, uma paisagem vitícola singular, um vinho excepcional. Mais do que um dom da natureza, o vinho do Porto é, na sua essência, essa espessura histórica, um património cultural colectivo de trabalho e experiências, saberes e arte, que gerações e gerações acumularam, não faltando descobertas arqueológicas e referências documentais a testemunhar a persistência cultural do empenho vitivinícola de outras eras.

Recuam pelo menos aos séculos III-IV os vestígios de lagares e vasilhame vinário, um pouco por toda a região duriense. Porém, a designação de vinho do Porto surge apenas na segunda metade do séc. XVII, numa época de expansão da viticultura duriense e de crescimento rápido da exportação de vinhos.

No último terço do séc. XVII, em tempo de rivalidades entre os impérios marítimos do Norte, flamengos e ingleses aumentam a procura dos vinhos ibéricos, em detrimento dos de Bordéus e de outras regiões francesas. Em 1703, o Tratado de Methuen virá consagrar no plano diplomático este fluxo mercantil, prevendo a contrapartida de privilégios para os tecidos britânicos no mercado português.

Reza a história que, quando os britânicos começaram a importar grandes quantidades de vinho português e para que a bebida resistisse às longas viagens marítimas, os comerciantes ingleses acrescentavam aguardente nos barris, logo perceberam que, além de conservar o vinho por mais tempo, a adição de álcool também realçava o sabor da bebida e acabaram criando, sem querer, a fórmula do vinho do Porto.

A produção duriense, estimulada pela procura inglesa crescente e preços altíssimos, tenta adaptar-se às novas exigências do mercado. Mas, como acontece a todos os grandes vinhos, o negócio rivaliza interesses, suscita fraudes e abusos.

A partir de meados do séc. XVIII, as exportações estagnam, ao passo que a produção vinhateira parece ter continuado a crescer. Os preços baixam em flecha e os ingleses decidem não comprar vinhos, acusando os lavradores de promover adulterações.

Para garantir o monopólio sobre a receita, em 1914, o governo português assinou com a Inglaterra um contrato determinando que o vinho do Porto só pode ser produzido com uvas da região do Vale do Rio Douro. "Para manter a qualidade da bebida, é proibido o uso de uvas de quaisquer outras regiões".
Consta que foi por volta de 1770 que surgiram as primeiras garrafas cilíndricas.
Graças a este evento nasceu a quinta essência dos Portos, o «Vintage». Com estas garrafas, ao contrário das largas e de gargalo alto que se usavam no princípio do século XVIII, tornou-se possível o armazenamento na posição horizontal, ficando o vinho em contacto com a rolha, o que era necessário para que se desse o envelhecimento/amadurecimento.
No final do século XIX toda a Europa foi invadida pela filoxera, uma doença provocada por um inseto, que devastou muitas vinhas. Ao tentar combater esta doença fatal, descobriu-se que as raízes das videiras americanas eram resistentes ao insecto. A partir daí, começou-se a enxertar as videiras, isto é, utiliza-se uma raiz de origem americana e a parte superior de origem europeia, que determina o fruto produzido.
Esta medida salvou os vinhedos do Douro e foi adaptada em quase todas as regiões do mundo produtoras de vinho.
O porta-enxerto é escolhido de acordo com o solo e o tipo de casta.

Diz-se que esta é a razão da diminuição das uvas. A qualidade do vinho do Douro está na razão inversa da quantidade produzida.
Mil pés de vinha podem dar de meia a seis pipas, sendo que os melhores locais raramente produzem mais de duas pipas por cada mil pés.
A pipa é a medida padrão em que se envelhece e exporta o vinho do Porto.
A capacidade da pipa é de 534 litros.

DEFINIÇÃO
O vinho do Porto é um vinho generoso produzido exclusivamente na região demarcada do Douro, envelhecido no entreposto de Gaia e exportado da cidade do Porto, que lhe dá o nome.
Este entreposto foi criado em 1926, situado em Vila Nova de Gaia, parte Sul do rio Douro em frente ao Porto, para onde o vinho era transportado por via fluvial nos típicos barcos RABELOS.
O vinho do Porto pode ter uma graduação alcoólica entre os 18º e os 22º. Este vinho deve as suas inconfundíveis características (sabor, aroma e corpo) às peculiares condições agro-climatéricas da região demarcada do Douro.
No vinho do Porto há uma enorme variedade de cores, uma vez que este vinho é obtido a partir de castas brancas e tintas. Assim, as cores dos tintos podem variar entre o tinto escuro e claro e as cores dos brancos variam entre o branco pálido e o dourado. É curioso notar que à medida que o vinho branco envelhece a sua tonalidade torna-se mais próxima do âmbar. Por outro lado, o vinho tinto vai perdendo intensidade de cor podendo até ficar com tonalidades próximas de um vinho do Porto branco muito velho. Ao nível da doçura, os vinhos do Porto podem classificar-se em muito doce, doce, meio seco ou extra seco (dependendo do momento em que se interrompe a fermentação) e segundo o tipo de envelhecimento podem ser vintage (se forem provenientes de uma única colheita de qualidade reconhecida e engarrafados entre 24 e 36 meses após a vindima), tawny (envelhecimento em casco, por oxidação) ou ruby (vinhos novos com pouca ou nenhuma oxidação).

