quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

ESPERANÇA DIAS MELHORES....

 

 Queridos amigos...!

 

 Meu Quintal

 

Ano passado, a essa altura, Maíra e eu estávamos ansiosas pela viagem à Portugal. O objetivo era conhecer essas pessoas maravilhosas, que aprendi a gostar, mesmo à distância. Foi fantástico! Agradeço, de novo, cada momento vivido com vocês Ainda hoje me emociono ao relembrar tanto carinho por nós. Até música foi composta para mim. Obrigada, Paulo Moura. E o fado....ah, o fado cantado por vocês...Deus, como não amar a todos!?

Agora, mais um ano se foi!

Foi diferente de todos os outros. Foi frustrante para sonhar. Não foi fácil!

Tanta lágrima caiu, não é? Tudo aquilo que esperávamos não se cumpriu.

Agora, porém, é hora de recomeçar, de não desistir, de se superar, e esperar que tudo seja bem melhor. É só acreditar!

Pelo que não pôde ser, pelas lágrimas caídas, encontros impedidos e tantas despedidas...

O que posso dizer?

Que os sonhos, JAMAIS, podem acabar!


Feliz Novo Ano! Ofereço-lhes estas flores, cultivadas pelas minhas mãos...ou seja, com todo meu carinho


Chama a Mamãe

AQUI ESTAMOS... DESEJANDO UM FELIZ ANO  2021


terça-feira, 29 de dezembro de 2020

NAQUELE DIA LEVANTOU-SE UMA VENTANIA...TEXTO DE GEORGINA FERRO




 
Naquele dia levantou-se uma ventania que parecia querer levar tudo à frente. Eram três da tarde e o céu tinha nuvens tão negras, mas tão negras que mais parecia já ser noite. A vaca tinha ido ao lameiro do Vale da Cruz de cima e a tia ainda não tinha arranjado um "poquenino" para a ir buscar. É que tinha ido apanhar umas beldroegas para acrescentar à vianda do marrano e demorara-se. Ainda tinha de ir  encher o cântaro à fonte, comprar petróleo para o candeeiro, picar as giestas para fazer a cama à Mourisca...
    O tio estava a trabalhar numa obra em Espanha, para lá de Valverde del Fresno. Só viria dali a uns dias.
A tia estava mesmo "consumidinha de todo".
    Foi então que eu lhe pedi que me deixasse ir buscar a vaca.
     "Ai filha, está tanto vento que eu tenho medo que vás!" 
     _ "Vou, pois. O vento não pode comigo e eu dou uma corrida."
   Bem dito bem feito,  lá fui eu rua fora.
    A Mourisca foi sempre uma vaquinha muito esperta. Como viu ficar tão escuro, saltou o portal e pôs-se a caminho de volta. Já a encontrei quase a meio da aldeia. 
    A minha tia nem queria acreditar! Mal tinha tido tempo de arranjar um braçado de galhos para atiçar o lume, feito a cama à vaca, dado a vianda ao porco, espalhado milho às galinhas que já queriam ir para a capoeira... Ainda não lavara as chaminés dos candeeiros nem tinha ido ao petróleo. Fui eu, entao, ao comércio da minha tia Rita " por mor" do petróleo. 
As nuvens cada vez eram mais carregadas e negras, mas o vento amainara. Ainda não tinham tocado as Trindades e já era noite escura. Quando subíamos as escaleiras começaram a cair os primeiros farrapinhos de neve..
A tia pôs dois toros grossos no lume e uns cavacos de carvalho que aqueciam melhor que o pinho. Arrimou ao lume a panela grande cheia de água,   para depois  despejar na bacia e  "escaldarmos" os pés antes de irmos para a cama. Pôs brasas no ferro de passar e aqueceu-me uma camisa de dormir de flanela e também os lençóis da cama, para eu dormir mais quentinha. Com a sua ternura aqueceu-me a alma de criança. Esse calor perdura em mim até hoje
Georgina Ferro

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

ANIVERSÁRIO CARLOS FALCÃO

CARLOS FALCÃO

28-12-1947

Nesta data especial...

