Naquele dia levantou-se uma ventania que parecia querer levar tudo à frente. Eram três da tarde e o céu tinha nuvens tão negras, mas tão negras que mais parecia já ser noite. A vaca tinha ido ao lameiro do Vale da Cruz de cima e a tia ainda não tinha arranjado um "poquenino" para a ir buscar. É que tinha ido apanhar umas beldroegas para acrescentar à vianda do marrano e demorara-se. Ainda tinha de ir encher o cântaro à fonte, comprar petróleo para o candeeiro, picar as giestas para fazer a cama à Mourisca...
O tio estava a trabalhar numa obra em Espanha, para lá de Valverde del Fresno. Só viria dali a uns dias.
A tia estava mesmo "consumidinha de todo".
Foi então que eu lhe pedi que me deixasse ir buscar a vaca.
"Ai filha, está tanto vento que eu tenho medo que vás!"
_ "Vou, pois. O vento não pode comigo e eu dou uma corrida."
Bem dito bem feito, lá fui eu rua fora.
A Mourisca foi sempre uma vaquinha muito esperta. Como viu ficar tão escuro, saltou o portal e pôs-se a caminho de volta. Já a encontrei quase a meio da aldeia.
A minha tia nem queria acreditar! Mal tinha tido tempo de arranjar um braçado de galhos para atiçar o lume, feito a cama à vaca, dado a vianda ao porco, espalhado milho às galinhas que já queriam ir para a capoeira... Ainda não lavara as chaminés dos candeeiros nem tinha ido ao petróleo. Fui eu, entao, ao comércio da minha tia Rita " por mor" do petróleo.
As nuvens cada vez eram mais carregadas e negras, mas o vento amainara. Ainda não tinham tocado as Trindades e já era noite escura. Quando subíamos as escaleiras começaram a cair os primeiros farrapinhos de neve..
A tia pôs dois toros grossos no lume e uns cavacos de carvalho que aqueciam melhor que o pinho. Arrimou ao lume a panela grande cheia de água, para depois despejar na bacia e "escaldarmos" os pés antes de irmos para a cama. Pôs brasas no ferro de passar e aqueceu-me uma camisa de dormir de flanela e também os lençóis da cama, para eu dormir mais quentinha. Com a sua ternura aqueceu-me a alma de criança. Esse calor perdura em mim até hoje
Georgina Ferro
Parece que eu estava a ler um livro, cujo conteúdo é riquíssimo em detalhes ricos. Neste capítulo, confesso que "vi" todas as cenas. Imaginei um campo, verde, mas com a vegetação já um tanto úmida, pelo orvalho da quase chuva a cair. Ah, a cena do carvão no ferro fez-me lembrar minha infância, porque era esse o tipo de ferro que tínhamos em casa. Que delícia de texto. Que tia mais fofa é essa?!
ResponderEliminarGosto muito dos textos desta amiga do facebook, que me autorizou a publicar sempre que quiser!
ResponderEliminarBoa noite Chama a Mamãe!
Texto relatado com alma de quem conhece e viveu na realidade da sua infância estes deliciosos momentos!
ResponderEliminarO carinho da cama quentinha com tanta ternura.
Obrigada Georgina.