À CONVERSA COM OS
AMIGOS …
Vivemos um estranho tempo. Um tempo de reclusão voluntária, a
conselho do governo e das autoridades sanitárias. Balançamos entre a ansiedade
e estados de alma, crentes no rigor científico, mas desconfiados do
supermercado de vacinas que prometem meter a vida mundial de novo nos carris. E
eu, defronte de um teclado, alimento-me de palavras e de frases que me espantem
os maus espíritos. E hoje, e mais uma vez, lembrei terras de África. Lá, em
Canjadude, deixei uma prestação da minha vida terrena. Naquele planalto vivi. Um
planalto com vários penedos de grande porte. Um deles era tão grande e
majestoso, que tínhamos um posto de vigia lá no alto. Dali, víamos toda a bolanha,
a espiar um qualquer movimento suspeito que nos fizesse pensar que o inimigo
andava por perto. A tal rocha, tinha na sua base uma enorme cavidade, quase uma
gruta, onde por artes da engenharia do desenrasca, se fundou um chiqueiro onde
habitavam porcos pretos para consumo da base. Mas apenas para nós europeus, uma
vez que os militares africanos se privavam de carne de porco por a sua religião
não o permitir. Curioso recordar, que as rações de combate dos africanos
traziam como refeição conservas de galinha, ao invés dos outros enlatados que
eram de porco e intragáveis. A carne vinha quase crua e mal cozinhada, só
faltava o porco grunhir de dentro da lata. Mas havia sempre a ocasião em que
tínhamos direito a carne de porco sem ser de conserva. No dia da matança do
porco, era sempre uma festa. Porém, eu e os outros graduados, fugíamos para o
nosso abrigo, para não sermos cúmplices daquele ato primitivo e bárbaro do
abate do animal. Porém, havia sempre cinco ou seis soldados que se dispunham a
ajudar o João na matança do suíno. O João era o nosso cozinheiro. Era gordinho
e atarracado, tinha umas bochechas rosadas e um sorriso doce e prazenteiro.
Gostava de comer mas era racional na alimentação. Tudo tinha que ser
aproveitado porque, naquele fim do mundo, não era grande a abundância.
Geralmente, o João quando se decidia por matar porco fazia-o ao sábado. E nós a
esfregar as mãos de contentamento, a suspirar por uma costeleta do animal bem
suculenta e apetitosa com batatas fritas e um ovo a cavalo. Mas o João, naquela
sua veia de racionalidade gastronómica e irritante, no domingo sequente e ao
almoço, mandava para a mesa o focinho do porco, com os pezinhos e as orelhas do
bicho, tudo acompanhado com grão – de - bico que, de tão duro que era,
carregado numa espingarda matava pardais nos telhados. E nós, o que nos
apetecia mesmo era correr a tiros de bazuca com o João cozinheiro, que nos
destruía os sonhos de uma exaltante refeição dominical. Porém, nos dias
seguintes, lá tínhamos direito a umas refeições melhoradas, onde a carne de
porco era rainha com sabor a saudade e a Portugal.
Kito Pereira
Olá Kito
ResponderEliminarLi o texto muito Bom... fartei-me de rir.
Conheço estórias da Guiné mas com grão de bico assim duro não.
O Kito teve azar em não ter conhecido o cozinheiro Joaquim esse era generoso o que gostava para Ele era o que dava aos outros.
Um abraço
Um abraço, Lucinda. Que esteja tudo bem é o meu desejo para ti e filha ...
EliminarKito, nem quero imaginar como era esse porco de conserva. Ainda hoje, passados quase 40 anos desde que comi rações de combate, não consigo comer atum de conserva.
ResponderEliminarKito, nem vou contar, aqui, o que esses dias até narrei a uma das filhas...E, olha, me deu até saudades do meu tempo infância!
ResponderEliminarMas, ainda bem que vocês não passaram por isso:
Servido o almoço, em um restaurante da empresa, um empregado reclamou..."Fulano, que "coisa" é essa, que veio na comida?"
Ao que o "garçom" respondia: "Ah, isso é do saco do feijão!"
Dia sim, dias sim, também, o mesmo episódio se repetia. Outros reclamavam ao garçom e ele sempre a responder: "Ahhh, isso é do saco do feijão!"