"Encontro de Gerações" deseja

MUITAS FELICIDADES!

PARABÉNS!
 

sábado, 26 de dezembro de 2020

VENTO NOTURNO


VENTO NOTURNO

Pela estrada asfaltada e de mau piso, rumar à Praia da Luz. Um bastião de luz e de cor. De casas brancas de chaminés trabalhadas e de uma praia de mar azul. Também uma singela capela de altar dourado e um pensamento – Maddie MacCann. Lembrar uma menina e um drama. Olhar do lado esquerdo uma banca de velas elétricas que se acendem pelas moedas dos visitantes. Meter o dinheiro na ranhura e ver quatro ou cinco lâmpadas tomarem vida em memória da criança inglesa. Depois rumar ao Forte. Almoçar olhando o horizonte e o promontório de Sagres escondido por entre a neblina, talvez ele muito cioso no resguardo seu Infante de outras épocas, um homem do mundo e de outros mundos – novos mundos.  O vinho que se bebe, o brinde de copos que se tocam num olhar ao futuro. Depois regressar. Percorrer outros caminhos ao cantar das cigarras. Olhar a cidade deserta pela canícula deste estranho verão. E logo, ao declinar da tarde, os pequenos barcos de brancas velas recolhem ao porto depois de um dia de lazer. E outros, no ganha – pão  dos simples, partirão para a faina. Ficam estáticos no horizonte, apenas denunciando a sua presença pelas trémulas luzes que mais não são que pequenos pontos no regaço do oceano. Quando a noite se fechar sobre a cidade, os Ventos do Infante tomarão conta da urbe de avenidas largas e vielas estreitas de origem medieval e de forasteiros que se aventuram na procura de um bar aberto para um convívio de gentes de várias nacionalidades. Fechar a janela ampla e ouvir o sibilar do vento a roçar-se fagueiro pela persiana como um gato a acariciar as pernas do dono. É o vento noturno, intemporal e propriedade de uma das mais belas cidades do nosso Portugal – Lagos.

Kito Pereira

      

ANIVERSÁRIO


 PAULO NOBRE

26-12-1938

Nesta data especial...

"Encontro de Gerações" deseja

MUITAS FELICIDADES!

PARABÉNS!

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

ANIVERSÁRIO

MARIA JOSÉ ALMEIDA SOARES

          ZECA SOARES

23-12-1944

Nesta data especial...

"Encontro de Gerações" deseja

MUITAS FELICIDADES!

PARABÉNS!
 

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

sábado, 19 de dezembro de 2020

NATAL 2020 - DÁDIVA DE NATAL PARA QUEM GOSTA DE LER - DE ANTONINO SILVA

 

Não é por isso que a serra se chama Serra da Lapa, mas podia ser.

É a minha dádiva de Natal para quem gosta de ler.

«Sentia que as pernas lhe falhavam e os pés, julgava, tinham ficado para trás, muito antes da subida depois de Vila da Ponte. Pelo menos, tinha sido por ali que deixara de os sentir nas botas, tal era o frio e a neve que cobria a serra.

As memórias recentes assaltavam-no como um pesadelo de olhos abertos. Nunca pensara, apesar de soldado, que pudesse haver tanta miséria humana quando do outro lado estão homens de outra cor. A sua história militar era um papel químico de que se perdera o original. Era a sombra de um soldado que, alguma vez, noutro tempo e noutro lugar, tinha sentido orgulho de vestir uma farda e de empunhar a espingarda. Pertencia à brigada que estava sediada no Solar dos Gouveia, o quartel da capitania-mor de ordenanças, em Fonte Arcada, na altura sede de município e hoje fazendo parte do concelho de Sernancelhe. O solar dos Gouveia exibe ainda um largo pátio de quinhentos metros quadrados onde, na altura, se fazia a parada militar e fuzilavam os prisioneiros de guerra. Como o destacamento militar era uma brigada, este solar é hoje também conhecido como o Solar dos Brigadeiros.

