quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

ENCONTRO COM A ARTE - PROSA -CONTO

 Ti Neves espevitou a candeia, pela terceira ou quarta vez. O murrão continuava sem querer alumiar a cozinha, uma vez que o azeite era tão poucochinho e já não havia mais na almotolia. Também o lume ardia mortiço, no cepo lá atrás, que ela ia "patchinando" (borrifando) de vez em quando, para que durasse ao longo da noite. 
 Cada vez que o vento uivava pela gateira da porta, ela aconchegava a si, o velho xale de lã, e rezava as suas jaculatórias! Lembrava o seu falecido! No tempo dele havia sempre lenha de sobejo, até tinha "cabras" nas pernas de tanto calor apanharem. Nessa altura acendia o candeeiro de petróleo, que dava uma luz mais clarinha! E ela fiava o linho que tinha colhido, espadelado, maçado... Também as suas cachopas, todas tinham coisas para fazer: coser roupa, remendar, bordar, cortar fitas para encher as canelas para as mantas de trapos!...enquanto soltavam estridentes gargalhadas ou entoavam as modinhas tradicionais.
Por onde andariam elas agora, com tantos filhos para criar? E pérolas sem brilho iam descendo pelo seu rosto abaixo.
 _ Truz...truz... ( Fortes pancadas na aldraba da porta de carvalho). Sou o Tonho, não se assuste Ti Neves. ( Foi entrando, cozinha adentro) . Venho trazer-lhe um poquenino de pão centeio, que a nossa Maria cozeu para fazer as farinheiras. Olhe, trago também uma febra de alguidar, para assar nas brasas! "Ai conho", nem brasas há nesta lareira! Vou buscar umas cepas de giesta, que piquei esta tarde! E tem aqui a candeia cheia de murrão!, que é isso? 
 _ Ai, Tonho, deixei acabar o azeite e já há muito tempo que não compro petróleo...Desde que vendi as vacas que não me sobeja dinheiro para gastar!... Este ano os castanheiros não deram castanhas que prestassem para vender!... Que eu rebusquei-as bem... Ainda deram para engordar o marrano. 
 _ Deixe lá, Ti Neves, enquanto eu tiver força nestes braços, não há-de passar fome nem frio! Juro-lhe em nome de Deus, que nos está a ver!... Se estou vivo a si lho devo!... Se não fosse vossemecê tinha morrido à míngua ainda pequeno! 
 _ Eram outros tempos, onde comiam dez havia sempre para mais um. E tu adoravas mílharas, lembras-te? Até dizíamos que a cegonha te devia ter trazido de Aldeia Velha! 
 _ Pois era! "Atão vá", eu vou num pé e venho noutro e já fazemos aí umas boas labaredas com brasas para assar a carne. Vou dizer à nossa Maria que venha e jogamos uma cartada!
 _ Ai "home" és um bom menino! Deus te valha sempre...

 Georgina Ferro

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