Outono ...
Neste breve hiato que a Eternidade nos consente, somos passageiros efémeros da Barca do Tempo. Em remada lenta e cadenciada, vamos contemplando as Margens. A Natureza, generosa, faz desfilar perante os nossos olhos o esplendor das Suas roupagens. Agradeçamos o privilégio. Saudemos a vida. Aqui, pela Beira Baixa, apareceram as primeiras chuvas de um Outono que se anuncia. Um ténue bálsamo para as terras ressequidas. Um novo alento para os agricultores. Começou a vindima. As aldeias despovoam-se. Homens e mulheres afadigam-se nos seus afazeres. É tempo dos campos retribuírem tantos trabalhos e canseiras. É tempo de transportar as uvas para os lagares. É tempo de aconchegar o vinho nas pipas. Mas é também tempo das povoações deste Portugal profundo encalharem no Tempo. Nas ruas, estreitas e sombrias, não se vê vivalma. Aqui e ali, descobrimos um idoso amparado a uma bengala. As mulheres usam na cabeça o luto que lhes vai na alma. Afinal, o singelo lenço que as acompanhará para o resto da vida. Na humidade da taberna escura, só se vislumbra a sombra do taberneiro. As cadeiras estão vazias. O velho tabuleiro do “jogo das damas”, repousa sobre o tampo de mármore gasto pelo uso. Também o baralho de cartas amarelecido pelos anos aguarda melhores dias, depois de muito ter sido manuseado nas tardes de escaldante canícula. Cá fora, percorrendo a estreita fita de estrada, vamos observando a sinfonia das cores, em que o castanho começa a predominar sobre um verde e amarelo desmaiados. E à tarde, quando o sol se esconde mais cedo para lá do Moradal, as nuvens cinzentas, como castelos no céu, arrastam as suas sombras pelo cume das montanhas. E uma brisa suave e fresca dança por entre a folhagem das árvores. É a agonia do Verão. E o começo de uma melodia triste. O prelúdio de Outono.
Quito Pereira
Quito Pereira
Leio..."saboreio" e...oiço Vivaldi!
ResponderEliminarhttp://www.youtube.com/watch?v=3xfAL9T_g5U
Um abraço...e o que acabo de ler...não é prosa é também poesia!
Li, percebi tudo e voltei a ler. Ainda vou ler novamente antes de me deitar, se não fôr antes. A fotografia é outra maravilha. É verdade, neste momento estão doze graus centígrados mas ainda se anda de calções.
ResponderEliminarVem mesmo acalhar este hino ao Outono porque
ResponderEliminaré um período do ano que elejo!
Não só pelos tons ocres das folhagens mas,por
me recordar o ínicio da escola primária,das aulas
até ao final da minha formação académica...
Habituei-me a recomeçar TUDO em Outubro e ainda
hoje mantenho esse costume...até, a minha actividade profissional foi iniciada nesta época!
E principalmente gosto do Outono porque nasci
para o mundo... Obrigada,Mãe e Pai!
Esclarecimento: lagar é de azeitona.Mas também existe o lagar do vinho, com outras caracteristicas. Nesta região também se chamam lamegos...
ResponderEliminarAntípoda da florida Primavera, sucede ao Verão explosivo, folião, mas insensato, e é tida por muitos como a Estação do ano mais cinzenta, mais silenciosa, mais propícia ao constrangimento, mais atreita ao desfiar das recordações menos boas que nos apertam o coração.
ResponderEliminarPois eu não penso assim!
Sou um romântico e esta é a minha Estação preferida.
Porque convida à meditação que na euforia das férias de verão tantas vezes desprezamos. Porque não tem Páscoas nem Natais que nos apelam ao consumismo e nos distraem.
Porque não gelamos os ossos com a invernia nem nos abafamos com a canícula.
E o Quito veio acrescentar argumentos que me faltavam para justificar o meu ponto de vista.
Senão, peguemos nalgumas frases lapidares deste texto...
E cito, as que mais se entranharam no meu pensamento:
- É tempo de os campos retribuírem (...) trabalhos e canseiras.
- (...) percorrendo a estreita fita da estrada, vamos observando a sinfonia das cores (...)
- (...) Uma brisa suave e fresca dança por entre a folhagem (...)
- ( ... )apareceram as primeiras chuvas de um Outono (...) um novo alento para os agricultores (...)
E pergunto:
Em que outra Estação a Natureza retribui ao povo o resultado das canseiras e da labuta na terra?
Em que outra Estação se sente a sinfonia das cores suaves e calmas com que a Natureza nos brinda?
Quem pode ficar indiferente à melodia da brisa suave e à bela dança das folhas amarelecidas?
Que há de melhor para um agricultor, senão a chuva outonal que lhe devolve a esperança num novo ciclo de vida?