Este aquartelamento era de enorme importância no contexto da altura. Dali partiam as brigadas para as escaramuças contra os franceses e outros jacobinos e faziam várias batidas às dezenas de povoações do vale do Távora, todas as que acendessem os fogos de atalaia, a avisar que tinham avistado tropas gaulesas ou espanholas a dirigirem-se para Lamego. Pela serra de Leomil, sabia-se, a progressão dos invasores não era de todo possível, porque as peças de artilharia necessitavam de piso firme que não deixasse atolar na lama as rodas cortantes e permitisse a uma junta de mulas puxar aquela massa de ferro. Por outro lado, em Fonte Arcada há uma torre do relógio no ponto mais alto, antiga torre medieval de vigia. Ninguém passaria pela estrada que vinha de Sernancelhe sem que fosse avistado do alto.

Uma segunda função do solar era a zona mais negra de toda a imoralidade da guerra: a prisão desumana e a antecâmara da morte. Era essa coisa difusa, não definível, que provocava os vómitos morais àquele desertor, João Boto de seu nome. Os dias passavam ironicamente feéricos, como se se sucedessem, suspensos, noutra dimensão. Enquanto soldado, nunca tinha vacilado e carregava e descarregava a escopeta como quem jogava à bisca de dois: ou ganhas tu ou ganho eu. Sabia que, se não matasse morreria, e isso nunca o atormentou.

Porém, quando foi destacado para guarda da prisão e para o pelotão de fuzilamento, algo nele de quebrou. Sentiu que a coluna da humanidade, que lhe sustentava o ser como soldado, tinha sido decepada por baixo, tão baixo quanto um homem pode ser vil. Viu como é possível levar à ignomínia a condição de homens, tratados abaixo da condição de um verme, até que os olhos não tivessem olhar nem a alma nenhuma vontade de ser. Em surdina, ouvia uma e outra vez “tuêmuá mê siê! tuêmuá mê siê!”. Eram pequenos homens, ainda imberbes, a quem as práticas de interrogatório já desfigurara os rostos e cujos ossos da mão tinham sido multiplicados. Num ou noutro, uma perna ou um braço faziam já um arco sinistro. Quando podia, chegava-lhes aos lábios água que guardava secretamente e, se o acaso dava, deixava-lhes ficar uma côdea de pão. E à noite nem sabia bem se ouvia ou se sonhava que ouvia “tuêmuá! tuêmuá!”. 

Para maior desarranjo da consciência, não percebia como era possível que aparecesse o sorriso no rosto daqueles meninos homens amarrados aos postes de fuzilamento na altura em que vários canos vomitavam o chumbo que lhes marcava a libertação da dor. Isso intrigava-o e agudizava a sua angústia. João Boto não conseguia e nem queria entender isso, pois sentia que tinha perdido a centelha de humanidade que um dia já tivera, num outro tempo em que era um filho de agricultor, na aldeia de Freixinho.

A jaculatória “tuêmuá” não o largava e, na véspera de natal, dia em que teve licença de visita a casa, preferiu ir a pé a Sernancelhe e falar com o pároco, que ele sabia inteligente como poucos e tinha estudos. De certeza que o poderia ajudar a decifrar o que queriam dizer aquelas palavras. Chegado lá, o padre Matias, que andava a preparar tudo para a Missa do Galo, ouviu-o em confissão e ele falou-lhe disso, das palavras indecifráveis. Então, o padre explicou-lhe que aqueles homens suplicavam: “Tuez moi, monsieur!”, ou seja, “mate-me, meu senhor”.

