quinta-feira, 16 de setembro de 2010

PRELÚDIO DE OUTONO ...

Outono ...
Neste breve hiato que a Eternidade nos consente, somos passageiros efémeros da Barca do Tempo. Em remada lenta e cadenciada, vamos contemplando as Margens. A Natureza, generosa, faz desfilar perante os nossos olhos o esplendor das Suas roupagens. Agradeçamos o privilégio. Saudemos a vida. Aqui, pela Beira Baixa, apareceram as primeiras chuvas de um Outono que se anuncia. Um ténue bálsamo para as terras ressequidas. Um novo alento para os agricultores. Começou a vindima. As aldeias despovoam-se. Homens e mulheres afadigam-se nos seus afazeres. É tempo dos campos retribuírem tantos trabalhos e canseiras. É tempo de transportar as uvas para os lagares. É tempo de aconchegar o vinho nas pipas. Mas é também tempo das povoações deste Portugal profundo encalharem no Tempo. Nas ruas, estreitas e sombrias, não se vê vivalma. Aqui e ali, descobrimos um idoso amparado a uma bengala. As mulheres usam na cabeça o luto que lhes vai na alma. Afinal, o singelo lenço que as acompanhará para o resto da vida. Na humidade da taberna escura, só se vislumbra a sombra do taberneiro. As cadeiras estão vazias. O velho tabuleiro do “jogo das damas”, repousa sobre o tampo de mármore gasto pelo uso. Também o baralho de cartas amarelecido pelos anos aguarda melhores dias, depois de muito ter sido manuseado nas tardes de escaldante canícula. Cá fora, percorrendo a estreita fita de estrada, vamos observando a sinfonia das cores, em que o castanho começa a predominar sobre um verde e amarelo desmaiados. E à tarde, quando o sol se esconde mais cedo para lá do Moradal, as nuvens cinzentas, como castelos no céu, arrastam as suas sombras pelo cume das montanhas. E uma brisa suave e fresca dança por entre a folhagem das árvores. É a agonia do Verão. E o começo de uma melodia triste. O prelúdio de Outono.
Quito Pereira

17 comentários:

  1. Leio..."saboreio" e...oiço Vivaldi!

    http://www.youtube.com/watch?v=3xfAL9T_g5U

    Um abraço...e o que acabo de ler...não é prosa é também poesia!

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  2. Li, percebi tudo e voltei a ler. Ainda vou ler novamente antes de me deitar, se não fôr antes. A fotografia é outra maravilha. É verdade, neste momento estão doze graus centígrados mas ainda se anda de calções.

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  3. Vem mesmo acalhar este hino ao Outono porque
    é um período do ano que elejo!
    Não só pelos tons ocres das folhagens mas,por
    me recordar o ínicio da escola primária,das aulas
    até ao final da minha formação académica...
    Habituei-me a recomeçar TUDO em Outubro e ainda
    hoje mantenho esse costume...até, a minha actividade profissional foi iniciada nesta época!
    E principalmente gosto do Outono porque nasci
    para o mundo... Obrigada,Mãe e Pai!

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  4. Esclarecimento: lagar é de azeitona.Mas também existe o lagar do vinho, com outras caracteristicas. Nesta região também se chamam lamegos...

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  5. Antípoda da florida Primavera, sucede ao Verão explosivo, folião, mas insensato, e é tida por muitos como a Estação do ano mais cinzenta, mais silenciosa, mais propícia ao constrangimento, mais atreita ao desfiar das recordações menos boas que nos apertam o coração.

    Pois eu não penso assim!

    Sou um romântico e esta é a minha Estação preferida.
    Porque convida à meditação que na euforia das férias de verão tantas vezes desprezamos. Porque não tem Páscoas nem Natais que nos apelam ao consumismo e nos distraem.
    Porque não gelamos os ossos com a invernia nem nos abafamos com a canícula.

    E o Quito veio acrescentar argumentos que me faltavam para justificar o meu ponto de vista.

    Senão, peguemos nalgumas frases lapidares deste texto...

    E cito, as que mais se entranharam no meu pensamento:
    - É tempo de os campos retribuírem (...) trabalhos e canseiras.
    - (...) percorrendo a estreita fita da estrada, vamos observando a sinfonia das cores (...)
    - (...) Uma brisa suave e fresca dança por entre a folhagem (...)
    - ( ... )apareceram as primeiras chuvas de um Outono (...) um novo alento para os agricultores (...)

    E pergunto:
    Em que outra Estação a Natureza retribui ao povo o resultado das canseiras e da labuta na terra?
    Em que outra Estação se sente a sinfonia das cores suaves e calmas com que a Natureza nos brinda?
    Quem pode ficar indiferente à melodia da brisa suave e à bela dança das folhas amarelecidas?
    Que há de melhor para um agricultor, senão a chuva outonal que lhe devolve a esperança num novo ciclo de vida?