ELABORAÇÃO
Na elaboração do VINHO DO PORTO, a fermentação é interrompida mais cedo, de modo a impedir a transformação total do açúcar do «mosto» (sumo fermentado sem a adição de aguardente) em álcool.

Julgo ser de interesse informar que quando a fermentação chega ao ponto desejado, normalmente atinge 7,5 baumé de densidade, procede-se à incubação, altura em que se faz a adição de aguardente vínica (100 a 110 litros de aguardente por cada 430 a 440 litros de mosto, que por lei deve ter entre 76º a 78º).
Procedendo-se desta forma obtém-se um vinho com 3º baumé x 19º.
Assim, os vinhos generosos apresentam uma graduação alcoólica mais elevada do que os de mesa (18º a 22º).

PROCESSO PRODUTIVO
• Vindima
• Transporte
• Recepção
Desengace /Esmagamento
• Fermentação
Aguardentação
• Prensagem
Transfega
• Maturação
• Lotação
• Clarificação
• Engarrafamento

ENVELHECIMENTO
Os vinhos generosos são depositados em garrafas ou barris onde passam por um período de estágio (às vezes com a duração de décadas) antes de serem comercializados.

O vinho do Porto é envelhecido pelos seguintes processos:
- casco
- garrafa
- casco e garrafa.

No tempo de envelhecimento o vinho do Porto tinto adquire vários tons de cor:
• Retinto (full) - vinho novo, encorpado, com acentuado sabor a fruto
• Tinto (red) - vinho ainda novo, tom avermelhado, vinoso, sabor e corpo semelhante ao retinto
• Tinto alourado (ruby) - vinho com oito a dez anos de envelhecimento e com cor de rubi
• Alourado (tawny) - vinho com quinze a vinte anos de envelhecimento, alourado, de tom amarelado, já pleno de qualidades, lotado e refrescado com outros mais novos para lhe darem frescura
• Alourado claro (light - tawny) - vinho de grande categoria, na fase final de envelhecimento, tendo atingido o auge das suas qualidades. Embora produto de várias e cuidadosas lotações, degenera se não for refrescado com vinhos mais novos que permitam a sua existência indefinida.
O vinho do Porto branco com o envelhecimento adquire os seguintes tons de cor:
• Branco pálido - vinho novo, com menos ácidos e menos corpo que o tinto. É mais macio de paladar
• Branco palha (Straw Coloured White) - vinho mais velho e carregado de cor que o branco pálido
• Branco Dourado - vinho com nuance de ouro velho correspondente ao máximo da sua qualidade, tendo de ser refrescado para se manter.

TIPOS DE VINHO DO PORTO
Vintage
• Late Bottled Vintage ou L.B.V. (actualmente apenas Late Bottled)
• Vinho do Porto com data da colheita
• Vinho doPorto com indicação de idade.

FORMA DE BEBER
O vinho do Porto pode beber-se a diversas horas do dia, como aperitivo, digestivo ou para acompanhar sobremesas.
Os vinhos brancos secos devem beber-se frescos e os restantes à temperatura ambiente.

QUEM VEM E ATRAVESSA O RIO
JUNTO À SERRA DO PILAR...



VÊ UM VELHO CASARIO... QUE SE ESTENDE...
ATÉ...
AO MAR.
Termino com um brinde.
À nossa.
H.S. Março/2011

15 comentários:

  1. " ...quem vem e atravessa o rio junto à Serra do Pilar ..."....assim canta Rui Veloso. É o maravilhoso Norte. Obrigado Henrique, pelas informações e por estes magníficos desenhos que complementam a postagem...
    Tivemos, há já algum tempo, o privilégio de passear no rio Douro com a tua Ana. Maravilhosa paisagem.
    Noutro âmbito, e sendo do nosso conhecimento que o Pedro, teu filho, a quem nos une grande amizade, vai amanhã , como maestro, reger a orquestra do Centro, desejar-lhe felicicidades, pois sabemos que é a sua estreia ...
    Abraço

    ResponderEliminar
  2. Uma excelente aula escrita sobre o vinho do Porto, que todos gostamos mas muitos de nós ignora as fases porque passa até chegar de ser bebido!
    Alguns destes pormenores são mais conhecidos mas outros, pelo menos para mim,vêm completar o melhor conhecimento sobre este vinho que todo o mundo conhece e aprecia!
    ~Muito giro também a sequência de postais com a letra da canção do Rui Veloso!