João Boto chorou, então, choraram ambos, mas ele chorou como um órfão que acabara de perder a mãe. E, sim, ele sentia que era órfão, um deserdado da dignidade. Decidiu não voltar ao quartel. Preferia ser desertor e fuzilado a ser causa de tanta miséria na existência dos outros. Compreendeu porque é que a felicidade assaltava os olhos dos homens presos ao poste e as palavras não eram sonhos, mas súplicas. 

Passando Vila da Ponte, meteu-se pela atual serra da Lapa acima, cheia de neve e ouvindo o uivo dos lobos que, por perto, farejavam o sangue quente. Acelerou o passo, mas as forças começavam a fraquejar. Sabia que só dariam pela sua ausência na tarde do dia de Natal, altura em que deveria regressar à brigada. Por isso, decidiu procurar um abrigo debaixo de uma penedia qualquer para passar a noite. 

Já com a luz da lua que derramava o seu leite pela alva neve, avistou uma elevação com uma lapa larga, que lhe serviria de abrigo. Puxou da pederneira para atiçar uma lucerna de azeite que o acompanhava sempre em campanha e iluminou o espaço. Viu, ao fundo, algo que devolvia o ténue brilho da chama… e foi ver. 

Era uma imagem de uma Senhora com o Menino ao colo, que alguém escondera ali, noutros tempos e noutras perseguições.  Pegou nela com as mãos de pecador e colocou-a sobre uma pedra. Acomodou-se e chorou de novo. Pediu perdão e tentou lavar a alma. Parecia que a imagem lhe sorria e ele propôs-lhe que, naquela noite, naquela noite só, se fizessem companhia e ele pudesse celebrar, assim, todos os Natais que perdera no tempo da guerra. A Senhora disse-lhe que sim, que acoitava todos os corações aflitos e seria, mais uma vez, a fonte da redenção.

João Boto continuou ajoelhado até adormecer e, na tarde de Natal, quando os companheiros de brigada o procuraram por toda a parte, seguindo-lhe o rasto na neve, alguém se deparou com uma lapa na serra, com um presépio onde estava Maria com o Menino ao colo e José, estranhamente, vestido de soldado.»

Natal de 2020.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

ENCONTRO COM A A RTE - PROSA - CONTO

 Quando eu já andava à escola, a senhora professora não ia connosco para o campo. Tinha de dar as suas aulas dentro da sala e tomar conta de nós à hora dos recreios. Tinha sessenta e cinco alunas distribuídas pelas quatro classes. Era tratada com o máximo respeito e, ordem que a senhora desse, era cumprida por cada aluno e acatada pelos nossos pais. Lembro-me de fazermos muitas rodas; de formarmos dois grupos de frente um para o outro e um avançava e recuava a cantar " fui ao jardim da Celeste , giroflé, giroflá, fui ao jardim da Celeste giroflé flé flá...." ; Já eu andava na segunda classe quando ouvia as meninas da quarta dizerem os nomes dos reis de Portugal e das rainhas suas esposas. Claro que não me interessava muito o nome de quem não conhecia, mas quando a senhora D. Normélia veio para o recreio  ensinar-nos o jogo de pedido de casamento do Rei D. ... quer casar com a rainha Dona ... , num instante decorei todos os nomes...      Também me lembro de aprender o jogo do sinal vermelho e verde, do gato e do rato, do encadeado meu encadeado não me aperte a mão que me estala o braço. 

     Mas o meu jogo preferido era o mocho e as cinco chinas! 

      Nos dias de chuva não havia recreio e dentro da sala quase não se via nada com os vidros embaciados e sujos. Como não tínhamos candeeiros e ainda não havia electricidade na aldeia,  íamos para a parede do fundo cantar a tabuada...  

     Perto do Natal já havia grandes nevões. Mas era difícil aguentar o frio sem lume e sem aquecedores.       

