quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

ENCONTRO COM A A RTE - PROSA - CONTO

 Quando eu já andava à escola, a senhora professora não ia connosco para o campo. Tinha de dar as suas aulas dentro da sala e tomar conta de nós à hora dos recreios. Tinha sessenta e cinco alunas distribuídas pelas quatro classes. Era tratada com o máximo respeito e, ordem que a senhora desse, era cumprida por cada aluno e acatada pelos nossos pais. Lembro-me de fazermos muitas rodas; de formarmos dois grupos de frente um para o outro e um avançava e recuava a cantar " fui ao jardim da Celeste , giroflé, giroflá, fui ao jardim da Celeste giroflé flé flá...." ; Já eu andava na segunda classe quando ouvia as meninas da quarta dizerem os nomes dos reis de Portugal e das rainhas suas esposas. Claro que não me interessava muito o nome de quem não conhecia, mas quando a senhora D. Normélia veio para o recreio  ensinar-nos o jogo de pedido de casamento do Rei D. ... quer casar com a rainha Dona ... , num instante decorei todos os nomes...      Também me lembro de aprender o jogo do sinal vermelho e verde, do gato e do rato, do encadeado meu encadeado não me aperte a mão que me estala o braço. 

     Mas o meu jogo preferido era o mocho e as cinco chinas! 

      Nos dias de chuva não havia recreio e dentro da sala quase não se via nada com os vidros embaciados e sujos. Como não tínhamos candeeiros e ainda não havia electricidade na aldeia,  íamos para a parede do fundo cantar a tabuada...  

     Perto do Natal já havia grandes nevões. Mas era difícil aguentar o frio sem lume e sem aquecedores.       

     No primeiro sábado de Dezembro de 1955, de tarde, depois das aulas,  a senhora professora foi para a igreja fazer o presépio com o senhor Padre Baptista. 

      As alunas mais crescidas foram com as suas catequistas procurar musgo e as mais pequenas ficaram na igreja a ajudar no que fazia falta: entregavam, um a um,  os  cavaquinhos (ali em monte) para fazer a base do presépio; foram apanhar uns punhadinhos de areia na rua; eu corri a casa a buscar um taleguinho de serradura que o meu tio já tinha guardado na carpintaria.

     Não tardou um nadinha a chegarem canastras e cestinhas de musgo verdinho com que se ia tapando a armação preparada. Depois, as senhoras começaram a  desembrulhar as figurinhas do presépio que nos punham nas mãozitas pequenas e regeladas, com mil  cuidados e conselhos. Nós, de olhos fixos na imagem, em passinhos seguros e vagarosos íamos entregar o pequenino tesouro que haviam depositado a nosso cuidado.

     A tarde estava a chegar ao fim. Já quase não se via o que estávamos a fazer. Não tardaria o toque das Trindades e ninguém queria arredar pé sem tudo estar terminado. Nisto, a minha prima, que era catequista, foi acender um petromax, mas queixou-se que tinha pouco petróleo e não tardaria a apagar-se. Na caixa das esmolas não havia dinheiro para ir comprar nem sequer meio quartilho.  O senhor Padre ficou triste, porque ele também não tinha. A D. Normélia prontificou-se a pagar no dia seguinte se no comércio quisessem esperar pelo pagamento.    

      Entrementes, o senhor Padre acendeu duas velas e o petromax apagou-se antes de chegar mais petróleo.

   Como já estavam a dar as três primeiras badaladas das Avé-Marias, todos saímos em correria para os nossos lares.

  Só sei que o presépio estava deslumbrante para o meu olhar de menina...

     Georgina Ferro


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