quinta-feira, 30 de setembro de 2010

BENJAMIM



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Caça aos gambuzinos
O Benjamim era aquilo a que se chamava “um verdadeiro marrão”.
Apareceu no Bairro, oriundo da Pampilhosa da Serra e hospedou-se em casa do Rui Mesquita, salvo erro , no ano em que foi caloiro de Direito.
Viria a ser, depois de formado, Juiz numa comarca da Beira Alta. E chegou a ser, anos mais tarde, Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional.
Passava o tempo encafuado no seu quarto a estudar, donde saía à noite, apenas por breves minutos para ir ao café beber uma bica. Era de uma ingenuidade atroz e dela não se desemburrava pelo pouco convívio extra escolar que tinha connosco. Eu frequentava na altura o 2º ano da mesma Faculdade e, por isso, era dos poucos com quem ele conversava, durante as idas e vindas das aulas, normalmente para me pedir esclarecimentos sobre algumas matérias do curso, único tema com que verdadeiramente se preocupava.
Um dia porém, coisa pouco usual nele, abordou um assunto corriqueiro! Gostava muito de um casaco de cabedal que eu trazia vestido
- Onde o compraste?perguntou-me deveras interessado...
Não sabia se ele já tinha ouvido falar em gambuzinos e nas histórias por demais conhecidas que giravam em nome desse “animal” inexistente. Mas aproveitei-me e, meio a sério, meio a sorrir, tentei:
- Mandei-o fazer! Este casaco é feito de pele de gambuzino.
- Gambuzino?!! – Que é isso?, insistiu admirado o Benjamim.
Percebi que nunca tinha ouvido falar da “caça aos gambuzinos” deixando-me mão livre portanto para planear uma caçada.
Expliquei-lhe que é um animal muito raro, cuja pele, de excelente qualidade possibilita a confecção de vestuário como o meu casaco, de que ele tanto tinha gostado.
Se ele quisesse, poderíamos organizar uma caçada, mas adverti-o de que tudo se teria de passar no mais absoluto segredo, porque a caça ao gambuzino era proibida por lei, para proteger aquele animal em vias de extinção.
- E como é que a gente sabe onde e quando o encontrar? – inquiriu o Benjamim.
- Bom, é um animal que paira a meia altura e por isso não deixa pegadas. É muito desconfiado e sentindo a presença humana, abriga-se e protege-se em troncos ocos das árvores. – elucidei eu.
O Benjamim estava entusiasmadíssimo. Estranhava que na Pampilhosa da Serra nunca tenha ouvido falar em gambuzinos.
- Isso não é admirar, disse-lhe eu. - Só há duas ou três zonas restritas no País onde eles existem. Uma delas é exactamente entre a margem norte do Rio Mondego e o Bairro. Ou seja, no Pinhal de Marrocos e zonas circundantes.
Combinámos que nessa mesma noite eu organizaria uma caçada, recomendando-lhe mais uma vez segredo absoluto , por causa da grave ilegalidade que isso representava. Eu sabia que o Benjamim era muito sensível a este argumento...
Chegado ao café do Silva, combinei com o Vitor Soares, o Feliciano, o Calado e o Zeca Mestre e por volta da meia-noite fomos buscar o Benjamim a casa, partindo todos em direcção ao pinhal de Marrocos. Démos-lhe um saco de serapilheira e munimo-nos de paus e latas, instrumentos indispensáveis à caçada.
Logo ao fundo da Quinta das Flores, escolhemos uma oliveira com um tronco oco e dissemos em surdina ao Benjamim para ele colocar a boca do saco no buraco da oliveira.
- O gambuzino vai sair por aí. Quando ele entrar para dentro do saco, fecha-lo e pronto...- explicou-lhe um de nós com voz sussurrada.
- Nós vamos afugentá-lo fazendo barulho com os paus a bater nas latas, para ele entrar na toca da árvore, no caso de andar cá por fora.
- Certifica-te que o bocal do saco de serapilheira tapa completamente a toca da árvore ouviste? O gambuzino é muito esperto e se deixas uma abertura, por pequena que seja, ele escapa-se! Fomos batendo os paus e gradualmente fomo-nos afastando.
Sentámo-nos ao cimo da escadaria da R. Pedro Álvares Cabral, medindo o tempo que duraria a paciência do Benjamim.Enfim, podia ter sido pior...
Mesmo assim, demorou duas horas a compreender o logro. Só o vimos subir a escadaria esbaforido e ameaçando-nos por volta das duas da manhã.
Rui Felício

14 comentários:

  1. Pois, Pampilhosa da Serra. Andei para lá a correr muitos meses, aquando de um mal esclarecido caso de aves em cativeiro, em que o Presidente da Câmara tinha a sua quota parte de responsabilidade. O Instrutor do processo, enquanto almoçavamos no intervalo das audições, dizia-me em ar jocoso: " ...Óh Pereira, que raio de terra esta que não progride nada, parece um barco encalhado. E realmente era. Mesmo os mais aptos - que me perdoes a impertinência do dislate, meu caro Rui, nesta tua prosa de irreverência estudantil - não eram próprimante de grande fulgor intelectual. Por isso o saco dos gambuzinos veio avivar-me a memória e reforçar o meu conceito. Admito contudo, que possa ser a minha mente tortuosa.Um dia, num desses almoços entre duas sessões apagou-se a luz. O dono do sombrio café, foi ao telefone de manivela e o monólogo foi mais ao menos assim:
    _Está, é da Central ..óh Ernesto desligaste a luz???...desligaste???!!! ...então quem é que me paga a carne que tenho na arca frigorifica se descongelar ...
    Milagrosamente, a luz apareceu segundos depois. E nós, mortos de riso, lá recomeçámos a feijoada...
    Por isso, esta crónica dos gambuzinos estás nos pârametros do bardo encalhado. Mas foi Juiz Conselheiro.Essa é que é a realidade nua e crua. Espero que tenha feito alguma coisa lá pela terra que o viu nascer ...

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  2. Consta que o Benjamim fez alguma coisa pela sua Pampilhosa da Serra.
    Consta também que é um jurista de grande competência técnica.
    Infelizmente também consta que lhe subiu à cabeça a presunção e excesso de vaidade por causa dos proeminentes lugares a que, certamente por mérito seu, ascendeu.
    Mas isso são contas de outro rosário que muitas pessoas do Bairro já ouviram contar...

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  3. Eu julgo, meu caro Rui, que conheces a Pampilhosa da Serra. É um vale, rodeado de montanhas. Só se vê céu. Sentimo-nos estrangulados. Por vezes dou comigo a pensar, o que será se houver uma cintura de fogo. Morrem lá todos fritos. A "carreira" para Castelo Branco é indiscritível. Já um dia contei essa experiência no C.V.É como estar fora do mundo.Fazer uma viagem entre Pampilhosa e Coimbra é outra aventura. São quilómetros e quilómetros sem se ver vivalma. As pás das eólicas aparecem por detrás dos morros, em ritmo compassado e fazendo um estranho barulho ao cortar o vento. É sinistro. Se somares a isto uma mulher com uma urna à cabeça, como eu vi há muitos anos, então direi que é quase ficção.
    A tua narrativa tem a comicidade dos tempos de uma Coimbra apaixonante. Nada tem haver com estas praxes ofensivas e abusivas dos tempos de hoje. Era o encanto daquela época. Um saber estar que não ofendia. Era Coimbra...
    Ao Benjamim, temos que dar os louros de uma vida académica que, pelo que deduzo das Tuas palavras, brilhante. Mas faltar-lhe-à, certamente, a simplicidade dos grandes Homens ...
    Abraço
    Abraço

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  4. Curiosamente só há muito pouco tempo conheci a Pampilhosa da Serra. É tal como a descreves. Um sufoco, mas mesmo assim com uns arredores muito bonitos.
    Fui passar uns dias no Alambique D'Oro no Fundão e depois fui almoçar à Aldeia de Janeiro de Cima, num restaurante com uma comida fabulosa ( O Fiado ).
    Como sabes é uma bela aldeia perdida junto ao Zêzere e a dois passos de Pampilhosa da Serra que aproveitei para conhecer.

    As estradas agora não são más em termos de piso, mas são só curvas e contra-curvas, o que nos faz perder horas para percorrer meia dúzi de Kms.

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  5. Felício, este Benjamim não veio do Seminário?
    Se for o que o que penso num ano fêz o Quinto e o 7º ano e admissão à universidade.
    E a ESTRELINHA CÁI CÁI,conheces?
    Tonito.

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  6. Capacidade criativa. Criar uns gambuzinos tão grandes para dar tanta pele, a entrarem e a sairem por um buraco de oliveira de forma tão convincente, partindo de uma simples conversa, só uma de futuro advogado. Fartei-me de rir e a companhia também.

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  7. "Crónica dos Bons Malandros"
    ou
    "Histórias da Minha Rua"
    por Rui Felício e
    não
    por Mário Zambujal

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  8. Conclusão: para se ser Juiz Conselheiro não é preciso saber o que é um gambuzino!
    Uma estória com a marca Rui Felício!
    Estou a ficar demasiado "letrado" com as crónicas do Rui e do Quito!
    Mas já não vou a tempo de ser Juiz Conselheiro embora também não saiba o que é um gambuzino!