     No primeiro sábado de Dezembro de 1955, de tarde, depois das aulas,  a senhora professora foi para a igreja fazer o presépio com o senhor Padre Baptista. 

      As alunas mais crescidas foram com as suas catequistas procurar musgo e as mais pequenas ficaram na igreja a ajudar no que fazia falta: entregavam, um a um,  os  cavaquinhos (ali em monte) para fazer a base do presépio; foram apanhar uns punhadinhos de areia na rua; eu corri a casa a buscar um taleguinho de serradura que o meu tio já tinha guardado na carpintaria.

     Não tardou um nadinha a chegarem canastras e cestinhas de musgo verdinho com que se ia tapando a armação preparada. Depois, as senhoras começaram a  desembrulhar as figurinhas do presépio que nos punham nas mãozitas pequenas e regeladas, com mil  cuidados e conselhos. Nós, de olhos fixos na imagem, em passinhos seguros e vagarosos íamos entregar o pequenino tesouro que haviam depositado a nosso cuidado.

     A tarde estava a chegar ao fim. Já quase não se via o que estávamos a fazer. Não tardaria o toque das Trindades e ninguém queria arredar pé sem tudo estar terminado. Nisto, a minha prima, que era catequista, foi acender um petromax, mas queixou-se que tinha pouco petróleo e não tardaria a apagar-se. Na caixa das esmolas não havia dinheiro para ir comprar nem sequer meio quartilho.  O senhor Padre ficou triste, porque ele também não tinha. A D. Normélia prontificou-se a pagar no dia seguinte se no comércio quisessem esperar pelo pagamento.    

      Entrementes, o senhor Padre acendeu duas velas e o petromax apagou-se antes de chegar mais petróleo.

   Como já estavam a dar as três primeiras badaladas das Avé-Marias, todos saímos em correria para os nossos lares.

  Só sei que o presépio estava deslumbrante para o meu olhar de menina...

     Georgina Ferro


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

POEMA DE NATAL DO POETA JORGE CASTRO

NATAL 2020

passo por este Natal como se Natal não fosse
passo pelo Natal como se nem houvesse
pedem-me que viva como se não vivesse
– nunca estive preso que agradecesse... –

lá fora choveu
está frio
e eu
vejo pela vidraça que tudo parou
mas vendo melhor
o Sol
o mar
o vento a soprar
percebo que ao fim nada em mim mudou
só este torpor
o garrote imenso de mal respirar
esse algo indizível que nos rouba o ar

mas passo o Natal como se nada fosse
pois que há na Terra
a fome 
e o frio 
o medo e a guerra que sempre acontece
como há o riso
o sonho
e a vida que já amanhece

quero então que o Natal seja um recomeço
e seja também 
quanto lhe apetece dar passos em frente 
a caminho da esperança 

e que mais não seja 
– ao longe e muito ao de leve –
o primeiro choro de alguma criança
nascida a Dezembro deste inverno duro
e a mãe que a teve
se atreva a erguê-la aos céus deste mundo
gritando que ali 
nasceu o futuro.

                                                                                                                 
- Tenham um bom Natal e um sorridente ano novo 

                                                                                                                           Jorge Castro

                                                                                                                    15 de Dezembro 2020

domingo, 13 de dezembro de 2020

sábado, 12 de dezembro de 2020

ENCONTRO COM A ARTE - PROSA


 Quando Dezembro entrava na aldeia, o frio invadia os campos, as casas, o nosso corpo... A lenha de grossos toros de ramadas de carvalho estava no curral, desde o início da Primavera anterior, bem organizada e tapada por forte cobertura de giestas, fieitos e carqueja que se arrancara da floresta sempre bem catada, não só para evitar fogos, mas porque era necessária todos os dias fosse Inverno ou Verão. Passada a apanha das castanhas ia-se procurar mais umas canastras de pinhas, fazia-se o desbaste das giestas envelhecidas e da carqueja, cortavam-se alguns ramos mais secos de árvores frondosas e atulhava-se o carro das vacas engalanado com os estadulhos bem altos para segurarem bem a carrada. 