    ResponderEliminar
  3. Apenas foi minha intenção aromatizar este espaço e contribuir para isaltar este NOSSO produto de qualidade que, em certos momentos, ajuda a conservar a auto-estima.
    Quanto ao Pedro, obrigado Quito pelas tuas palavras e se estires por perto, não percas.
    Abraço

    ResponderEliminar
  4. Quanto aos "postais" Rafael, embora não sejam ilustrados, ilustram a forma como eu reproduzo uma das mais belas paisagens que conheço e também uma homenagem à Ana que a adora.
    Abraço

    ResponderEliminar
  5. Henrique
    Se estivesse em Coimbra, estava "caído" em Aveiro, para lhe dar um abraço.Mas tenho um compromisso inadiável e importante em Lisboa, como aliás já demos conhecimento à tua Ana...
    Abraço

    ResponderEliminar
  6. Detenho-me a imaginar, ao cair da tarde, o Henrique a dedilhar a sua viola e a fazer ecoar pelos solcalcos das vinhas durienses, o timbre da sua voz.

    Estou até a idealizar-me perto dele a escutá-lo em silêncio para, no fim da canção, brindar com um cálice de vinho do Porto.

    Não sou apreciador deste afamado vinho, mas nestas circunstâncias, não deixaria de o fazer...

    ResponderEliminar
  7. Achei deliciosa esta partilha pelas terras do Douro com a chancela de quem as conhece bem e ama...
    E gosto muito,muito de vinho do Porto.

    ResponderEliminar
  8. Um trabalho bem completo, com o texto, as fotografias, o desenho e, a cereja no topo do bolo, o brinde com um Porto ao som de Rui Veloso!
    Estou com o Rui Felício a escutar os acordes da guitarra, Henrique!

    ResponderEliminar
  9. Henrique, obrigado por esta viagem pelos segredos dum vinho que tão apreciado é por todo o Mundo, mas tão desconhecido nos seus pormenores por tantos de nós.
    Pelo sucesso da estreia do teu filho em Aveiro ergo, num brinde, o meu cálice de vinho do Porto.
    Um abraço
    Abílio

    ResponderEliminar
  10. Parabéns Henrique, por mais este conhecimento. O vinho do Porto é uma bebida que muito aprecio, quando é bom. Tal como o Abílio sugeriu, também ergo num brinde ao vosso filho, um cálice desse néctar, desejando-lhe boa estreia e a continuação de grandes êxitos na sua carreira. Beijos aos Pais.

    ResponderEliminar
  11. Senti o aroma do Porto, da Ribeira, do Douro...
    Aprendi coisas que não sabia.
    Para além de te dizer obrigado, só posso erguer o mau cálice saudando-te a ti e à Ana, brindando pelo bom êxito do vosso filho.

    ResponderEliminar
  12. ...e ainda a categoria dos "postais" com a assinatura de H.S.!!!!
    Maravilha!

    ResponderEliminar
  13. TERESA LOUSADA DE MENESESmarço 25, 2011 10:27 da manhã

    Muito obrigada Henrique por me levares contigo nesta maravilhosa viagem, pelas encantadoras terras do Douro!!! As paisagens são lindas, o ar e os cheiros inebriantes! Começo a ficar tonta...não sei se pela beleza, se pela companhia, se pelos aromas que nos rodeiam!!! É altura de pararmos e de nos refrescarmos com este delicioso néctar que é o Vinho do Porto, mas eu e ao contrário de alguns amigos nossos, não me vou contentar com um pequeno cálice..., vou beber dois ou três... e depois quem sabe meu Amigo, se a minha voz acompanhada pela tua viola, primorosamente dedilhada por ti, não ecoará por esses solcalcos vinhateiros, semeando e espalhando sons que tu tão bem sabes tirar dela!!!!

    Beijinho para Ti e Ana e para o Pedro, pedindo desculpa a todos pela rudeza da palavra, vão os meus desejos de muita "merda" para a sua estreia como Maestro.Beijo

    ResponderEliminar
  14. Obrigado a todos pela afabilidade das palavras que me dirigiram, pelo trabalho que vos ofereci com o maior prazer, mas ainda mais no que toca ao meu filho.
    Quanto aqueles que gostam do néctar, já sabem que em Água Longa há sempre uma reserva de colheita particular para degostar, para os que não apreciam, há igualmente o grande prazer da nossa parte em os receber e sempre se arranja qualquer coisinha...

    ResponderEliminar
  15. Amigos: Obrigada pelo carinho expresso.

    Quanto ao Henrique,quero aqui deixar-lhe os parabéns ,não só pelo texto mas em especial pelos magníficos postais de sua autoria e a mim dedicados, por ser este o meu local de eleição. O MAIS BONITO DO MUNDOOOOO !!!
    Obrigada.
    Nota: Isto é muito AMOR!BEIJOS.

    Ana Maria

    ResponderEliminar