Passado um certo tempo, descobriram que o apelido do cozinheiro era..."Feijão!"
heheheheheh
uai...por que saiu com esse "perfil", se sou Chama a Mamãe?
EliminarAcontece...mas já está a identificação feita e que eu saúdo, pois é sempre bom ver por aqui a presença de Chama a Mamãe.
EliminarOs meu respeitos...
Mamãe, isso soa-me a anedota.
EliminarO Kito é que tem uma forma muito diplomática e poética de escrever, mas as experiências de "gastronomia" que eu tive na tropa, além de outras que me contaram, ainda hoje me deixam enjoado só de me recordar.
Lá está porque és magrinho,isto é elegante!!!
EliminarSim, quis descontrair.
EliminarRafaelito, por essa lógica, pelas porcarias que comi na recruta, eu devia era estar inchado.
EliminarMamãe, descontrai que a descontracção faz e sabe bem.
Paulito, tu achas que um porco a grunhir de dentro de uma lata de conserva é poético? ...hihihihii
EliminarAbraço
É bem mais poético do que eu a grunhir cada vez que tinha que comer mais uma lata de atum.
EliminarE uma vez, na serra da Carregueira, as tendas eram canadianas baixinhas e só davam para dormir. À noite, deram-nos uma sopa que era quase só água. Chovia... e a sopa nunca mais acabava...
Até já estou a chorar com pena do Paulo Moura!... Coitadinho, andou numa tropa fandango e ainda se queixa...
EliminarDa comida na recruta, sim, queixo.
EliminarDe ter sido um tempo estúpido perdido depois da recruta, sim, queixo.
Sobre a guerra colonial - de que só me safei graças ao 25 de Abril de 1974 - nem consigo comentar. Eu tinha uns 12 anos quando um amigo mais velho regressou de África e nos mostrou um álbum de fotografias que tirou enquanto lá esteve. E as fotografias eram a preto e branco, mas não escondiam muito sangue.
Gostei do que li, estórias passadas em tempo de guerra, mas que deixaram matéria para que nos fossem contadas com alguma dose de pitoresco...
ResponderEliminarPensava eu que porcos pretos só havia no Alentejo...
Sr: Rafael
ResponderEliminarNo Alentejo quando eu era pequena todos os vizinhos tinha porcos pretos.
Passados alguns anos apareceram porcos brancos. depois eram malhados o que aconteceu não sei. ...lá na quinta não havia porcos o meu Pai era meio vegetariano..Assim a minha Màe ia ao talho e comprava as carnes que queria mas meu Pai comia muito pouca carnre
A gora só oiço falar em porco preto que é da região de Portalegre.
Vocês não têm lido as noticias?
ResponderEliminarA lógica actual da moda é esta: "vocês falam do porco branco como porco branco? Não! Falam em porco. Então por que razão se referem ao porco preto?"
O mundo está perdido... mas convenhamos que nunca se encontrou...
Porque as carnes são diferentes...
EliminarE como o porco preto é mais raro, é preciso esclarecer...Podes pedir porco negro.
Isto agora é um trauma para toda a gente...
Bem, com esta estória dos porcos, arranjou-se aqui uma boa conversa. Um abraço a todos ...
ResponderEliminarE já agora que estamos a remexer na gastronomia da tropa, a dobrada muito mal lavada que nos davam na carreira de tiro da Tornada nas Caldas da Rainha. Era um suculento petisco ...
ResponderEliminarMas a dobrada tem a mesma cor, seja dos brancos ou pretos
EliminarAcho que a dobrada é da vaca aqui é boi.
ResponderEliminardo bucho do porco faz-se um enchido como o das morcelas.para que gosta de morcela.
Em Portalegre no mês de Maio com favas uma fatia grossa desse bucho de morcela é uma delícia.
Se estou enganada de que bicho vem a dobrada digam s.f.f obrigado
Estou tão baralhado com estas histórias a preto e branco que até atribui a dobrada ao animal errado. Que o boi e a vaca me perdoem!!!
ResponderEliminarAs vacas e os bois por causa das confusões são castanhos embora algumas tenham manchas escuras...
Obrigado pela infomação.
ResponderEliminarO que me vale são estas estórias que vou lendo aqui...para quem está sózinha por causa da Pandemia ajuda a passar ,...pois não posso ir a casa da Filha do Irmão...só vou ao super ao banco e farmácia.
um abraço