    Também se limpavam os ramos grossos dos pinheiros e traziam-se para casa para se cortarem com a pedôa sobre um cepo, em pequenos feixes que se iam acarretando para a lareira conforme iam fazendo falta. 

     Eu gostava que se fizesse o desbaste dos pinheiros que nasciam demasiado perto uns dos outros. Vinham quase inteiros ao longo do chadeiro, apanhando um bocado da cabeçalha. Esses pinheiros, depois de serrados em toros eram rachados em cruz e formavam achas grandes e resinosas. Eu adorava aquele cheiro e por mais que meu tio gritasse “tirem-me a menina daqui, não vá eu magoá-la sem querer”, não arredava pé. Mal os cavacos caíam ao chão eu corria a apanhá-los para levantar uma torre com eles como via fazer às pessoas crescidas.

Mas o pior é que os meus deditos muito pequeninos, ainda hoje são, gelavam e faziam-me deitar lágrimas de verdade, com dor. E minha tia que sempre tinha água quente ao lume, primeiro deitava água fria na bacia e só a ia amornando a pouco e pouco com um pucarinho de água quente para eu não aquecer de repente e ter ainda mais dores.

     Ao serão a tia tricotava em lã, todos os anos, mais uns pares de meias e umas luvas de cinco dedos que eu aprendi a fazer também, ainda antes de entrar para a escola. Era o orgulho da minha tia mostrar a habilidade da cachopita ainda tão pequena. O que é certo é que ainda agora as sei fazer.

     Depois, sobre uma combinação e cuequinhas de flanela, enfeitadas com espiguilha ou uma rendinha, vestíamos um vestidinho de tecido mais grosso, uma camisola feita em casa e, para sair, nem todos tinham um sobretudo e uma touca para a cabeça. Os rapazes deixavam de usar calções e vestiam calças de pana sobre as ceroulas. Agasalhavam-se em camisolões que eram feitos sempre para os irmãos mais velhos e iam passando para os mais novos. Até as calças! Muitas das vezes era aproveitado o tecido dumas calças velhas do pai para fazer umas calças pequenas!

Em casa o serão era sempre à roda da lareira com as portas bem fechadas e tapadas as frechas com uns rolos de pano cheios com narvalhas e um pouco de areia da ribeira. Mas quando se ia fazer o serão na casa dos tios, vizinhos, amigos, enchia-se uma braseira de borralho e punha-se no estrado para todos terem lugar perto do calor.

     E se o calor do lume nem sempre era suficiente, havia uma correria louca pela casa toda, num jogo de apanha e foge, umas escondidas atrás das portas ou debaixo das camas! Também jogávamos à sardinha, ao varre varre vassourinha e víamos os adultos jogar às cartas. Se houvesse algum baralho já muito gasto, jogávamos nós à bisca de três, ao estanderete,... Nem dávamos conta do sacrifício que os adultos faziam para nos criarem, pois era o nosso tempo de sermos felizes com o que íamos tendo em cada dia.

Georgina Ferro


quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

À CONVERSA COM OS AMIGOS - TEXTO DE KITO PEREIRA

 

À CONVERSA COM OS AMIGOS …

 

