(Foto Net)
É uma estranha comoção esta, a que me brota dos sentidos. Neste final de tarde sereno, deambulo por este vácuo do Tempo. O Sol, andou todo o dia atarefado, a querer romper por entre as nuvens. Ao longe, lá ao longe, diviso uma mancha de céu azul. E, por detrás, em pinceladas dispersas, um cenário de cor escarlate. Um quadro de Monet. Por um caminho estreito, progrido em direcção ao Juncal do Campo. O velho carro, conduz-me agora até ao topo da colina. E, lá ao fundo, esbatida contra a Gardunha, está a aldeia. Do lado esquerdo da estrada, um campo de oliveiras. Avisto um habitante daquele povo, pendurado numa escada. É hora de colher aquela dádiva da Natureza – a azeitona. Reconheço-o e aceno-lhe. É o Jerónimo. Corresponde ao meu cumprimento, com o gesto largo do boné, que lhe vai forrando a cabeça das intempéries do tempo. Que não das intempéries da alma. No chão, um enorme pano verde. É o regaço onde se acolhe o fruto. É o recomeço do ciclo do azeite. Enquanto vou descendo a colina, devagar, vem alguém ao meu encontro. É a Graciosa. Vem ligeira no seu andar. O seu jeito ladino de lidar com a vida. Se calhar vai para o lar dos idosos – penso - começar o seu turno. E, naquela calma espacial, naquele turbilhão de silêncios, um som metálico e soturno, sobressalta-me os sentidos. É o sino da aldeia. Ouve-se várias léguas em redor. Pelas suas badaladas, se medem as horas e o clamor dos dias festivos. Mas também da morte, quando bate os seus compassados “sinais”. E aí, o povo é um só. De todos os Lugares aparece gente, que se esgota por estes caminhos de Cristo. Conhecem-se todos uns aos outros, neste pequeno universo de solidariedade fraterna. E a notícia de um passamento, transmitida de boca em boca pelo badalar de um sino, é como fogo a arder em palha. Mas há os dias festivos. Nada mais triunfal, que uma festa de aldeia. É o dia de visitar as “alojas” do povoado. De provar o vinho espesso. De rumar ao largo da festa, de bandeiras enfeitado. De comer um frango, em reinadio convívio, numa mesa velha e tosca. Mas, também, de vestir o melhor fato, e acompanhar o padroeiro São Simão no seu andor. De pôr as colchas mais ricas à janela. Mesmo que modestas. Na frente, o padre vai rezando a sua ladainha, acompanhado por um séquito de fiéis. Depois a banda, nos seus uniformes azuis. O regente à cabeça do cortejo, com o seu fato aprumado. A menina de tenra idade, de saia curta e meias brancas, vai transportando o estandarte. E o homem do trombone, anafado e de bigode, com o suor a acudir - lhe ao rosto. De novo retomo a minha atenção à estrada. Deixei-me afundar nos meus pensamentos. Fui levado pela corrente dos dias sem fim. E logo à noite, quando a explosão de um outro mundo, me entrar pela casa adentro, dando-me notícias escandalosas do meu outro país, de novo cerro os olhos, num lamento. Recordo-me então do Jerónimo, pendurado numa escada, acenando-me com o boné. Aquela forma doce de caminhar pela vida. O povo na sua essência. O regresso à pureza inicial.
Quito Pereira