    E agora repito, porque nunca é demais dizê-lo, que o Quito emociona quem o lê como só o consegue fazer, quem foi, como ele, tocado pelo dom da escrita e pela capacidade de nos fazer comungar da sua própria sensibilidade.

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  6. Muito me têm sensibilizado os comentários que li até aqui. Fala-se de Vivaldi, lê-se e relê-se do outro lado do Atlântico. Fala-se de hino ao Outono. E pela pena do Felício vem um hino à arte de bem escrever. Não se trata de retribuição de um cumprimento. Trata-se de perceber a sensibilidade apurada deste amigo. Percebo a sua prosa de advogado de defesa. No que escreveu, está lá o estigma da sua formação juridica. Os argumentos são de peso. Não tenho capacidade para os rebater e aceito a apologia das cores outonais. Por mim, prefiro a Primavera. Gosto da explosão das cores. Dos dias grandes. Do perfume dos campos. Da libertação da alma.
    Um abraço a todos, com o agradecimento de não terem ficado indiferentes. Este texto, para quem percebe, é também um hino à solidão.
    Abraço a todos

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  7. Um texto lindo! O primeiro que leio... E, sim, eu percebi-o/senti-o como um hino á solidão... Ainda que também o reconhecimento da entrega da natureza ao seu mister e mistério.. E sem o Outono e o Inverno, não seriam tão deslumbrantes a Primavera e o Verão... Por outro lado, nós próprios vivemos segundos os ritmos da natureza, pelo que precisamos deste tempo de recolhimento, de interiorização, para voltarmos depois a reencontrar a sinfonia de novas Primaveras e incandescências de outros Verões. Embalados pelos dias e pela maciez do tempo a passar, novos eus se vão reiventando, para novas primaveras a ser...

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  8. Ler textos de Quito e de Felício enche-me a alma.
    Obrigado aos dois.

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  9. É com muita alegria que vejo a Nazaré aqui...
    Continua,amiga!

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  10. O "nosso" Quito,mal sai de Coimbra,foge-lhe a pena para a nostalgia da solidão!
    Ainda bem que partilhas connosco os teus estados de espírito, pois assim reconfortas os nossos.

    Na paleta de cores outonais, a natureza revela todo o seu esplendor!

    Os teus textos valem pelo que valem e ainda têm a mais valia pelos comentários que eles suscitam complementam.
    Um abraço.

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  11. Pela parte que me toca este texto é um Hino de LUZ.
    A LUZ de Outono, e o resto.
    O melhor que hesiste para a fotografia de paisagem.
    Obrigado.
    Tonito.

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  12. Só agora e já não é nada cedo venho por aqui para ver o que o nosso romancista escreveu!
    É uma desvantagem e uma vantagem ao mesmo tempo!
    Os comentaristas anteriores já não me deixaram margem para dizer qualquer coisa de original, mas tive o previlégio não só de ler e reler esta magnifica peça "Prelúdio do Outono"-que podia muito bem ser acompanhada ao piano pelo teu filho André- podia ser Vivaldi como suger o Leitão,mas tive a vantagem de também poder apreciar na mesma leitura os belos comentários feitos por quem sabe apreciar e comentar com propriedade tão bela escrita!
    Cada vez me sinto mais FELIZ pela criação deste espaço de Encontro de Gerações!
    Obrigado a todos vós!

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  13. Quem escreve como vocês, Quito e Rui Felício, está abençoado...E mais não digo,pois não tenho palavras.
    Só sei que alguém, talvez tu Rafael,possa guardar e publicar, não sei qualquer coisa assim, para voltarmos a reler quando os nossos corações pedirem.Obrigada por tão belas palavras que já li e reli.

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  14. A grande magia...Nanda, aparece e diz o que te vai na alma.

    É tão bom ver-te na tertúlia da nossa sala!!!

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  15. Já tinha lido este texto do Quito e disse a mim próprio que teria de o reler.
    Para melhor o saborear.
    Foi o que acabei de fazer e, embora habituado aos bons textos deste querido amigo, tenho de confessar que o meu apreço pela sua capacidade de transmitir sentimentos é enorme. A Natureza, a Mãe de todos os defeitos e virtudes, está sempre na sua mira.
    Belo, muito belo!
    Parabéns, Quito.
    Carlos Viana.

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  16. Em tempo:

    Fiz o meu comentário sem ter lido os comentários já publicados. Faço isso, por hábito, numa tentativa de não deixar influenciar a minha opinião.
    Verifico que apenas juntei a minha voz ao coro, o que é natural.
    Volto aqui apenas para dizer que gostei muito da voz da Nazaré. Quem tem uma voz tão bonita como a dela não tem o direito de a silenciar!...

    Carlos Viana.

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