Vivemos um estranho tempo. Um tempo de reclusão voluntária, a conselho do governo e das autoridades sanitárias. Balançamos entre a ansiedade e estados de alma, crentes no rigor científico, mas desconfiados do supermercado de vacinas que prometem meter a vida mundial de novo nos carris. E eu, defronte de um teclado, alimento-me de palavras e de frases que me espantem os maus espíritos. E hoje, e mais uma vez, lembrei terras de África. Lá, em Canjadude, deixei uma prestação da minha vida terrena. Naquele planalto vivi. Um planalto com vários penedos de grande porte. Um deles era tão grande e majestoso, que tínhamos um posto de vigia lá no alto. Dali, víamos toda a bolanha, a espiar um qualquer movimento suspeito que nos fizesse pensar que o inimigo andava por perto. A tal rocha, tinha na sua base uma enorme cavidade, quase uma gruta, onde por artes da engenharia do desenrasca, se fundou um chiqueiro onde habitavam porcos pretos para consumo da base. Mas apenas para nós europeus, uma vez que os militares africanos se privavam de carne de porco por a sua religião não o permitir. Curioso recordar, que as rações de combate dos africanos traziam como refeição conservas de galinha, ao invés dos outros enlatados que eram de porco e intragáveis. A carne vinha quase crua e mal cozinhada, só faltava o porco grunhir de dentro da lata. Mas havia sempre a ocasião em que tínhamos direito a carne de porco sem ser de conserva. No dia da matança do porco, era sempre uma festa. Porém, eu e os outros graduados, fugíamos para o nosso abrigo, para não sermos cúmplices daquele ato primitivo e bárbaro do abate do animal. Porém, havia sempre cinco ou seis soldados que se dispunham a ajudar o João na matança do suíno. O João era o nosso cozinheiro. Era gordinho e atarracado, tinha umas bochechas rosadas e um sorriso doce e prazenteiro. Gostava de comer mas era racional na alimentação. Tudo tinha que ser aproveitado porque, naquele fim do mundo, não era grande a abundância. Geralmente, o João quando se decidia por matar porco fazia-o ao sábado. E nós a esfregar as mãos de contentamento, a suspirar por uma costeleta do animal bem suculenta e apetitosa com batatas fritas e um ovo a cavalo. Mas o João, naquela sua veia de racionalidade gastronómica e irritante, no domingo sequente e ao almoço, mandava para a mesa o focinho do porco, com os pezinhos e as orelhas do bicho, tudo acompanhado com grão – de - bico que, de tão duro que era, carregado numa espingarda matava pardais nos telhados. E nós, o que nos apetecia mesmo era correr a tiros de bazuca com o João cozinheiro, que nos destruía os sonhos de uma exaltante refeição dominical. Porém, nos dias seguintes, lá tínhamos direito a umas refeições melhoradas, onde a carne de porco era rainha com sabor a saudade e a Portugal.

Kito Pereira      

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

sábado, 5 de dezembro de 2020

ENCONTRO COM A ARTE - CONTO

 Toino, o Menino Jesus do Senhor Joaquim, Guarda Fiscal.

Olhei aquela casa e fechei os olhos. Voei no tempo e tive a mesma sensação de angústia que não esqueci.

Vi uma figura delgada de passo irregular e pesado a achegar-se. Era ainda um menino, mas já tinha sulcos desenhados no rosto débil e doente. Era o Toino da Ti Maurícia a chegar do contrabando. Os pés calejados e sujos nas alpargatas já rotas. Os suspensórios, sobre a camisola cor de telha parda, a segurar as calças de pana. Estas, tinham sido aconchegadas dumas que já apertavam ao Lau do ti Zé Grande, seu vizinho. Mas nele, tão largas, mais lembravam uma saca desaconchegada. Estava tão “arreganhadinho” que mais parecia uma estatueta.

Arrastou os pés até à porta. Já nem tremeu mais de medo ao ver os guardas, pois morrer não seria pior que a sua vida.

“Como se atrevia o cachopo a vir ali?!... Viria denunciar algum grupo rival!?”

Foi então que o pequenito tombou no chão quase sem ruído, sucumbindo à fome e ao desagasalho.

Os guardas entreolharam-se.

Eram lágrimas os diamantes que brilharam em seus olhos.

Também eles tinham começado pela candonga antes de serem apurados nas sortes. Embora o dever fosse contra, não tiveram coragem do cumprir.

