Toino, o Menino Jesus do Senhor Joaquim, Guarda Fiscal.
Olhei aquela casa e fechei os olhos. Voei no tempo e tive a mesma sensação de angústia que não esqueci.
Vi uma figura delgada de passo irregular e pesado a achegar-se. Era ainda um menino, mas já tinha sulcos desenhados no rosto débil e doente. Era o Toino da Ti Maurícia a chegar do contrabando. Os pés calejados e sujos nas alpargatas já rotas. Os suspensórios, sobre a camisola cor de telha parda, a segurar as calças de pana. Estas, tinham sido aconchegadas dumas que já apertavam ao Lau do ti Zé Grande, seu vizinho. Mas nele, tão largas, mais lembravam uma saca desaconchegada. Estava tão “arreganhadinho” que mais parecia uma estatueta.
Arrastou os pés até à porta. Já nem tremeu mais de medo ao ver os guardas, pois morrer não seria pior que a sua vida.
“Como se atrevia o cachopo a vir ali?!... Viria denunciar algum grupo rival!?”
Foi então que o pequenito tombou no chão quase sem ruído, sucumbindo à fome e ao desagasalho.
Os guardas entreolharam-se.
Eram lágrimas os diamantes que brilharam em seus olhos.
Também eles tinham começado pela candonga antes de serem apurados nas sortes. Embora o dever fosse contra, não tiveram coragem do cumprir.
Puseram mais uns galhos no pequeno lume. Esfregaram-lhe as faces geladas e as mãos roxas. Deram-lhe o naco de pão com que pensavam escorraçar a própria fome. Chegaram-lhe aos lábios uma pinga de aguardente que traziam para enganar as longas noites de plantão nos lugares escusos e frios, como era aquela. Mas o Toino não reagia.
Ao longe repicaram os sinos para a Missa do Galo.
O guarda Joaquim, nunca tivera filhos nem irmãos mais novos. Mas aquela criança tocou-lhe na alma de uma forma pungente. Ajoelhou e pediu a Deus Menino que renascesse também, naquele corpinho frágil que estava ali. Pegou-o ao colo e admirou-se com a sua leveza.
Nesse momento o Toino abriu os olhos e sorriu triste.
Era Noite de Natal, cantavam os sinos nos campanários de todas as aldeias em redor…
Joaquim acarretou o Toino para a sua casa, para a sua família, para a sua vida. Era o Seu Menino Jesus.
Georgina Ferro
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