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  9. O Felício traz-me, com esta graça que só ele sabe utilizar, duas recordações.
    A primeira:
    Eu também tive "um Benjamim" que, lá pelo Porto, foi aos gambuzinos. A patranha era idêntica, com mais um requinte de malvadez: a vitima tinha de sussurrar " gambuzino ao saco, gambuzino ao saco, gambu..." até que a voz lhe doesse ou que a paciência se lhe esgotasse.
    Não deixa de ser curioso saber-se que, em duas cidades, situadas a mais de 100 km uma da outra, se "cultivava" o gambuzino que "não era uma ave voadora nem tão pouco um animal rastejante" - mais uma vez, coincidente com a descrição do Felício, porque pairava a meia altura e não dexava pegadas...
    Recordo-me que uma das vitimas da brincadeira ficou de tal forma amuada que muito trabalho me deu para o fazer retornar ao grupo.
    Mas... retornou! Bons tempos!

    Mas eu falei em duas recordações. Já cá volto para vos contar da segunda.

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  10. Falemos dum Benjamim que conheci em 1967.

    Instalei-me, por razões que não me importaria de vos contar mas que não vem para o caso, em casa da Dona Aurora. na Rua de Moçambique, quase em frente à família Curado.
    Pensão completa: quarto, pequeno almoço, almoço e jantar, com direito a dois banhos semanais, preço 850 paus. Tudo bem, os banhos eram poucos mas o resto satisfazia.
    Para além de mim, bancário - em inicio de uma brilhante carreira, brilhante porque na época quem era bancário tinha um futuro brilhante - mais dois hóspedes. Um, estudante liceal que sendo hóspede era também sobrinho da Dona Aurora. Outro, estudante universitário, oriundo de Pampilhosa da Serra. Este chamava-se Benjamim e tinha um tratamento VIP.
    Dona Aurora, aproveitava-se do Benjamim, do seu exemplo de estudante aplicado, que rapidamente chegaria a doutor, para "ensaboar" a cabeça ao sobrinho. Um "cábula" que deveria era por os olhos no Dr. Benjamim.
    Fácil será de adivinhar que as minhas maiores simpatias iam para o "cábula" e que as minhas maiores reservas iam para o doutor que mais parecia um animal prezo no seu mundo fechado.
    E, é bom que se diga, quando se atrevia a dar dois passos fora desse seu mundo, logo ressaltava uma mentalidade retrógrada.
    Em suma, eu não gostava do Benjamim!
    Perdi-lhe o rasto, vim a saber mais tarde que era Juiz. Não sei onde, não interessa.
    Mais recentemente, tive noticias do Benjamim. Ou melhor, toda a cidade de Coimbra, através dos seus "calinos diários", teve noticias de um Juiz desembargador que foi protagonista de uma história rocambolesca.
    O Juiz desentendeu-se com um comum cidadão. Motivo: a prioridade numa fila de multibanco. Motivo importante, como se percebe.
    Palavra puxa palavra, o Juiz "rapa" da sua autoridade e dá voz de prisão ao outro ( que não era Juiz...)
    Esta importante questão chegou a tribunal, o cidadão foi absolvido, o Juiz levou uma reprimenda do seu colega. "Desnecessária utilização de autoridade" - foi assim classificada a sua prepotência.
    Pois é, meus amigos, continuamos a falar do mesmo Benjamim!
    Como vêm, eu tinha razão de, já em 1967, não gostar dele!
    É verdade que ele também não gostava de mim, estamos "quites".

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  11. Não me quis alongar nas referências aos comportamentos pessoais do Juiz Benjamim. O Carlos Viana contou um deles de uma forma clara e bem humorada como é seu timbre. Mas há outros...
    Falou no ano de 1967, ano em que o conheceu. O Benjamim foi caloiro em 1964, ano em que esta história se passou.

    O Chico Torreira observou e bem que para se fazer um casaco parecia dificil obter a pele suficiente de um animal tão pequeno.
    Não foi coisa que o Benjamim não nos tivesse questionado antes de partir para a caçada.
    Não o referi nesta crónica apenas para não a alongar.
    Mas o Feliciano, que estudava engenharia, explicou ao Benjamim que o gambuzino era um animal de geometria variável que, depois de morto inchava e atingia as dimensões máximas.
    Ficava do tamanho de um carneiro...
    O Benjamim, ingénuo, crédulo e ansioso pela caçada acreditou.

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  12. Estou a pensar na quantidade de Benjamins que este país sustenta...
    No que eles fariam,quando eram novitos,para obter um casaco de pele...
    Imagino que,ainda hoje,andem a tentar caçar um super-gambuzino.
    Um abraço.

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  13. Bem reforçada a gambuzinada estória do Benjamim pelo Carlos Viana!

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