Puseram mais uns galhos no pequeno lume. Esfregaram-lhe as faces geladas e as mãos roxas. Deram-lhe o naco de pão com que pensavam escorraçar a própria fome. Chegaram-lhe aos lábios uma pinga de aguardente que traziam para enganar as longas noites de plantão nos lugares escusos e frios, como era aquela. Mas o Toino não reagia.

Ao longe repicaram os sinos para a Missa do Galo.

O guarda Joaquim, nunca tivera filhos nem irmãos mais novos. Mas aquela criança tocou-lhe na alma de uma forma pungente. Ajoelhou e pediu a Deus Menino que renascesse também, naquele corpinho frágil que estava ali. Pegou-o ao colo e admirou-se com a sua leveza.

Nesse momento o Toino abriu os olhos e sorriu triste.

Era Noite de Natal, cantavam os sinos nos campanários de todas as aldeias em redor…

Joaquim acarretou o Toino para a sua casa, para a sua família, para a sua vida. Era o Seu Menino Jesus.

Georgina Ferro



quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

ENCONTRO COM A ARTE - PROSA -CONTO

 Ti Neves espevitou a candeia, pela terceira ou quarta vez. O murrão continuava sem querer alumiar a cozinha, uma vez que o azeite era tão poucochinho e já não havia mais na almotolia. Também o lume ardia mortiço, no cepo lá atrás, que ela ia "patchinando" (borrifando) de vez em quando, para que durasse ao longo da noite. 
 Cada vez que o vento uivava pela gateira da porta, ela aconchegava a si, o velho xale de lã, e rezava as suas jaculatórias! Lembrava o seu falecido! No tempo dele havia sempre lenha de sobejo, até tinha "cabras" nas pernas de tanto calor apanharem. Nessa altura acendia o candeeiro de petróleo, que dava uma luz mais clarinha! E ela fiava o linho que tinha colhido, espadelado, maçado... Também as suas cachopas, todas tinham coisas para fazer: coser roupa, remendar, bordar, cortar fitas para encher as canelas para as mantas de trapos!...enquanto soltavam estridentes gargalhadas ou entoavam as modinhas tradicionais.
Por onde andariam elas agora, com tantos filhos para criar? E pérolas sem brilho iam descendo pelo seu rosto abaixo.
 _ Truz...truz... ( Fortes pancadas na aldraba da porta de carvalho). Sou o Tonho, não se assuste Ti Neves. ( Foi entrando, cozinha adentro) . Venho trazer-lhe um poquenino de pão centeio, que a nossa Maria cozeu para fazer as farinheiras. Olhe, trago também uma febra de alguidar, para assar nas brasas! "Ai conho", nem brasas há nesta lareira! Vou buscar umas cepas de giesta, que piquei esta tarde! E tem aqui a candeia cheia de murrão!, que é isso? 
 _ Ai, Tonho, deixei acabar o azeite e já há muito tempo que não compro petróleo...Desde que vendi as vacas que não me sobeja dinheiro para gastar!... Este ano os castanheiros não deram castanhas que prestassem para vender!... Que eu rebusquei-as bem... Ainda deram para engordar o marrano. 
 _ Deixe lá, Ti Neves, enquanto eu tiver força nestes braços, não há-de passar fome nem frio! Juro-lhe em nome de Deus, que nos está a ver!... Se estou vivo a si lho devo!... Se não fosse vossemecê tinha morrido à míngua ainda pequeno! 
 _ Eram outros tempos, onde comiam dez havia sempre para mais um. E tu adoravas mílharas, lembras-te? Até dizíamos que a cegonha te devia ter trazido de Aldeia Velha! 
 _ Pois era! "Atão vá", eu vou num pé e venho noutro e já fazemos aí umas boas labaredas com brasas para assar a carne. Vou dizer à nossa Maria que venha e jogamos uma cartada!
 _ Ai "home" és um bom menino! Deus te valha sempre...

 Georgina Ferro