E agora repito, porque nunca é demais dizê-lo, que o Quito emociona quem o lê como só o consegue fazer, quem foi, como ele, tocado pelo dom da escrita e pela capacidade de nos fazer comungar da sua própria sensibilidade.
Muito me têm sensibilizado os comentários que li até aqui. Fala-se de Vivaldi, lê-se e relê-se do outro lado do Atlântico. Fala-se de hino ao Outono. E pela pena do Felício vem um hino à arte de bem escrever. Não se trata de retribuição de um cumprimento. Trata-se de perceber a sensibilidade apurada deste amigo. Percebo a sua prosa de advogado de defesa. No que escreveu, está lá o estigma da sua formação juridica. Os argumentos são de peso. Não tenho capacidade para os rebater e aceito a apologia das cores outonais. Por mim, prefiro a Primavera. Gosto da explosão das cores. Dos dias grandes. Do perfume dos campos. Da libertação da alma.
ResponderEliminarUm abraço a todos, com o agradecimento de não terem ficado indiferentes. Este texto, para quem percebe, é também um hino à solidão.
Abraço a todos
Quito,partilhei no facebook.
ResponderEliminarUm texto lindo! O primeiro que leio... E, sim, eu percebi-o/senti-o como um hino á solidão... Ainda que também o reconhecimento da entrega da natureza ao seu mister e mistério.. E sem o Outono e o Inverno, não seriam tão deslumbrantes a Primavera e o Verão... Por outro lado, nós próprios vivemos segundos os ritmos da natureza, pelo que precisamos deste tempo de recolhimento, de interiorização, para voltarmos depois a reencontrar a sinfonia de novas Primaveras e incandescências de outros Verões. Embalados pelos dias e pela maciez do tempo a passar, novos eus se vão reiventando, para novas primaveras a ser...
ResponderEliminarLer textos de Quito e de Felício enche-me a alma.
ResponderEliminarObrigado aos dois.
É com muita alegria que vejo a Nazaré aqui...
ResponderEliminarContinua,amiga!
O "nosso" Quito,mal sai de Coimbra,foge-lhe a pena para a nostalgia da solidão!
ResponderEliminarAinda bem que partilhas connosco os teus estados de espírito, pois assim reconfortas os nossos.
Na paleta de cores outonais, a natureza revela todo o seu esplendor!
Os teus textos valem pelo que valem e ainda têm a mais valia pelos comentários que eles suscitam complementam.
Um abraço.
Pela parte que me toca este texto é um Hino de LUZ.
ResponderEliminarA LUZ de Outono, e o resto.
O melhor que hesiste para a fotografia de paisagem.
Obrigado.
Tonito.
Só agora e já não é nada cedo venho por aqui para ver o que o nosso romancista escreveu!
ResponderEliminarÉ uma desvantagem e uma vantagem ao mesmo tempo!
Os comentaristas anteriores já não me deixaram margem para dizer qualquer coisa de original, mas tive o previlégio não só de ler e reler esta magnifica peça "Prelúdio do Outono"-que podia muito bem ser acompanhada ao piano pelo teu filho André- podia ser Vivaldi como suger o Leitão,mas tive a vantagem de também poder apreciar na mesma leitura os belos comentários feitos por quem sabe apreciar e comentar com propriedade tão bela escrita!
Cada vez me sinto mais FELIZ pela criação deste espaço de Encontro de Gerações!
Obrigado a todos vós!
Quem escreve como vocês, Quito e Rui Felício, está abençoado...E mais não digo,pois não tenho palavras.
ResponderEliminarSó sei que alguém, talvez tu Rafael,possa guardar e publicar, não sei qualquer coisa assim, para voltarmos a reler quando os nossos corações pedirem.Obrigada por tão belas palavras que já li e reli.
A grande magia...Nanda, aparece e diz o que te vai na alma.
ResponderEliminarÉ tão bom ver-te na tertúlia da nossa sala!!!
Já tinha lido este texto do Quito e disse a mim próprio que teria de o reler.
ResponderEliminarPara melhor o saborear.
Foi o que acabei de fazer e, embora habituado aos bons textos deste querido amigo, tenho de confessar que o meu apreço pela sua capacidade de transmitir sentimentos é enorme. A Natureza, a Mãe de todos os defeitos e virtudes, está sempre na sua mira.
Belo, muito belo!
Parabéns, Quito.
Carlos Viana.
Em tempo:
ResponderEliminarFiz o meu comentário sem ter lido os comentários já publicados. Faço isso, por hábito, numa tentativa de não deixar influenciar a minha opinião.
Verifico que apenas juntei a minha voz ao coro, o que é natural.
Volto aqui apenas para dizer que gostei muito da voz da Nazaré. Quem tem uma voz tão bonita como a dela não tem o direito de a silenciar!...
Carlos Viana.